ANTÓNIO
ALCÂNTARA MACHADO
O
ELO "QUASE" QUE PERDIDO
DO
MODERNISMO PAULISTA E BRASILEIRO
António de Alcântara
Machado – Foto Reprodução: Ricardo Rocha/CMSP
INTRODUÇÃO:
Pesquisar António de Alcântara Machado não foi
trabalho fácil. Comecei a pesquisa, a arregimentação de material e as leituras
e releituras dos livros disponíveis, em abril de 2008. Até agora, 2015,
inúmeras vezes pensei ter concluído o projeto, a “síntese” cronológica da vida
e obra do “escritor de São Paulo” – e tive que reiniciar, reestudar, reler e
reler, pois fatos novos medravam a todo momento. E isso me tornava mais afoito
em buscar mais, mesmo sabendo das dificuldades de informações precisas, de
encontrar portas abertas nas instituições mantenedoras de fontes originais e
fidedignas. Como é difícil no Brasil pesquisar literatura, artes plásticas,
música e os personagens dessas ciências, por exemplo, não sendo um “ex”
estudante da USP, pelo menos aqui no Estado de São Paulo. Se depender do IEB
(Instituto de Estudos Brasileiros)... Esqueça. Bem... Mas existem outros meios
e neles me lancei para interatuar.
É sempre conveniente lembrar que no rol dos
objetivos do Blog Retalhos do
Modernismo estão: divulgar assuntos pertinentes ao evento da Semana de
Arte Moderna de 1922, os desmembramentos da primeira fase do Modernismo no
Brasil, e sobre os principais Personagens, sejam eles os mecenas, os literatos,
os artistas plásticos, os músicos, os adeptos e os contrários, proporcionando
facilidade aos estudantes e demais interessados nessas temáticas: conhecerem,
estudarem e criarem novas demandas para suas pesquisas. Nada no Retalhos é definitivo, por isso:
“retalhos” – sempre haverá brechas para algo mais a acrescentar, corrigir,
refazer.
A composição da síntese cronológica e retalhada
sobre António Alcântara Machado, que o Retalhos
apresenta agora, só foi possível com a utilização dos trabalhos de pesquisas, estudos,
estabelecimento de textos, notas, ensaios, etc., fontes imprescindíveis de:
Cecília de Lara, Francisco de Assis Barbosa, Luís Toledo Machado, Marcos
Antonio de Moraes e Eduardo Benzatti do Carmo, que no bojo do texto poderão
conhecer seus predicados e suas contribuições.
Eis, portanto, nossos “retalhos” da vida e obra do amigo
querido de Mário de Andrade, que não participou da Semana de Arte Moderna de
1922, mas é um dos mais importantes literatos da primeira fase do Modernismo no
Brasil, o “escritor de São Paulo: Alcântara Machado”.
(Luiz de Almeida)
RETALHOS DA CRONOLOGIA BIOGRÁFICA
Observações:
- Na descrição biográfica foi utilizado o
“Alcântara” para não repetir o nome completo do escritor;
- Em todas as transcrições dos textos
de terceiros foram conservadas a grafia original;
1901 – 25 de maio, nasce na cidade de São Paulo, Rua
Barão de Campinas, nº 2: António
Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira, filho de José de Alcântara Machado
d’Oliveira (1875-1941), advogado, escritor e professor da Faculdade de Direito,
vereador, deputado e senador estadual (no período anterior à Revolução de
1930), constituinte em 1933, líder da oposição, senador federal, sócio efetivo
da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Letras – e de Maria
Emília de Castilho Machado; Bisneto do brigadeiro José Joaquim Machado
d’Oliveira (1790-1867), veterano das campanhas do Sul, presidente de cinco
províncias, deputado geral, diplomata, historiador e geógrafo; neto de Brasílio
Augusto Machado d’Oliveira (1849-1919), jurista, tribuno, professor da
Faculdade de Direito de São Paulo, barão da Santa Sé;
Adendo:
Em maio, nasce na
cidade de São Paulo, o poeta bissexto Luís Aranha Pereira. Este teria
participação efetiva na Semana de Arte Moderna de 22 e na Revista "Klaxon". Autor
do livro “Cocktails”, organizado por
Nestor Ascher, em 1984; 1901, também marca o nascimento do
escritor paraibano José Lins do Rego - em Juiz de Fora (MG), do poeta Murilo
Mendes, e no Rio de Janeiro, da poeta Cecília Meireles.
1902
Adendo: Nasce em Itabira (MG) o poeta Carlos Drummond de Andrade;
Euclides da Cunha publica Os Sertões.
1903
Adendo: 5 de
junho, iniciavam-se as obras do futuro palco da Semana de Arte Moderna de 1922,
o Teatro Municipal de São Paulo, um projeto de Ramos de Azevedo.
1906
Adendo: 23 de outubro: primeiro
voo em avião por Santos Dumont, em Paris; 15 de novembro: posse do presidente
da República, Afonso Pena.
1908 – Alcântara frequenta o
Colégio Stafford, em São Paulo, onde faz os estudos primários;
Adendo:
29
de setembro: falece Machado de Assis.
1909
Adendo:
“Recordações do Escrivão Isaías
Caminha”, de Lima Barreto, é publicado pelo editor M. Teixeira, em Lisboa;
Inaugurado o Theatro Municipal do Rio de Janeiro pelo presidente Nilo Peçanha,
com capacidade para 1.739 espectadores; 15 de junho: morre o presidente Afonso
Pena. Posse de Nilo Peçanha; 15 de agosto: assassinato do escritor Euclides da
Cunha;
Na capital do Estado de São Paulo, acontece a fundação da Academia Paulista de
Letras, a 5 de setembro; Marinetti, lança na Itália, o primeiro Manifesto
Futurista; 29 de novembro: Joaquim José de
Carvalho funda a Academia Paulista de Letras.
1910
Alcântara menino com a família (em primeiro
plano), em Taubaté
(Caderno 2/Cultura – O Estado de S. Paulo, ed.
25/02/2001, p. D4)
Adendo: 9 de junho, nasce em São João da Boa Vista,
SP., Patrícia Rehder Galvão, a Pagu.
1911
Adendo: 12 de setembro: inauguração do Teatro
Municipal de São Paulo, às 22 horas. O teatro, internamente, foi decorado por Cláudio Rossi (1850-1935) e Oscar Pereira da Silva (1867-1939), oferecia poltronas para 1.800 espectadores - número assombroso para uma população que girava em torno de 400 mil pessoas. A primeira música que se ouviu no Teatro
foi a abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, uma imposição da
Câmara Municipal de São Paulo; Oswald de Andrade funda a revista “O
Pirralho”.
1912 – Alcântara conclui os
estudos primários no colégio Stafford, em São Paulo;
Adendo:
Ronald de Carvalho publica seu
primeiro livro de poesias, “Luz Gloriosa”.
1913 – Alcântara faz sua primeira
viagem à Europa e permanece no internato Haute-Savoie, na Suíça;
Adendo:
Lasar
Segall faz sua primeira exposição individual, em São Paulo, inaugurada no dia 2
de março e encerrada a 5 de abril, à Rua São Bento, 85; Menotti Del Picchia publica
seu primeiro livro de poemas: “Poemas do Vício e da Virtude”.
1914 – Alcântara ingressa no
Colégio São Bento, em São Paulo, faz o Curso secundário e o Pré-Jurídico, onde
conclui em 1918;
Adendo:
Anita Malfatti realiza sua primeira exposição em São
Paulo após seu retorno da Europa, em maio, à Rua 15 de Novembro, nº 26,
primeiro andar da Casa Mappin; Morte do poeta paraibano Augusto
dos Anjos; Venceslau Brás elege-se presidente da República; Tem início a
Primeira Guerra Mundial; Nasce Francisco de Assis Barbosa (este se transformaria num dos maiores pesquisadores da vida de obra de Alcântara Machado).
1915
Adendo: Cassiano
Ricardo publica seu primeiro livro de poesia: “Dentro da Noite”; Lima Barreto publica “Triste Fim de Polycarpo Quaresma” pela ed. Revista dos Tribunais,
Rio de Janeiro;
1916
Adendo: Guilherme de Almeida, em parceria com Oswald de Andrade, publica “Théatre Brésilien” – peças teatrais em francês Mon Coeur Balance (Meu Coração Balança)
e Leur Âme (Sua Alma); Altino Arantes assume o
governo de São Paulo.
1917
Adendo: Mário de
Andrade publica, sob o pseudônimo de Mário Sobral, “Há uma gota de sangue em cada
poema”; Menotti Del Picchia Publica “Moisés”, poema bíblico, seu
segundo livro. Menotti publica ainda: “Juca Mulato” - financiada por ele, utilizando-se de uma tipografia da cidade de
Itapira, com tiragem de 500 exemplares. Menotti também elaborou a capa; Cassiano Ricardo publica:
“A Flauta de Pã” (poesia); Guilherme
de Almeida publica “Nós” - capa e ilustrações de
Correia Dias; Manuel Bandeira publica seu primeiro livro “A Cinza das Horas”, edição do autor, 200 exemplares; Lima Barreto
entrega ao editor Jacinto Ribeiro dos Santos, os originais de Os Bruzundangas, que só aparecerá em
volume, em dezembro de 1922, um mês após sua morte; Na Rua Libero Badaró, centro de São Paulo, no nº 111,
era inaugurada a polêmica exposição de Anita Malfatti, no dia 12 de dezembro.
Foi nessa exposição que Anita Malfatti conheceu Mário de Andrade. No dia 20 de
dezembro, no O Estado de S. Paulo, Monteiro Lobato escreve o artigo:
“Paranóia ou mistificação?”, atacando violentamente a exposição da jovem
Malfatti.
1918
Adendo: Lima Barreto remete a
Monteiro Lobato os originais do “Vida e
Morte de M. J. Gonzada de Sá”; Fim da Primeira
Grande Guerra; Morte do presidente Rodrigues Alves, sem tomar posse; 18 de
dezembro: morte do poeta Olavo Bilac.
1919 – Alcântara ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo
São Francisco;
Adendo:
Dia 22 de fevereiro é posta à venda a 1ª
edição do “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá”, de Lima Barreto; Guilherme
de Almeida publica “A dança das horas” - capa
e ilustrações de Di Cavalcanti e “Messidor” - capa de J. Wasth
Rodrigues; Manuel Bandeira publica seu segundo livro: “Carnaval” – edição do autor, apenas 310 exemplares; Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade
e Di Cavalcanti, descobrem o escultor
Vitor Brecheret, que havia instalado seu ateliê no Palácio das Indústrias, em
São Paulo, em sala cedida pelo engenheiro Ramos de Azevedo; Cecília Meireles aparecia no cenário literário com a publicação de “Espectros”; Ronald
de Carvalho publica o livro de poesias “Poemas
e Sonetos”; Os operários brasileiros em greve e conquistaram a jornada de 8 horas de trabalho.
1920 – Alcântara inicia-se
no jornalismo;
Adendo:
Guilherme de Almeida publica “Livro de horas de Soror Dolorosa” - capa e ilustrações de J.
Wasth Rodrigues; Menotti Del Picchia publica “As Máscaras”, com ilustração de Paim, e “Flama e Argila” (romance); Brecheret realiza exposição da primeira
maquete do Monumento às Bandeiras, na Casa Byington, em São Paulo; Chegam
ao Brasil: John Graz e Haarberg, que participariam da Semana de Arte Moderna de
1922; Oswald de Andrade funda a
revista “Papel e Tinta”
com o poeta Menotti Dell Picchia; A Ford instala sua primeira fábrica de
montagem no Brasil; Nesse mesmo ano, foi inaugurada a primeira linha de ônibus
urbanos de São Paulo.
1921 – 13 de fevereiro: Alcântara
publica seu primeiro artigo no semanário O
Norte, em Taubaté, SP, sobre Chabi Pinheiro; 19 de Setembro: publica no Jornal do Comércio, edição paulista, seu
primeiro artigo de crítica literária sobre o livro Vultos e Livros, de Artur Mota;
Adendo:
Graça Aranha publica "Estética
da Vida”; Ribeiro Couto publica “O
Jardim das Confidências”, primeiro livro de poesia; Menotti Del
Picchia publica “O Pão de Moloch
(crônicas) e “Lais” (romance); 9
de janeiro, realizou-se um banquete no Palácio Trianon, São Paulo, para
comemorar o lançamento da obra "As Máscaras", de
Menotti Del Picchia. Nesse evento, Oswald de Andrade faz um discurso criticando
os autores passadistas e exaltando a arte moderna; Morte do poeta mineiro Alphonsus de Gruimaraens.
1922
Adendo: Acontece em São Paulo a “Semana de Arte Moderna”,
no Teatro Municipal; Mário de Andrade publica “Paulicéia Desvairada”;
Guilherme de Almeida publica “Era uma vez...” - com desenhos de John Graz,
edição de propriedade do Autor; Oswald de Andrade publica “Os Condenados”, primeiro volume de A trilogia do exílio, a ser completada pelos tomos A estrela de absinto (1927) e A
escada de Jacó (1934); Menotti
Del Picchia publica “O Homem e a Morte”,
“A Mulher que Pecou” e “A Angústia de
D. João”; Em Maio, em São Paulo, começa a circular a “Revista Klaxon”; Em julho acontece o
Levante do Forte de Copacabana; Em setembro, dia 7, durante as festividades do
Centenário da Independência é realizada a primeira transmissão radiofônica do
Brasil; Dia 1º de novembro, às 17 horas, vítima de colapso cardíaco
causado pelo uso abusivo de bebida alcoólica, Lima Barreto morre em sua casa,
na Rua Mascarenhas, n.º 26, em Todos os Santos, subúrbio do Rio de Janeiro, 48
horas antes do falecimento do seu pai João Henriques de Lima Barreto; René
Thiollier publica seu primeiro livro “O Senhor
Dom Torres”, e financia para os moços modernistas o aluguel do Teatro
Municipal de São Paulo para a realização dos Festivais da Semana de Arte
Moderna; Realiza-se
no Rio de Janeiro a exposição comemorativa do Primeiro Centenário da
Independência; Artur Bernardes assume a presidência da República sobestado de
sítio. Ano de fundação do Partido Comunista Brasileiro.
1923 – 10 de janeiro: Alcântara publica a primeira crítica na secção “Theatros e Música”,
do Jornal do Comércio – SP.; 4 de abril: Na Faculdade de Direito faz
discurso a João Mendes Jr.; Na edição do Jornal
do Comércio, 30 de setembro, publica na secção “Só aos Domingos”, artigo
sobre o poeta Paulo Eiró, “Paulo Eiró, humorista” (Ver sobre Paulo Eiró no próximo Adendo); Em dezembro: Recebe o
diploma de Bacharel em Direito; Foi o orador da turma;
Adendo:
O poeta Paulo Eiró (Paulo Francisco Emílio Salles),
nasceu em Santo Amaro (quando ainda município), SP., em 15 de abril de 1836.
Faleceu de meningite, aos 36 anos, no Hospital de Alienados, em São Paulo, em
27 de junho de 1871. Também em 1923, no jornal Correio Paulistano, na edição de 1º de junho, Plínio Salgado
escreve sobre o poeta Paulo Eiró; Blaise Cendrars chega ao Brasil e é recebido
pelos Modernistas; Lançado o livro de Lima Barreto “Bagatelas”; Menotti Del Picchia publica “O Nariz de Cléopatra” (crônicas) e “Dente de Ouro” (romance); Lasar Segall fixa-se em definitivo na
cidade de São Paulo.
1924 – Alcântara escreve crítica
teatral no Jornal do Comércio onde
assume interinamente a função de redator-chefe; 29 de junho: publica na secção Só aos Domingos, do Jornal do Comércio, artigo sobre “Sarah Bernhardt” (atriz); 21 de setembro: também na secção Só aos Domingos, a primeira tentativa de
crônica: “Cyrillo”, com ilustração de
Ferrignac. Torna-se redator e substituto eventual do redator chefe do jornal;
De outubro a dezembro: substitui o diretor do jornal, Sr. Mário Guastini, que
se afastou por ocasião da revolução de Isidoro; Em 1º de outubro, escreve
matéria a propósito da herma que a Prefeitura do Rio de Janeiro mandou edificar
na Ilha do Governador, em homenagem a Lima Barreto; Na edição de 26 de outubro,
também na secção Só aos Domingos,
publica “Virgens Loucas”; Em
dezembro, na edição do dia 10, publica a crítica “Vespeiro”;
Adendo:
Guilherme de Almeida publica “A frauta que eu perdi”; Em
prosa, Guilherme publica “Natalika”; Oswald de Andrade
publica “Memórias Sentimentais de João
Miramar” e publica o Manifesto
Pau-Brasil no Correio da Manhã; Manuel Bandeira publica “Poesias
(A cinza das horas, Carnaval e Ritmo Dissoluto)”; Menotti Dell Picchia publica “O Crime
Daquela Noite” e “Chuva de
Pedra”;
Revolução Paulista – movimento tenentista contra o governo oligárquico do
presidente Artur Bernardes.
1925 – 25 de
janeiro: Alcântara publica o conto “Gaetaninho” na secção Só aos
Domingos, do Jornal do Comércio – SP., com ilustrações de Ferrignac; A 1º de
março, publica o conto “Carmela”, que
aparece na mesma secção e também ilustrado, traz no final uma observação, ainda
tímida, mas já reveladora dos projetos do autor: (De um possível livro de
contos: Ítalo-Paulistas), nota que reaparece um pouco modificada junto ao
último conto da série que teve versão em jornal – “Lisetta”, em 8 de março, sem ilustração; Realiza sua segunda
viagem à Europa: Lisboa, Paris, Londres, Itália e Espanha. Dessa viagem
resultaram as crônicas publicadas em Pathé-Baby;
Alcântara diante da catedral de Notre
Dame, Paris
(Da Revista Cult, nº 47, de junho/2001,
p. 45)
- Alcântara publica no Jornal do Comércio – SP., episódios de viagem: “Pathé-Baby”, com ilustrações de Paim; Em nota, de 24 de março, o Jornal do Comércio notifica a ida de Alcântara para a Europa:
- Com Mário de Andrade, Alcântara colabora para a revista Estética, fundada no Rio de Janeiro por Prudente de Moraes, neto, e Sérgio Buarque de Holanda; Em 31 de dezembro, escreve carta convidando Sérgio Buarque de Holanda a colaborar com a revista “Terra Roxa”:
“Pelo trem das 8 da manhã segue hoje para Santos,
onde embarcará no Flandria, com destino à Europa, o nosso prezado companheiro
de redação Dr. Antonio de Alcântara Machado. Moço ainda, o distinto colega
estreou vitoriosamente na advocacia e na imprensa. Nas colunas desta folha, o
jovem confrade tem dado diariamente, provas de seu grande talento e de sua
vasta cultura, revelando-se critico de qualidades pouco comuns e escritor de
raça. Do Velho Mundo, durante os meses que ali vai passar, Alcântara Machado
enviará para esta folha correspondências semanais que constituirão uma delícia
para nossos leitores. Ao distinto colega desejamos feliz viagem”.
- Em nota, de 3 de novembro, o Jornal do Comércio notifica a chegada de Alcântara da Europa:
“Depois de oito meses de ausência na Europa,
regressou ontem a esta capital, o nosso prezado companheiro de trabalho Dr. Antonio
de Alcântara Machado”.
“Em Santos e na Estação da Luz foi recebido por
elevado número de amigos”.
(Lara, Cecília de. Da
Realidade Contada à Transposição no Texto Literário Pathè-Baby: Correspondência
e Crônicas de Viagem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Nº 26,
São Paulo, 1986).- Com Mário de Andrade, Alcântara colabora para a revista Estética, fundada no Rio de Janeiro por Prudente de Moraes, neto, e Sérgio Buarque de Holanda; Em 31 de dezembro, escreve carta convidando Sérgio Buarque de Holanda a colaborar com a revista “Terra Roxa”:
São Paulo, 31-XII,925
Procure o Prudente (Prudente de Moraes, neto – identificação nossa), Sergio. Logo. Imediatamente. Há
novidade. E grossa. Fique sabendo só que, a contar de hoje, você é crítico de
prosa de Terra Roxa. E que, até o dia 15 de janeiro, impreterivelmente tem de
enviar a primeira crônica. Pegue qualquer livro nacional, moderno, ultimamente
produzido. Surre-o, eleve-o. Como quiser. Sem falta. Isso é que é importante.
Ajude o Prudente em tudo. Suplico-lhe. Entenda-se com ele. Você é um homem
ocupado. Nem almoçar pode. Mas não faz mal. Auxilie o Prudente.
Mande-me a crônica!
Escreva-me para 72, Sebastião Pereira.
Mande-me a crônica!
Mando-lhe um abraço.
Alcântara
(Koifman, Georgina. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de
Moraes, neto – 1924/36. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985, p.
173).
(Foto ilustrativa)
- Também em 31 de dezembro, Alcântara escreve carta a Prudente de Moraes,
neto:
São Paulo, 31-XII-1925
Boas últimas festas, Prudente. Saiba que, em meados de janeiro de 1926,
daremos á luz da inteligência pátria que lê um quinzenário, em formato de
jornal, Titulo: “Terra roxa”, Sub-titulo: ...”e outras terras”. Diretores: A.
C. Couto de Barros e Antonio de Alcantara Machado. Redator-secretário: Sérgio
Milliet. Representante no Rio de Janeiro: Prudente de Moraes, neto.
Aí é que está a surpresa. E o motivo disto. Também, Você tem de aceitar.
Queira ou não queira. NÓS queremos.
Bom. Assinatura anual: 12$000. Além disso arranje anúncios de livrarias
(20% de porcentagem), trate de colocar desde já o jornal, dê coisas nos
jornais, etc.
Tome a sério o negócio. Escreva-me logo, mandando endereços dos nossos
cariocas e mineiros. O Sérgio (então... daí... então...) é o crítico literário
(de prosa) do Terra Roxa. Você, até o dia 5 ou 6, tem de mandar um conto. Sem
falta. Já está marcado o lugar no primeiro número. Concite os povos: Manuel
Bandeira, Soares, Arinos, e outros que tais, inclusive Graça-Renato-Ronald.
Seriamente. Belisque o Sérgio. Mande o conto. MANDE O CONTO. MANDE O CONTO!
Aceite o honroso encargo de representante. E escreva sempre. Vamos fazer
qualquer coisa. Ajude-nos.
São capitalistas da empresa, Paulo Prado, René Torres (agro-doce), A. de
A. M., A. C. C. de B., Godofredo Telles e outros. Não diga isso a ninguém. É
segredo! Ou como se fosse.
A redação será num 4º andar da Av. São João, nº 96? (não estou bem
certo). Escreva-me, por enquanto, para 72, Sebastião Pereira.
Mais uma vez (eu sou ranzinza), solicito sobre a sua boa vontade.
Todissima! Veja os anúncios, etc. A colaboração, etc. Os endereços, etc. O
Sérgio, etc.
É uma ordem tudo isso. Uma ordem! Sabe porque? Por que chegou a hora de
reunir, para a interação no todo literário, todos os valores do Kosmos! É um
toque de clarim. Eia! Sus! Avante! Tatarará! Tatarará! Bum! bum! bum! bum!
Venha comigo e co nóis, venha lutá e vencê!
Você vem, não é?
Meu abraço pede carta e agradece.
Alcantara
(Koifman, Georgina. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de
Moraes, neto – 1924/36. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985, pp.
174/175).
Adendo:
Mário de Andrade publica "A Escrava que não é Isaura", enquanto que Guilherme de Almeida
viaja ao Recife para divulgar, em conferências, os ideais modernistas. Nesse
ano Guilherme de Almeida publica: “Meu” - capa de Paim; “A
flor que foi um homem (Narciso)” - capa e desenhos de J. Wasth
Rodrigues; “Encantamento” - capa de Correia Dias; e “Raça”. Início da
corrente “Verde-amarelista”, com Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia,
Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Oswald de Andrade publica “Pau-brasil”.
1926 – Em 20 de
janeiro: Alcântara inicia a publicação na revista
modernista Terra Roxa e outras terras, com
Paulo Prado, Couto de Barros e outros; Em 5 de fevereiro: Publica em São Paulo, “Pathé-Baby”,
prefaciado por Oswald de Andrade e com ilustrações de Paim;
Capa do Pathé Baby com ilustração de
Paim (Foto ilustrativa)
- Alcântara colabora na Revista do
Brasil, 2ª fase, com resenhas de livros e ensaios sobre questões de teatro
brasileiro e estrangeiro; Na edição de 3 de julho, do Jornal do Comércio, publica “Notas
de Arte” (Crítica sobre a exposição de Tarsila do Amaral em Paris. Nessa
crítica ele assina somente “A”; De 4 de setembro a 27 de outubro: Interrompe a
colaboração na secção Theatros e Música do Jornal
do Comércio, SP, e passa a elaborar rodapés no mesmo jornal: “Saxofone” – espaço que ocupará todos os
sábados até 2 de abril de 1927, e, em 4 de setembro publica “Voltolino”, uma homenagem ao
caricaturista falecido recentemente (Ver
nota no Adendo); Em 11 de setembro, publica a crônica “Caliope Tropical”; Em 18 de setembro, publica a crônica “Guaranys Viajados”; Em 25 de setembro,
publica a crônica “Estética Suburbana”;
Em 25 de dezembro, publica a crônica “Conto
de Natal”; Publica também artigos e contos no O Jornal do Rio de Janeiro;
Adendo:
Morre o ilustrador “Voltolino” (Lemmo Lemmi). O biógrafo de Alcântara,
Djalma Cavalcante, no Dossiê da Revista
Cult nº 47, 2001, faz a seguinte descrição a respeito de Voltolino e
Alcântara Machado:
“(...).
Um ilustrador que exerceu significativa influência sobre António de
Alcântara Machado foi Voltolino (nome artístico de Lemmo Lemmi, paulistano,
filho de imigrantes italianos, nascido em 1884 e falecido em 1926). Tal
influência era reconhecida consciente por António, ao ponto de a dedicatória do
Brás, Bexiga e Barra Funda ter sido
dirigida à memória do desenhista e de o primeiro artigo da coluna Saxofone, no Jornal do Comércio de São Paulo de 4 de setembro de 1926 ter tido
Voltolino como tema. Vejamos trechos desse artigo:
Para mim o
que há de melhor na obra deixada por Voltolino é a fixação do ítalo-paulista.
Fixação humorística. Triste também.
Voltolino
inspirava-se no ambiente. Daí o seu mérito. Foi o caricaturista deste momento
inapreciável que a gente vive.
Lápis
desgracioso, o seu. Deselegante como ele só. Por isso mesmo caricaturava melhor
os humildes. ... com dois traços apanhava o tipo em flagrante.
O desenho
era apressado mas seguro. ...
Sua obra
nasceu toda de momento. Suas caricaturas eram sempre provocadas. O assunto
surgia sem ser buscado. Assim muito naturalmente: na rua, no noticiário dos
jornais, nos acontecimentos do dia. O desenho tinha relação com o instante em
que aparecia. Datava sempre um fato. Marcava um tipo ocasional. Comentava.
Sublinhava.
... Sob
certo aspecto continuou Angelo Agostini. Ele em São Paulo e J. Carlos no Rio ficarão
sendo os ilustradores de sua época. ...
Os
caricaturistas brasileiros imitando os seus patrícios pintores têm s dedicado
quase que exclusivamente à interpretação do negro e do caboclo. ... Voltolino
enriqueceu a galeria com mais um tipo: o ítalo-paulista. Criou o Juó Bananere.
Ou melhor: a família de Juó Bananere. ...
Eu o via
passar todas as noites quase madrugada sozinho, o olhar meio injetado, o passo
meio incerto. Hora suja das varredeiras de Limpeza Pública. Hora úmida da
garoa. Hora dos automóveis farristas. Hora do guarda noturno de capotão e
porrete.
(Horas que
Voltolino amava e eu amava nos desenhos dele)
Seu vulto
comprido agigantava-se na bruma. Depois era um borrão. Depois nada.
Voltolino influenciou António por dois caminhos: pela maneira como
desenhava e através de sua máxima criação, ou seja, Juó Bananere, o personagem
pelo qual Alexandre Marcondes Machado parodiava a colônia italiana de São
Paulo.
(...).
Lendo a obra jornalística ou ficcional de António de Alcântara Machado,
percebemos que, em certa medida, ao falar de Voltolino, está falando de si
mesmo. As características e as qualidades que ele aponta para o ilustrador são
idênticas às suas. António em São Paulo e João do Rio no Rio de Janeiro foram
os cronistas de sua época da mesma forma que Voltolino e J. Carlos o foram na
caricatura.
Voltolino nunca desenhou para os escritos de António, mas inspirou-os.
(...). Voltolino desenhando propunha todo um discurso verbal. António
escrevendo nos propunha um filme subliminar.
Muitos outros ilustradores (por exemplo: Paim, Di Cavalcanti, Ferrignac,
Noêmia, Poty) influenciaram e
interagiram com a obra de António de Alcântara Machado. Mas isso é uma outra
história. (...)”.
(Cavalcante, Djalma. Dossiê Cult: Alcântara Machado. Revista
Cult nº 47, edição de junho/2001, p. 61).
- Mário de Andrade publica “Losango
cáqui ou, afetos militares de mistura
com os porques de eu saber alemão” e “Primeiro
Andar” (contos); Menotti Del
Picchia publica “Toda
Nua” (contos) e “A Outra Perna do Sacy”; Cassiano Ricardo publica “Vamos caçar
papagaios”.
1927 – Em 8 de
janeiro, no Jornal do Comércio, Alcântara publica a crônica “Mysterio
de Fim de Ano” – agora na secção “Cavaquinho” (Houve troca do nome da seção
por um instrumento mais brasileiro); Em 15 de janeiro, publica a crônica “Sólo Romântico”; Em 17 de janeiro:
escreve carta para Prudente de Moraes, neto:
“Brás,
Bexiga e Barra Funda está prontinho da silva. Por estes dias vai para o prelo.
São dez contos ítalo-paulistas”. A 17 de março a obra já estava editada, conforme
carta:
“Aí vai,
Prudente dos meus pecados, o meu caçula Brás, etc. / Para você e para o Rodrigo
(Rodrigo
de Melo Franco). /
Peço-lhe um favor deste tamanho: dentro de 2 ou 3 dias enviarei a você uma
batelada de livros pros críticos, jornais e anexos literatos”.
(Lara, Cecília de. Comentários e Notas à Edição Fac-Similar de
1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo, de Antonio de
Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – IMESP/DAESP, São Paulo,
1983, pp. 13 e 16).
Capa (Foto ilustrativa)
- Em 22 de janeiro, no Jornal do
Comércio, Alcântara publica a crônica “A
Ceia dos Não Convidados (Peça Em Um Átimo)”; Colabora nos Diários Associados, em São Paulo, grupo
fundado pelo jornalista Assis Chateaubriand; Em 5 de fevereiro, no Jornal do Comércio, publica a crônica “Sólo Genioso Sobre Sólo Genial”; em 19
de fevereiro, publica a crônica “Está na
Hora”; Em 26 de fevereiro, publica a crônica “Conto de Carnaval”; Em 5 de março, publica a crônica “Amnesia”; Em 12 de março, publica no Jornal do Comércio, a crônica “Pela Guryzada”, narrando sua predileção
na infância pelo semanário infantil “Tico-Tico”,
criado em 1905, pelo cartunista Luiz Sá, primeira revista a publicar histórias
em quadrinhos no Brasil. Apenas um trecho do “Pela Guryzada”:
“Foi com certeza devorando o Tico-Tico que o pessoalzinho de minha idade tomou gostou pela leitura. Como
aconteceu comigo. A gente todas as quartas-feiras apanhava dos irmãos mais
velhos e dava nos irmãos mais moços só pela febre de ser o primeiro a saber das
novas aventuras da família Zé Macaco. Faustina flor de caju, era nesse tempo a dama dos nossos
pensamentos. Porque provocava a nossa alegria.
- Em 19 de março, Alcântara publica a crônica “Solo Calçado”; Em 26 de março, publica a crônica “Indifferença e Cia., IIItda”; e, em 2
de abril, publica a crônica Filiação
Impossível”; Colabora com a revista Verde
de Cataguases (revista modernista mineira que foi dirigida por Rosário Fusco,
Henrique Resende e Martins Mendes); Em 19 de junho, Mário de Andrade faz no
jornal A Manhã, uma saudação ao lançamento
do livro Brás, Bexiga e Barra Funda,
numa crítica intitulada “Alcântara Machado” – reproduzida por Cecília de Lara
em comentários e notas à edição
fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara
Machado, transcrito por Eduardo Benzatti do Carmo, na tese de doutorado, em
2004:
“(...). Alguns dessa geração recente já aparecem no entanto bem livres do
vício da tese que desgraçou os modernista. Alcântara Machado é um deles. Faz
pouco chuçou a boiada com um Pathé-Baby pontudo, impetuosamente
original. Agora com Brás, Bexiga e Barra Funda inda surpreende mais. Se
humaniza, o espírito dele passa de reacionário a contemplativo; caçoa pouco e
aceita bem. E cria a obra mais igual, mais completa em si que a ficção
brasileira produziu de 1920 para cá. Podia dar data mais longe, mas o que
interessa aqui é o depois-da-guerra porém”.
(Carmo, Eduardo Benzatti
do. A obra ficcional e jornalística do
escritor António de Alcântara Machado: letras e Imagens. Tese de doutorado
PUC, 2004).
- Na Revista Verde, nº 2, é publicada carta de Couto de Barros a Alcântara:
A PROPOSITO DO "BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA"
S. Paulo, 22 de março de 1927.
Alcântara:
Li se livro com immenso prazer. De uma só vez. Um homem está num plano inclinado e, num dado momento, quer deter-se. Não pode. E escorrega até o fim. Seu livro ao plano inclinado.
Domingo, em casa de Paulo Prado, eu dizia para os da roda que só quem conhece S. Paulo podia compreender integralmente Brás, Bexiga e Barra Funda. Nesse sentido, era uma obra regionalista. Houve protestos. - Não, disse Mario de Andrade. - Não, disse Paulo Prado. Chegou-se mesmo affirmar que era preciso acabar com essa "historia de regionalismo". Si os animos estivessem um pouco mais exaltados e Mr. Bacharach entrasse na discussão, acabava-se concluindo que o regionalismo não existe.
Não era possivel demonstrar a minha these. Por mais bem educados que sejam os interlocutores, ha sempre tanto barulho e tanta cousa alheia em volta de uma discussão, que ninguem pode distinguir o ponto essencial, que está no meio, como ninguem vê o poste de parada, quando a multidão se acotovela em volta. Entretanto, o poste está lá, visivel: é só levantar a vista para o céo...
Mas, alli, naquelle terraço em que estavamos reunidos, uma formmiga no corrimão da escada; o suicidio de uma nuvem no céo; a côr do licor: o mercurio do thermometro; a fraze latina na parede; um pouco de estatua e aquella enorme figa preta, que parece um punho de boxeur ameaçador contra o azar, tudo atrapalhava, tudo desviava, tudo perturbava o pensamento. Mas, agora, a você eu faço questão.
Um livro mathematicamente falando é um X. Para o autor, X tem um valor definido, digamos 100. Só o autor sabe intimamente o livro. Dentro das suas paginas, tudo tem uma significação especial, um valor proprio. É um todo. Para o leitor é differente. Para o leitor, raramente acontece coincidir o valor que elle dá com o valor 100 pre-supposto. Ou não chega a 100, ou ultrapassa. E tanto num, como noutro caso, o livro perde. Anatole France disse que um dia se surprehendeu descobrindo profundidades que nunca existiram não sei mais em que autor grego. Estava "ultrapassando..."
Essa cousa pode acontgecer mesmo nos livros discriptivos. Todo o mundo "comprehende" uma descripção do Japão, sem nunca ter ido lá, lendo Loti, Lafcadio Hearn ou Horacio Scrosoppi. Entretanto, essa descripção tem muito mais interesse para aquelle que viu. Mas, mesmo para "aquelle que viu", o livro já é differente, em relação á idea que delle faz o proprio autor. Sim, porque foi debaixo de certo estado psychico, sob certa pressão emocional que o actor presenciou certas scenas, annotou certos aspectos, fixou certos typos. E é impossivel transplantar para o espirito do leitor esse ambiente psychologico, que é por assim dizer uma invenção do autor, propriedade sua e que só elle pode usufruir. Sob este ponto de vista, todo livro é hermetico. O regionalismo é uma especie de hermetismo. Hermetismo objectivo.
Você conhece o caso domestico da receita de doce. A receita está alli escripta direitinha, não falta nada. Mas vá alguem tentar fazer! Doce é magica. Precisa geito. Lêr, o mesmo. As palavras estão alli, o sentido gramatical tambem. mas que dê o outro sentido, o sentido que "vale"?
Em arte, a questão não está tanto em comprehender, mas em reconhecer. A funcção do reconhecimento é tão importante que, exagerada, deu naquella theoria de "imitação da natureza". William Blake protestou energicamente: "a man puts a model before hhim and he paints it so neat as to make it a deception. Now I ask any man of sense is that art?
Todos gostam de reconhecer, porque reconhecer é viver de novo, é bisar a vida, é tornar reversivel o tempo linha recta de Bergson.
Eu citei o exemplo da receita de doce. Vou citar o do mappa. mappa, criança comprehende. Mas um mappa da cidade de S. Paulo para quem reside aqui tem outra significação. Além do simples valor utilitario, topographico, o mappa torna-se uma cousa rica, cresce por alluvião de ideas e setimentos. Esparrama-se. Innunda, principalmente si o paulista está fora no extrangeiro. Tem a Estação da Luz, tem a rua onde elle mora, tem a casa da namorada.
Eu podia em vez de mappa falar em retrato, falar em bandeira, falar em atudo que implique reconhecimento e produza atropelo de reprezentações mentaes. Mas você está farto de saber tudo isso. É ou não é?
Estou dizendo todas essas cousas para mostrar que um livro só é comprehendido integralmente quando é "sentido", e só pode ser sentido quando o leitor começa a refazer as experiencias vitaes que constituem a materia prima do livro, quer essas experiencias sejam objectivas (como na descripção), quer subjectivas (como num caso de amor, por exemplo).
As analyses de Sthendal ou de Proust só interessam quando a gente diz "é isso mesmo" ou "tal e qual". Ora, "isso mesmo" ou "tal e qual". Ora, "isso mesmo" ou "tal e qual" que é senão o proprio "reconhecimento"?
Quanto ao Brás, Bexiga e Barra Funda (como você gosta dos bês, seu Alcântara, desde o Path-Baby!), eu digo que aquelle que não conhece S. Paulo, como nós conhecemos, não pode gostar delle como nós gostamos. Um estranho estará muito longe daquelle valor 100 convencional. Seu livro exije, pelo menos nos contos mais caracteristicos, como Gaetaninho, Carmela, Liseffa, O Mostro, (...) etc., uma bagagem de conhecimentos empiricos sobre o nosso meio, usos e costumes para poder ser apreciado. Quem não tiver essa bagagem não passa. Fica nos "humbraes" do livro. Poderá apreciar as Nota biographicas do novo deputado, mas nunca poderá penetrar o valaor de um conto como os acima citados. É que falta a esse leitor a "funcção do reconhecimento". Será para sempre um livro secco. Dry. Extra-dry, como você. Depois, ha muito dialogo no Brás, Bexiga e Barra Funda, o que agrava o seu hermetismo.
Si fizessem um concurso entre os escriptores nacionaes e propuzessem como thema os enredos dos seus contos, você ganharia o premio. Ganharia longe.
Agora, escute. Lembra-se do jogo do "diavolo"?
É preciso saber imprimir uma certa velocidade ao carretel, para que elle, atirado ao ar, volte direitinho ao barbante que o equilebra. Sem essa velocidade, não vae. Ora, muitos livros não "vão" por falta dessa velocidade espiritual, por parte do leitor. Falta-lhe a experiencia objectiva ou subjectiva e, faltando isso, falta tudo. Você pode contar a mais bella historia de amor a um homem que nunca soffreu casos amorosos, e elle chamará você de bobo. Com toda a razão.
A. C. COUTO DE BARROS.
(Verde - Revista de Arte e Cultura, nº 2 - pp.12-13, Outubro 1927. Director: Henrique de Resende; Redatores: Martins Mendes e Rosario Fusco. Cataguases, Minas Gerais).
- Na Revista Verde, nº 3, Rosario Fusco e Ascanio Lopes, rebatem a carta de Couto de Barros (acima descrita) na seção "Bilhetes":
PRO ANTÓNIO DE ALCANTARA MACHADO - SÃO PAULO
Depois de ter lido a carta do Couto pra você - Alcântara - resolvi reler bem devagarinho o BRÁS BEXIGA E BARRA FUNDA. Como v. deve saber, pois já lhe escrevi a esse respeito, não gostei nada de certas coisinhas daquela carta.
O que notei no BRÁS BEXIGA - e que tambem o Couto devia ter notado - é a baita "visão cinematografica" de que v. é dono, uma baita falta de movimento. Estou pra dizer até que os seus contos são "cinéticos".
Você é deshumano quasi. Sua senvibilidade é fortissima, sem duvida, mas v. não se preocupa e acho mesmo que nem se incomoda de transmitil-a.
O seu "caso" é narrado tal como foi. É documento. V. abandona aqueles detalhes liricos todos que só servem pra aporrinhar. Não é isso? - Pois é.
A gente "sente" o seu conto. Mas porêm não sente o contacto de sua sensibilidade que declancharia (1) um bruto lirismo no leitor. E essa, talvez, seja a sua maior virtude. Ou o seu maior defeito. V. comove sem artificialismo.
Se Ribeiro Couto - por ezemplo, que é sem duvida o nosso Casimiro de Abreu, o poeta POETA, o homem mais sentimental que conheço, pois bem - se Ribeiro Couto contasse aquela historia do GAETANINHO você até chorava! Aposto. Com v. o caso é diferente. Você vai cantando. Quem quiser que se comôva... Você não tem nada com isso!
Bem. cheguei onde eu queria chegar. Estaí o miôlo do meu bilhête. Coisa atôa. Mas a coisa mais interessante que encontrei em sua obra.
É isso o que Couto de Barros deveria ter frisado bem - num estudinho tão bonito como aquele. Isso é o que ha de mais importante na "separação" de sua personalidade.
Carmela e Liseta - puxa! são as coisas mais bonitas que eu já li na minha vida. Estas sim. São comoventes de fato. Não pelo sentimentalismo lirico repito! - que v. tem não parecer ter (basta dizer que v. não é fazedor de versos) mas pela escandalosa simplicidade espontanéa que bróta do seu geito de contar.
E v. é isso tudo - Alcântara - bom e máu, humano e deshumano, discutido e pastichado - porquê v. é UNICO!
No mundo não ha outro Alcântara Machado. Não ha um sujeito que escrêva como você.
Juro que não ha!
Espera lá, estou pregando mentira: tem o Mario...
ROSARIO FUSCO.
Lembrânças ao Couto, Yan e Milliet.
Um abraço do tamanho dum bonde - no Mario, por minha conta.
(...).
(1) Perdão Mário...
PARA COUTO DE BARROS - SÃO PAULO
V. disse na "Verde" que só quem conhece S. Paulo compreenderia integralmente Bras, Bexiga e Barra Funda. Demonstrou isso com theorema e receita de doce.
Mas me parece que v. está enganado.
Ninguem percebeu ainda hermetismo no livro tão claro do Alcantara. Este é puramente um sujeito de scenas seguidas gostosas. Nenhuma aprecisação. Nenhuma sensibilidade. Aquillo que o Alcantara escreveu sobre a roupa vermelha do italianinho dava um poema pra chora de Ribeiro Couto; mas por elle a gente gosta, apenas; ninguem fica penalizado. O livro do Alcantara é uma fita sem letreiros e sem apreciações de propaganda da vida paulista: scenas! Ora, para entender uma fita desse geito, não é preciso nem ter visto S. Paulo. A gente fica é conhecendo S. Paulo atravez do livro do Alcantara. É ou não é?
Entretando, quem sabe se o livro tem mesmo o tal valor 100 de que fala v.?
Eu então fiquei no 1. Mas, mesmo assim gostei immenso. Calcula si eu não tivesse ficado na unidade, cá na superficie.
ASCANIO LOPES.
(Verde - Revista de Arte e Cultura, nº 3 - p.19, Novembro 1927. Director: Henrique de Resende; Redatores: Martins Mendes e Rosario Fusco. Cataguases, Minas Gerais).
Adendo:
Mário de Andrade publica Publicação de “Amar,
verbo intransitivo, idílio” – “Clã do jabuti” - poesia; Menotti Del Picchia publica “Poemas de Amor”, “Por Amor ao Brasil” (discursos
parlamentares), e, em colaboração com Cassiano Ricardo e Plínio Salgado,
publica “O Curupira e o Carão”; Início da Corrente da Anta com os
verde-amarelistas: Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e
Guilherme de Almeida; Oswald de Andrade publica: “A Estrela do Absinto”, segundo volume da Trilogia do Exílio e “Primeiro Caderno do Aluno de Poesia”; Na cidade de Bauru – SP, dia 24 de
novembro, falece o poeta Rodrigues de Abreu, nascido em 1897.
1928 – Alcântara está junto com
Oswald de Andrade na fundação da Revista
de Antropofagia; Juntamente com Raul
Bopp foi o diretor dessa revista no período de maio de 1928 a fevereiro de 1929;
Publica o segundo
livro de contos: “Laranja da China”;
Capa de Laranja da China (Foto ilustrativa)
- Em 14 de abril: Alcântara inicia colaboração no Diário Nacional com estudos sobre H. Ibsen; Encarrega-se, em
seguida, da secção Caixa, de crítica
teatral, até o ano seguinte, sendo a crítica “Mal Sem Remédio” a última que fora localizada – Usa o pseudônimo
de J. J. de Sá; Em maio: Aparece a Revista
de Antropofagia, que dirige com Raul Boop, na qual colabora com artigos e
resenhas; Continua colaborando com a revista Verde de Cataguases, da qual se torna um incentivador; Em 3 de
Julho, Stiunirio Gama, pseudônimo de Mário Guastini, escreveu no Jornal do Comércio, em sua seção
“Focalizando”, sobre Laranja da China a
seguinte crítica - reproduzida por Cecília de Lara em comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e
Barra Funda de António de Alcântara Machado, transcrito por Eduardo
Benzatti do Carmo, na tese de doutorado, em 2004:
“(...) Não me seria, pois, lícito, silenciar sobre Laranja da China,
que acaba de sair elegantemente impresso. Pois este livro confirma os sucessos
anteriores. O autor mantém o mesmo equilíbrio. Não se deixou empolgar pelo
acolhimento amável dispensado aos dois primeiros. Reapareceu igual. Não
repousou sobre glórias. É o observador irônico a apresentar tipos
maravilhosamente estudados. Sem exageros e sem originalidade chocantes. Antonio
de Alcântara Machado é, acima de tudo, um pintor. Apanha o traço predominante
do indivíduo, desenhando-lhe depois a figura. A figura física e mental.
(Carmo, Eduardo Benzatti
do. A obra ficcional e jornalística do
escritor António de Alcântara Machado: letras e Imagens. Tese de doutorado
PUC, 2004).
- Em Julho de 1928: Carta de Manuel Bandeira demonstra a relação que os dois
poetas mantinham. Após o terceiro número da Revista
de Antropofagia, a referida carta de Bandeira para Alcântara:
“Convite
aos antropófagos” funciona como alerta pra os diretores e participantes da
publicação que “não estão cumprindo bem os seus deveres de antropófagos”. Na
verdade o texto põe a nu, com humor, a fenda entre o projeto artístico da
revista e a sua realização. (...). Incita, então, a imediata “deglutição” do
crítico, sem contudo deixar de advertir: “verdade que a carne é dura”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 395,
nota 66, 2001);
- 24 de junho, Manuel Bandeira escreve carta para
Mário de Andrade, mencionando Alcântara:
“(...).
//O Alcântara parece que sente nesse particular com você. Com
ele me sucedeu uma coisa desagradável. Me mandou Laranja com esta dedicatória “Não esprema que não sai sumo”. Gostei
muito, achei que tinha muito sumo e disse a ele na carta em que agradeci. Mas
ajuntei que era aplicada a outro meio a mesma técnica de Brás, Bexiga e que o que eu estou esperando com viva curiosidade
era o romance do Capitão Bernini. Alcântara me respondeu todo triste, dizendo
que foi uma decepção! Que tinha trabalho muito para se libertar de Laranja, como em Laranja trabalhara para se libertar de Phaté-Baby; que pensava ter feito coisa diferente. Fique incomodado
de haver causado essa pena ao Alcântara. Conto isso a você porque lhe pode ser
útil se você tiver que criticar o livro. Note-se que eu diria sempre a ele a
minha impressão se ela resultasse de uma leitura crítica (que não foi a minha):
deve-se sempre a verdade a quem trabalha de boa fé e de boa vontade. Mas diria
de outro modo. Na mesma carta ele me pedia um poema para a Revista. Eu não pretendia aparecer mais na Antropofagia, mas o sucedido me fez enviar imediatamente um poema
em prosa que fiz ultimamente e do qual gosto bastante. (...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 397,
2001);
- 29 de setembro: Outra carta de
Bandeira para Mário de Andrade, mencionando Alcântara:
“(...).
//Quando
você estiver com o Alcântara pergunte-lhe se recebeu o meu “Noturno da rua da
Lapa”. Ele me pediu o poema para o nº de agosto de Antropofagia. O poema não saiu nem ele acusou recebimento. (...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 404,
2001);
- Ainda em 1928, a monografia Anchieta na Capitania de São Vicente, de Alcântara, recebeu o
prêmio da Sociedade Capistrano de Abreu. O estudo foi publicado em 1929; Alcântara
colabora, juntamente com Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond de
Andrade, Paulo Prado, Ronald de Carvalho e outros, no número comemorativo de O Jornal dedicado a Minas Cerais; Junho:
Alcântara, em carta a Prudente de Moraes, neto, menciona de maneira lúdica o
nome da escritora paranaense Didi Caillet de Leão (1912), autora de Taú (1932) e Reviver (1933):
“Por
Didi Caillet e outras deusas com nome de chocolate, onde o silêncio?”. (...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 439,
Nota 1, 2001);
- Na Revista de Antropofagia,
ano I, número 8, dezembro de 1928, a propósito de Ensaio sobre a música brasileira, de Mário de Andrade, Alcântara
escreveu a seguinte crítica:
“E Mario
de Andrade escreveu outro indispensável livro. Chego até o superlativo:
notabilíssimo.
Há livros
ruins como cobra porém indispensáveis. Aqueles em que o autor sabe colher mas
não sabe comentar. O que é dos outros é bom. O que é dele não presta.
Mario de
Andrade com um método e uma paciência fora do comum andou pegando na cidade e
no mato os motivos raciais da música brasileira. São mais de cem melodias
populares, música e canto. Do jeito que ele fez, ninguém entre nós fez ainda. É
uma exposição (como ele chama) muito ordenada e muito clara. Tudo catalogado,
fácil de achar e discutido com sabedoria.
Livro
indispensável portanto e notabilíssimo. Notabilíssimo graças em grande parte à
introdução onde Mario descorre sobre os problemas essenciais e atuais da música
brasileira. É uma cartilha que devia ser adotada nos conservatórios.
Eu digo
cartilha mas de fato é tratado. Há mesmo umas afirmações de Mario que
transbordam da matéria do livro e merecem meditação na literatura e no mais.
Infelizmente o espaço aqui não chega.
Em todo o
caso eu sempre quero dizer que Mario não faz só literatura de ação como ele
diz. Toda a literatura dele é de ação não tem dúvida. Mas não só de ação. Às
vezes o artista puro aparece sem querer. O que em geral é raro mas sempre bom.
A.
de A. M.”
(Koifman, Georgina. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de
Moraes, neto – 1924/36. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985, pp.
286/287).
- Em dezembro: Alcântara colabora na revista Movimento, com ensaio de Teatro;
Adendo:
Mário de Andrade
publica “Macunaíma - herói sem nenhum caráter”, 800 exemplares e vende pelo preço de: 7 mil-réis, livro
lançado em 26 de julho. Publica também “Ensaio sobre a música brasileira”;
Paulo Prado publica “Retrato do Brasil”;
Cassiano Ricardo publica "Martin-Cererê";
Menotti Del Picchia publica "República
dos Estados Unidos do Brasil" e “O
Momento Literário Brasileiro; José
Américo de Almeida publica "A
Bagaceira".
1929 – 24 de
Fevereiro: Alcântara inicia colaboração nos Diários
Associados a convide de Rodrigo Melo Franco de Andrade; Recebe o prêmio
pela monografia “Anchieta na Capitania de S. Vicente”, conferido pela Sociedade
Capistrano de Abreu, no Rio de Janeiro; Publica o conto “Guerra Civil”, No Diário de
S. Paulo, em 2 de junho e no O Jornal,
em 9 de julho; 12 de agosto:
Bandeira escreve carta a Mário de Andrade mencionando Alcântara:
“(...).
//E
o Alcântara que nos prometeu voltar logo com você e até hoje? Desistiram?
//(...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 431,
2001);
- Em 19 de Agosto, Mário de Andrade escreve carta
respondendo o questionamento de Bandeira na carta de 12 de Agosto:
“(...).
Alcântara irá para o Rio assim que puder. Depende só da chegada dum companheiro
de escritório. Aliás, está louco pra ir não só porque achou mesmo entre vocês o
meio dele como por causa do momento político que parece está dando aí nas
Câmaras coisas muito pra divertir. Aliás, mesmo aqui ele tem se divertido
enormemente, não perde comício, e peça pra ele contar tudo o que tem colhido e
você verá que maravilhas de cômico. (...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 432,
2001);
- Em 29 de outubro, Alcântara viaja para a Europa
acompanhado por Dolores Bicudo, a Lolita (sobre Lolita, veja no Adendo abaixo).
Envia novas crônicas de viagem;
Adendo:
-
Alcântara Machado conheceu Dolores Bicudo, a Lolita, numa festa na casa de
Mário de Andrade. Haroldo Ceravolo Sereza, revela num artigo no jornal O Estado
de S. Paulo, em 25 de fevereiro de 2001, que Dolores Bicudo, conhecida como a
Lolita, era uma mulher dezesseis anos mais velha que ele, além de mãe de dois
filhos. O romance não foi aceito pela família, vanguardista nas letras, nos
empreendimentos e na política, mas conservadora nos costumes, pois ainda
Dolores era uma mulher separada e independente financeiramente.
(Carmo, Eduardo Benzatti do. A obra ficcional e jornalística de António de Alcântara Machado, letras e imagens. Tese p/ doutorado em Ciências Sociais ‘Antropologia’, PUC, São Paulo, 2004, p. 58).
(Carmo, Eduardo Benzatti do. A obra ficcional e jornalística de António de Alcântara Machado, letras e imagens. Tese p/ doutorado em Ciências Sociais ‘Antropologia’, PUC, São Paulo, 2004, p. 58).
Alcântara e Lolita – foto tirada por Mário de Andrade
(Caderno 2/Cultura – O Estado de S. Paulo, ed.
25/02/2001, p. D5)
- Guilherme de Almeida publica "Simplicidade" e
Mário de Andrade publica "Compêndio
de História da Música"; Craque na Bolsa de Nova Iorque; Queda do preço do café – derrocada do plano
financeiro de Washington Luís.
1930 – Alcântara retorna da
Europa em Junho; Em “Teuto-Brasileiro”,
Mário de Andrade expõe mais uma das especialidades do seu amigo Alcântara
Machado:
“(...).
//Da
literatura de cordel brasileira a parte mais interessante, a meu ver, é a do
norte, especialmente a nordestina. A paulista também é muito curiosa, mas dessa
tenho até receio de falar por causa de Antônio de Alcântara Machado, que é
doutor também nela e dela pretende dizer”.
(Andrade,
Mário de. Taxi e Crônicas no Diário
Nacional. Estabelecimento de texto, introdução e notas de Telê porto Ancona
Lopes. Livraria Duas Cidades & Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia,
São Paulo, 1976 – p. 227).
- Em 02 de março, no O Jornal,
Alcântara escreve crônica sobre o livro Océan
et Brésil, do escritor francês Abel Bonnard, que esteve no Brasil em 1927
e, em 1929, publicou na revista Les
Annales as observações que aqui fizera. Segundo João Luiz Lafetá, no seu “1930: A Crítica e o Modernismo”, 1974:
“O texto provocou reações inteiramente diversas em Tristão de Ataíde e António
de Alcântara Machado, demonstrando a diferença e a distância entre o crítico
conservador e o escritor modernista. Após artigo de Tristão na revista Ariel, elogiando o escritor francês,
Alcântara desanca de rijo tanto o escritor francês (diretamente) como o crítico
brasileiro (indiretamente). O título da crônica: “O Trouxa”. Assim Lafetá escreve:
“(...). E o artigo vai nessa linha, desmistificando ponto por ponto o suposto refinamento do Ariel, mostrando sua superficialidade, sua literatice passadista e frívola, seu gosto pela banalidade de metáforas como a das borboletas que eram “dois destinos”. Vale a pena transcrever o seguinte trecho:
“Mas o
brasileiro, coitado, não é sustentado por
nenhuma tradição e se nas suas
vigílias cai na asneira de evocar um
grande homem o ilustre cavalheiro exerce sobre ele uma ascendência irresistível e fascinado por esse poderoso mago nem
pode ter a certeza de haver escolhido o mestre que realmente convém à sua
natureza. Assim se pede a proteção de Nietzsche o alemão se arremete contra
ele que nem pó se salva. Criança infeliz. Todo esse drama foi muito bem exposto
a Bonnard por um jovem brasileiro, pleno
de inteligência e ardor que tem uma bruta admiração por Maurras. Drama
pavoroso. Moços há que não resistem. Houve um até que morreu de tanta
exaltação. E outros existem que rompem
com tudo quanto os apaixonava para se jogarem no gênero de vida que mais os
repugnava, entregando-se a negócios de dinheiro no Rio ou São Paulo. Outros
ainda (êta eles) vão adormecer na solidão.
Claro que
não vale a pena discutir essa xaropada cretina. Basta gozar. Gozar bem. Depois
descobrir o mancebo talentoso e fogoso que escolheu Bonnard para confessar.
Isso sim paga a pena. É preciso que a gente conheça quanto antes essa
preciosidade sobre a qual Maurras, águia
do céu latino, paira com asas ainda maiores. Estão vendo o quadro?”
E Lafetá conclui:
A “vaia
fina” de Antônio de Alcântara Machado é que produziu o movimento mais vivo de
nossas letras.
(Lafetá, João Luiz. 1930: A Crítica e o Modernismo. Duas
Cidades, São Paulo, 1974, pp. 110-111);
- Em 12 de maio, Alcântara envia carta a Alceu Amoroso Lima (Tristão):
- Em 12 de maio, Alcântara envia carta a Alceu Amoroso Lima (Tristão):
São Paulo, 12 maio 1930
Aqui venho — meu querido Alceu — desafogar uma
cousa que me tem preocupado bastante. Como quem tapa o nariz e num gole esvazia
o copo de remédio entro diretamente no assunto.
Sob o título "O trouxa" publiquei há tempos no O Jornal
(estando ainda na Europa) um artigo sobre o livro de Abel Bonnard a respeito do
Brasil. Bonnard se refere a uma "confissão" recebida entre nós sem
declarar nome. Com a leviandade própria da raça assume nesse trecho uns ares
superiores que me irritaram e apresenta o "torturado" sob um aspecto
antipático. E eu desmentindo toda uma tradição paulista de prudência (sem
procurar saber de quem se tratava o que me daria pé para julgar da elevação da
confidência e portanto da leviandade com que foi trazida para o livro) disse
com ar de brincadeira duas ou três cousas a propósito; Ora — meu caro Alceu —
Bonnard aludia a você: o Rodrigo se apressou a me informar.
Imagine agora o meu estado de humilhante desapontamento. Contra quem
admiro e prezo como admiro e prezo raríssimos, inconscientemente disse bobagens
que podiam feri-lo colocando-me em situação horrível: a de alguém que atira no
escuro e fere um amigo. De forma que o que não fez mal nenhum a você (que está
acima de futilidades assim) a mim fez e está fazendo muito.
Não se trata de consertar uma tolice. Não tenho de mim mesmo opinião tão
pessimista apesar dos pesares que empreste a outros a possibilidade de me
julgarem capaz de conscientemente desagradar alguém de seu caráter e de sua
valia. Porém de por fora resolver uma questão íntima, uma luta entre o minuto
de boa-fé infeliz e a continuidade de um apreço sem reserva.
Aí está — Alceu — o que precisava dizer não ao escritor mas ao homem.
Porque este é que vale e por isso de minha parte o que o escritor fez
impensadamente o homem lealmente repele. Não quero escrever mais deixando a
você sentir o muito de sinceridade que ponho nisso e o meu empenho em que você
aceite com a cordialidade de sempre o abraço amigo que lhe envia o seu
Alcântara
47, na rua Frederico Xteidel (Largo do Arouche)
Aí no Rio o Schmidt me fez presente da última série
dos Estudos. Dentro
em breves dias mandarei o meu Anchieta.
(Barbosa, Francisco Assis. Intelectuais na encruzilhada - Correspondência de Alceu Amoroso Lima e
António de Alcântara Machado (1927 - 1933). Academia Brasileira de Letras,
1ª reimpressão, 2002, RJ).
- Em 17 de junho, Alcântara envia carta a Tristão de Athayde, atacando o
modernista Graça Aranha, por causa do segundo romance deste, intitulado A Viagem Maravilhosa:
“Entre as
minhas asneiras mais recentes se inclui a leitura do romance de Graça Aranha. E
francamente não me admirei da invencível ruindade do livro, mas sim de outros
se admirarem com ela. Quem é o autor, afinal de contas? Pois então não estão aí
O espírito moderno e Estética da vida [obras de Graça Aranha] para demonstrar
que se trata de um modernista de fancaria, tipo do sujeito que pinta os bigodes
para enganar os outros que é moço? O romance é incrivelmente péssimo”. [Segundo Paulo Setúbal]: //Antônio de Alcântara Machado
acertou no seu julgamento. Como obra de ficção, A viagem maravilhosa é fraca, tão fraca que não fica de pé. Romance
artificial, insincero, com excesso de palavras, de adjetivos, de frases
retóricas. (...).
(Jorge, Fernando. Vida, Obra e Época de Paulo Setúbal – Um
Homem de Alma Ardente. Geração Editorial, Belo Horizonte, 2ª ed. 2008, pp.
301-302).
- 5 de julho –
do Arquivo António Alcântara Machado, encontra-se na Série Correspondência:
“As
coisas pelo O Jornal não andam boas.
Seu Assis [Chateaubriand] foragiu há três dias. Foi um custo danado (de Seu
Guimarães, não meu) para receber dois vales seus e já tem mais três a haver”,
comenta Manuel Bandeira em carta de 21 de junho a António de Alcântara Machado.
Em outra missiva, esta provavelmente mostrada (por Alcântara Machado) a Mário
de Andrade, Manuel Bandeira fornece o desenrolar da situação: “O empregado do
escritório do Rodrigo, o Seu Guimarães está de posse de três valer para haver o
cobre do O Jornal. Suponho que até
agora não terá recebido, apesar da comissão prometida. Me contaram que o seu
Assis reduziu de um conto o ordenado do M. F. de Andrade. Não sei se é verdade.
Os boatos da revolução passaram. O consorcista desforagiu, mas andou com medo
danado que dinamitassem as novas maquinarias da rua 13 de maio”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 457,
Nota 41, 2001 – referência da carta de Mário para Bandeira, de 4 de Agosto);
- Em São Paulo, Alcântara atua em oposição a Getúlio Vargas; Em 1ª de
setembro: publica no jornal As Novidades
Literárias, Artísticas e Científicas o conto “O Mistério da Rua General Paiva”;
Adendo:
Guilherme
de Almeida entrou para a Academia Brasileira de Letras; Foram publicados os
livros: "Alguma Poesia", de
Carlos Drummond de Andrade, "Libertinagem",
de Manuel Bandeira, “Modinhas imperiais” - crítica e antologia, e “Remate de males” – poesia, de Mário de Andrade, “O Amor de Dulcinéia”, “A República 3000”
(romance), de Menotti Del Picchia; Eclode a
chamada Revolução de 30; Getúlio Vargas assume o poder.
1931 – 18 de janeiro, Alcântara, acompanhante de Mário de
Andrade na viagem à estação de águas mineira, decepcionado escreve a Prudente
de Moraes, neto:
“(...) tudo combinado: em
princípios de janeiro seguiríamos para Pocinhos do Rio Verde. Roupas já
caminhando para a mala, horário de trens já decorado, quartos de hotel já
reservados. Até um ante-gosto da água miraculosa já refrescando a garganta
sequiosa. Pois o Mário falhou. Falhou por causa da doença. [...] Dando da vida
por Pocinhos (segundo consta) é intolerável sem uma companhia agradável. O
ilustre poeta assegura que em junho irá. Iremos? (Pressão afetiva & Aquecimento intelectual, p. 144)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 535,
Nota 127, 2001);
- De janeiro a março: Alcântara publica em A Ordem o ensaio sobre “Brasílio Machado ou um Operário Católico”;
Em 15 de março: Juntamente com Paulo Prado e Mário de Andrade funda a Revista Nova (Contou com 10 edições, de
1931 a 1932). Foi nessa revista que publicou o conto “As Cinco Panelas de Ouro” (considerado um dos mais belos contos da
literatura moderna brasileira); Em 21 de junho, Mário de Andrade escrevia a
Alcântara, sobre a historieta “Três
milagres de Anchieta”. Essa carta foi localizada no jornal Tribuna da Imprensa, em 16 de abril de
1955:
“Chácara
do Tio Lourenço, 21-6-1931
“Antoninho:
“Li mais
uma vez seu conto que continua interessantíssimo. O final é admirável de pureza
de ação nítida, simples, sem complicação, descritiva, atingindo aquela homérica
síntese desprezadora de detalhes que é própria dos contos tradicionais. O que
prejudica um bocado o conto como peça de arte (e não como prazer de leitura,
pelo que ele irá sempre melhor em revista que em livro) é justamente o
contrário da qualidade excelsa do final: você, talvez pelo desejo de contar
tudo, aproveitou documentação demais, há uma retalhação anedótica excessiva e
por demais d’après nature. O rabinho do historiador atrapalhou o andar mais
desenvolto do contista. Ao passo que no fim o contista passou na frente do
anchetista, deu um bruto dum pincho algo, alcantilou-se, virou Grécia e nos deu
o reino dos céus. Aliás, tou repisando observação que você mesmo fês”.
(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, p.67).
(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, p.67).
Alcântara Machado - foto tirada por Mário de Andrade
(Caderno 2/Cultura – O Estado de S. Paulo, ed.
25/02/2001, p. D5)
- Na carta de 6 de outubro, de Mário de Andrade a Alceu Amoroso Lima,
nota-se a grande amizade entre o autor de Macunaíma
e Alcântara:
(...).
//estou
morrendo de seno porém não há-de passar absolutamente o dia de hoje sem que lhe
escreva. Ontem estive com o Alcântara e êle, como bom amigo de nós ambos, me
fêz ler a última carta sua, em que havia alguns período melancólicos se
referindo a amigos. (...).
(Fernandes, Lygia. Mário de Andrade Escreve Cartas a Alceu,
Meyer e outros. Coligidas e anotadas pela autora. Editora do Autor, Rio de
Janeiro, 1ª ed., exemplar nº 1585, 1968, p. 24).
– 23 de dezembro. Em carta a Mário de Andrade,
Bandeira menciona Alcântara:
(...).
//Sei
que a Revista Nova já anda nas
livrarias, mas não a recebi ainda: primeiro chega a do assinante Cícero e umas
duas semanas depois (quando eu reclamo ao Alcântara) o meu exemplar. Esta
perfídia é com o Alcântara que leva a me censurar as minhas omissões sobre a
revista, que eu nunca falo nela, etc.
//(...).
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 536,
2001);
Adendo:
Raul Boop publica "Cobra Norato"; Guilherme
de Almeida publica “Carta à minha noiva” e “Você”
- com desenhos
de Anita Malfatti; Oswald de Andrade, Patrícia Galvão (Pagu) e Queirós
Lima, fundam o jornal O Homem do Povo; Menotti Del Picchia publica “A Crise da Democracia” (Pesquisas
de política e de sociologia contemporânea); Cassiano Ricardo publica ”Deixa
estar, jacaré”.
1932 – Alcântara torna-se superintendente da Rádio
Sociedade Record em São Paulo. Escreve e lê comunicados sobre a Revolução
Constitucionalista de julho a outubro; Integra a comissão que negociou o fim da
revolta tenentista, com as tropas de legalistas, em Cruzeiro – São Paulo;
Assume no Rio de Janeiro a Secretária-geral da bancada paulista, da qual fazia
parte seu pai, deputado, para discussão da Assembleia Nacional
Constituinte convocada por Getúlio Vargas após a Revolução
Constitucionalista; Era na casa de seu pai, no Rio de Janeiro, que se faziam as
reuniões dos deputados paulistas para elaboração das propostas e acordos com
deputados de outros Estados; Em São Paulo, dirige a Empresa Editora A Vida dos Municípios, que publica
jornais em Itapetininga, Sorocaba, São Carlos, Bauru e Botucatu – SP;
Adendo:
Em São Paulo eclode a Revolução Constitucionalista,
9 de julho; Guilherme de Almeida publica: “Cartas que eu não mandei”; Menotti Del Picchia publica o romance “A Tormenta”; Raul Bopp publica “Urucungo”; Ribeiro
Couto funda no Rio de Janeiro, juntamente com Gustavo Barroso a Editora Civilização Brasileira.
1933 – Alcântara escreve rodapé literário para os Diários Associados de São Paulo; Viaja a
Buenos Aires a convite do jornal literário A
Crítica. Muda-se para o Rio de Janeiro, onde passa a exercer o cargo político de
Secretário da Bancada Paulista na Constituinte; Sob a direção de
Afrânio Peixoto, foi publicada pela Academia Brasileira de Letras, de autoria
do Alcântara, notas das “Cartas,
Informações, Fragmentos Históricos e Sermões de Anchieta”, contribuição
capital para os estudos anchietanos.
(*) “António
de Alcântara Machado não pudera compulsar os documentos guardados pela
Companhia de Jesus, nos seus arquivos em Roma, e que seriam depois utilizados
pelo Padre Serafim Leite, na obra acima citada, cujo primeiro volume aparecerá
em 1938, isto é, três anos depois da morte do escritor. Pretendia ele escrever
a biografia de Anchieta, concretizando um projeto do avô, Brasílio Machado,
também especialista no assunto, e de quem o neto traçaria o perfil em discurso
pronunciado na Faculdade de Direito de São Paulo, no décimo aniversário da sua
morte, e publicado num folheto intitulado Comemoração
de Brasílio Machado (1929)”.
(*)(Machado,
António de Alcântara. Novelas
Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo
Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, p.23).
Adendo:
Mário de Andrade publica “Fraulein”
– em New York, traduzido por Margareth Richardson Hollingsworth, e em São
Paulo, “Música, Doce Música” (estudos
de crítica e folclore); Patrícia Galvão, a Pagu publica o romance Parque
Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo, exigência do Partido Comunista; Oswald
de Andrade publica “Serafim Ponte Grande”;
Menotti Del Picchia reedita “A República
3000” sob o título de “A Filha do
Inca”, publica “A Revolução Paulista
através de um testemunho do Gabinete do Governador”, “Jesus”, “Viagens de João
Peralta e Pé de Moleque” (história infantil), e “Poesias” (Seleção de versos escolhidos pelo autor); Morre Jué Bananére, pseudônimo do jornalista, escritor, engenheiro paulista Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, que imortalizou o dialeto "macarrônico" (em que o português fundia-se com o italiano), no seu livro "La Divina Increnca".
1934 – Alcântara torna-se diretor do Diário
da Noite do Rio de Janeiro; É eleito deputado federal por São Paulo pelo
Partido Constitucionalista liderado por Armando Salles de Oliveira. Elege-se
deputado federal por São Paulo na legenda do Partido Constitucionalista,
sucessor do Partido Democrático.
- Em 5 de março, Mário de Andrade em carta a Manuel
Bandeira, menciona Alcântara Machado:
“(...).
E não me envie a direção do Alcântara como pedi na outra dedicatória (carta de Mário a Bandeira, em 1ª de março,
solicitava o endereço de Alcântara no Rio. Anexo nosso), estou zangadíssimo
com ele, resolvi ficar zangadíssimo. Pois então ele não terá nem um minuto pra
me contar onde mora? Resolvi ficar zangadíssimo e achei lindo [isso] de não
mandar para ele o livro que dediquei tipograficamente a ele. (Mário estava se referindo a publicação do
“Belazarte”, que pela Livraria Martins, São Paulo, 1956, tem como título “Os
Contos de Belazarte”, dedicado a António de Alcântara Machado)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 576,
2001);
- 16 de agosto, Bandeira, em carta a Mário de Andrade,
notifica a presença de Alcântara no Diário
da Noite:
“(...).
//O
nosso Alcântara, principal diretor do Diário
da Noite, onde escreve todos os dias um comentário assinado.
//(...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 584,
2001);
- 14 de dezembro: última referência encontrada nas
cartas trocadas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira, mencionando Alcântara:
“(...).
//O
endereço do Alcântara é rua Haritoff, 5 – 2º andar. (...)”.
(Moraes,
Marcos Antonio de. Correspondência Mário
de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 602,
2001);
Adendo:
Armando Sales Oliveira funda a Universidade de São
Paulo (USP), contratando professores estrangeiros. É a terceira universidade
criada no Brasil; Mário de Andrade publica: “Belazarte” – contos, e “Luciano Gallet” (introdução aos Estudos de
Folclore, de L. Gallet); Em São
Paulo, através do Decreto nº 6.784, de 19 de outubro, a Academia Paulista de
Letras é reconhecida como entidade de Utilidade Pública. Oswald de Andrade
publica “A Escada Vermelha”, terceiro
volume de A Trilogia do Exílio;
Oswald publica também a peça teatral O
homem e o cavalo; Morre, Da. Olívia Guedes Penteado, grande incentivadora e patrocinadoras da literatura e artes plásticas dos primeiros modernistas paulistas; Promulgada a 3ª Constituição do Brasil – Vargas é eleito
presidente.
1935 – Alcântara realiza viagem a
Montevidéu e Buenos Aires, com a delegação de brasileiros, a convite de A Crítica, jornal argentino. Em 5 de
abril, escreve no Diário da Noite,
Rio de Janeiro, seu último artigo: “Mais
um Bocado de Paciência”;
- 14 de abril: António de Alcântara Machado morre
no Rio de Janeiro, às 14:45h, na Casa de Saúde São Sebastião, uma semana após uma
operação de apendicite, fulminado por uma peritonite infecciosa, não
conseguindo assim tomar posse como deputado federal além de deixar inacabado o
romance Mana Maria. O corpo é
trasladado, no dia 15, para o mausoléu da família, no Cemitério da Consolação,
em São Paulo, na Rua 07, Terreno 09. No mausoléu, escultura de Luigi
Brizzolara, conforme figura abaixo:
(Foto ilustrativa da escultura de Luigi Brizzolara)
- Em 16 de maio, Mário de Andrade escreve carta a Prudente de Moraes,
neto, revelando sua dificuldade em aceitar a morte súbita do querido amigo.
Conforme transcreveu Eduardo Benzatti do Carmo, na sua tese para doutorado em
Ciências Sociais (Antropologia), pela PUC, São Paulo, 2004: “(...). O
pesquisador Marco Antonio de Moraes teve acesso a esse documento, pertencente
ao “Arquivo Antonio de Alcântara Machado” de responsabilidade do Instituto de
Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo, e publicou, com o
consentimento da Família Mário de Andrade, no artigo “Encontro de amizade,
Mário de Andrade e Antonio de Alcântara Machado”. Um tanto extenso, vale reproduzir
um trecho dessa correspondência reveladora da profunda amizade entre esses dois
homens:
“Prudentinho, sua carta foi pra mim um prazer enorme. Mesmo nas palavras
tristonhas evocando o Alcântara. A morte dele como que não me dói mais, e sem o
menor egoísmo, foi pra mim uma espécie de reencontro de amizades. Como você,
vários outros amigos verdadeiros, sentiram precisão de me encontrar de novo,
como que herança me deixada pelo Antonio. Quando peguei no fone, chegando aí no
Rio, e sube da morte dele, fiquei literalmente aterrado, você não imagina.
Passe não sei quanto tempo, parado, absolutamente exausto, sem pensar, sem
mexer, sem nada. Era tanto sentimento desencontrado, tanta idéia desencontrada,
em tumulto, não era bem sofrer, era um desses momentos tão cruciantes, tão
exaltado, em que o espírito perde parte da consciência muito grande para chegar
a reconhecer que sofre. Fique meio abobado. Mas sou muito sistemático, você
sabe, pra me entregar assim. Tomei o partido de andar. Isso seriam umas dez horas
ou pouco mais, saí do Rio Hotel, andei, andei, me multitudinizei buscando
prejudicar o meu verdadeiro estado de desgraça pelo entorpecente da fadiga
física. Fui parar, quando olhei no relógio, às três e meia, na porta do Manuel
Bandeira. Sem almoço, e sem nada. Passei a semana numa espécie de exaltação,
contando indiscretamente o Antonio pra toda a gente, até pros que não se
preocupavam dele. E todos foram bons pra mim, não sei se eu dava mostras que
sofria muito, me aguentaram com paciência. Também não fiz nada, fugi de
qualquer cerimônia, não telegrafei pro pai dele, nada. Talvez mesmo eu tenha
convertido a morte do Antonio num caso de minha propriedade... Com bastante
egoísmo, revoltado contra todas as convenções, eu achava tudo insuficiente.
Tanto fale, tanto pensei, tanto destemperadamente extravasei meu sofrimento que
no fim de duas semanas o Antonio já estava convertido numa imagem, essa imagem
dos seres amados que a gente guarda consigo, sem dor, depois que o tempo faz
dos mortos não mais a inconveniência duma falta, mas como que um apoio moral
que chega a ser útil recordar. Eu não sei se deva pedir desculpas a você destas
considerações mais visivelmente egoísticas que tinha precisão de fazer para
alguém. Não o faria nunca a um Ademar Vidal, por exemplo, que também sentiu
muito a morte do Antonio. É um espírito demasiadamente aceitador, não me
compreenderia propriamente, antes me aceitaria demais. E se, no caso, minha
alma é feia, prefiro me confessar a um espírito mais recalcitrante, mais
justiceiro ante as feiúras humanas, com você.
Mas se a morte do Antonio, de tão digerida por mim, não me dói mais, é
certo que ainda estou cheio de melancolia, e a todo momento me brotam assomos
de indignação contra essa morte. Como até hoje fico indignado com a morte do
Álvares de Azevedo. Há morte de moços de que a gente se consola, que a gente
aceita. Não faz mal Castro Alves ter morrido moço, tenho a sensação calma de
que ele deu o oque tinha de dar, e só faria se repetir. Já o Álvares de Azevedo
como o Antonio, não. São poetas em que a gente percebe nas obras uma ascensão
oque só se completaria com o amadurecimento da idade e do espírito. Por isso
fico indignado, me dá vontade de gritar, de quebrar este erradíssimo mundo. Eu
tinha ema esperança mesmo formidável no Antonio. Não me parece que você tenha
razão em esperar dele um grande político. O Antonio jamais seria capaz dum
desses esplêndidos gestos decisórios, que temam um homem politicamente grande
além da morte. Havia no temperamento dele uma timidez sutil que o fazia se
conformar excessivamente com o indivíduo que o conversava no momento. Era mesmo
quase uma hipocrisia, muito aceitadora, bastante tergiversadeira, que na minha
impressão, o havia de tornar uma espécie de Alcântara pai em nossa vida
político-social, acomodatício e bastante da banda das maiorias. Circunspecto e
muito desejado. Nunca imprescindível. Demais a mais, as tradições escravizavam
o Antonio. Ora, eu me pergunto meio incerto se ainda é tempo dum político moço
se decidir por essa espécie de democracia liberal em que nos descoloramos...
Politicamente me parece que o Antonio chegava muito envelhecido num mundo
excessivamente moço pra ele. Eu gostava, depois de o ver conversando e se
acomodando a alguém, de lhe auscultar as reações intelectuais que, em seguida,
esse mesmo indivíduo provocava nele. Muitas vezes a escachação era completa,
decisiva. O que não impedia o Antonio de se acomodar de novo a esse indivíduo,
a primeira vez que o encontrasse. É verdade que ele possuía um tino, um faro
muito seguro de se afastar definitivamente dos que na podiam lhe acrescentar o
enriquecimento vital, quer político, quer intelectual, quer qualquer outro.
Isso lhe permitia caminhar muito firme, muito direto pra um destino brilhante,
sem impedimentos morais ou práticos. Mas um destino brilhante, me parece pouco
satisfatório pra imagem que eu tenho do Antonio e pra esperança que eu
depositava nele. Eu o imagino com um destino forte. As suas reações diante dos
indivíduos, a percepção aguda dos defeitos, alheios (e próprios: ele mesmo
várias vezes considerou comigo o seu próprio egoísmo; o exercício higiênico de
converter todas as vaidades num imenso orgulho pessoal que leva a gente à
consciência nítida de si mesmo e à autocrítica impiedosa; a docilidade do seu
ser acomodatício, chegando, ele o primeiro, a pronunciar a palavra
hipocrisia...), a faculdade sensibilíssima de reconhecer o ridículo dos outros
e de o pôr à mostra; e ao mesmo tempo um grande amor da humanidade, uma quase
piedade que sofria ante o prodigioso poder de serem miseráveis e infinitamente
pequenos, que os homens têm: tudo destinava o Antonio a um ser exclusivamente
intelectual, a um literato puro, escrevedor de livros em que a miséria, o
ridículo, o defeito, não fossem despejados de cima da vaidade dum ser que se
julgasse superior, mas de dentro dum amor profundo de quem soubesse ter
piedade. O convívio semanal com o Antonio me deu a certeza de que ele chegaria
enfim a esse literato amante e fustigador do nosso mundo, depois que lhe
passasse o excessivo sexo de moço que faz a gente ser desvirilizar
constantemente no humor, na assuada, no risinho que risca pra sempre o
indivíduo e lhe nega o amargo direito de ser desgraçadamente ridículo ou ruim.
Você tem lembranças dos risinhos que o Antonio dava? Eram curtos, dum segundo,
mas tão decisórios, tão certeiros que deixavam o indivíduo rido a ninguém. Mas
já nas obras dele, além da firmeza notabilíssima de técnica, e apesar da
aparente sequidão, a gente percebe, na profundeza de certas análises do Laranja da China e em certos laivos de
amor que escapuliram sem querer do artista, uma gradativa regeneração humana
que dariam à obra futura do Antonio, um valor mais permanente e mais moral. E a
meu ver a política estava no ponto de estragar tudo isso. Se não completamente,
pelo menos muito. Minhas últimas cartas pra ele eram ásperas, não lhe davam paz
de espírito... Fustigaram muito o desperdício que ele estava fazendo próprio
destino... E tudo isso me melancoliza por demais, você está vendo, me bota
falando ainda com exaltação. É melhor parar por aqui.”
(Moraes, 2000, p. 33-35 – Ver fonte da cópia na apresentação do texto).
(Moraes, 2000, p. 33-35 – Ver fonte da cópia na apresentação do texto).
Adendo:
Em 15 fevereiro, morre Ronald de Carvalho, no
Rio de Janeiro, vítima
de um desastre de automóvel; Mário
de Andrade é
nomeado simultaneamente Chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor do
Departamento de Cultura da cidade de São Paulo; Menotti Del Picchia publica “Pelo Divórcio” , “O Despertar
de São Paulo: Episódios do Século XVI e do século XX da Terra Bandeirante” e “Poemas”, este pela Monteiro Lobato,
São Paulo; Mário de Andrade publica “O
Aleijadinho e Alvares de Azevedo” (ensaios).
OBRAS DE ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO
- Pathé-Baby – 1926 – (Impressões de viagem);
- Brás,
Bexiga e Barra Funda – 1927 – (Contos);
- Laranja
da China – 1928 – (Contos);
- Anchieta
na Capitania de São Vicente – 1928;
-
Comemoração de Brasílio Machado – 1929;
- Mana
Maria, publicação póstuma – 1936;
- 2ª
edição de Brás, Bexiga e Barra Funda juntamente com Laranja da China, em volume
único, com introdução de Sérgio Milliet. Ed. Martins, 1944;
-
Cavaquinho e Saxofone – (coletânea de crônicas e artigos de jornal, de 1926 a
1935, colecionadas por Sérgio Milliet e Cândido Mota Filho, além de impressões
da segunda viagem à Europa (1929-1930) e da viagem a Montevidéu e Buenos Aires
(1935) - publicação póstuma – 1940);
- Novelas
Paulistanas – 1ª edição em 1961, reunindo as obras Brás, Bexiga e Barra Funda,
Laranja da China e Mana Maria – Ilustrações de Poty, cronologia e introdução de
Francisco de Assis Barbosa;
- Novelas
Paulistanas – 2ª edição, em 1971, passando a integrar a Coleção Sagarana;
- Edições
fac-similares, cada uma acompanhada de volume à parte com comentários, das três
obras editadas em vida do autor: Pathé Baby (1926), Brás, Bexiga e Barra Funda
(1927) e Laranja da China (1928). (Arquivo do Estado & Imprensa Oficial –
IMESP, São Paulo), em 1982;
-
Reimpressão da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda, reunindo em um
só volume a obras e os comentários. (IMESP, São Paulo), 1983;
- Novelas
Paulistanas – Brás, Bexiga e Barra Funda; Laranja da China; Mana Maria; Contos
avulsos inéditos em livro – ilustrações de Poty. Org. Francisco de Assis
Barbosa. Remontagem: textos novos acrescentados, introdução, apresentação e
complementação da Cronologia de Cecília de Lara. 1ª ed. revista e aumentada.
Ed. Itatiaia, BH & Ed. da USP, São Paulo, 1988;
- Tradução
para o italiano (Brás, Bexiga e Barra Funda) – MACHADO, António de Alcântara.
Notízie di São Paulo. Raccondi a cura di Giuliano Macchi. Indtroduzione de
Rubens Ricupero. Milano, All’Insegna del Pesce d’Oro, 1981. (Tradução de G.
Macchi);
- Tradução
para o espanhol: - MACHADO, António de Alcântara. “Corinthians (2); Palestra
(1)”. Revista de Cultura Brasileña, 46:74-8, jun. 1978;
- Tradução
para o japonês: - LATIN AMERICAN NOVEL. Shinsekaisha, Tokyo, 1977. Inclui, em
tradução japonesa, o conto “Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria”, de António
de Alcântara Machado;
- Tradução
para o francês: - MACHADO, António de Alcântara. “Apologue brèsilien sans prétention
allégorique”. In: Fleur, Télephone et Jeune Fille... et autres contes
brésiliens. Éd. Bilíngue. Paris, L’Alphée, 1980, p. 41-57. Tradução francesa, por
Mário Carelli, do conto “Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria”, e: - MACHADO,
António de Alcântara. “Nationalité”. Bicephale: Europ Amérique-Latine – Paris,
17/18: 129-32, été 1982. Tradução francesa de Mário Carelli;
(Machado, António de
Alcântara. Novelas Paulistanas. Com
ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora
da USP, São Paulo, 1988, pp.24/54-56).
(Foto ilustrativa da capa edição da Livraria Martins Editora)
(Foto ilustrativa da capa segunda edição Novelas Paulistanas)
(Foto ilustrativa da capa da edição póstuma - 1940)
(Foto Ilustrativa da edição José Olympio Editora)
Nota 1:- Brás, Bexiga e Barra Funda, juntamente com Laranja da China, formam as chamadas Novelas Paulistanas – desde 1961;
Nota 2:- Alcântara Machado escreveu também relatos de viagens, crítica de teatro, contos, crônica política e deixou obras inacabadas, entre elas o romance Mana Maria;
Nota 3:- No artigo “O Tumulo na
Neblina”, incluído no “Em Memória de António Alcântara Machado – 1936”, depõe
Mário de Andrade sobre o amigo morto: (*)“O
comunismo o apaixonava. Mas não creio que ele viesse nunca a se tornar nem
mesmo um simpatizante, como falam por aí. António de Alcântara Machado possuía
com uma clarividência irrevogável, que o fazia essencialmente aristocrático, o
senso hierárquico de valores. Se chegasse à vida cem anos depois do comunismo
estabelecido e praticado, seria um comunista. Mas presenciando as primeiras
aplicações comunísticas, essa confusão natural, e até necessária, meu Deus!,
entre abolição de classes e igualitarismos, que a própria Rússia já fez
esforços por dirimir, não poderia nunca receber dele a menos adesão”. (*)(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de
Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São
Paulo, 1988, nota 5, pp.43-44).
Nota 4:- Na 1ª edição do “Novelas
Paulistas”, organizada por Francisco de Assis Barbosa, traz uma informação
importante da atuação de Alcântara Machado no campo do teatro, conforme
descrição a seguir, onde foi conservada a grafia original:
- 5.1. O Nortista – De publicação póstuma
interessa como única mostra da produção de A. de A. Machado no campo do teatro.
Crítico militante durante um período longo, sempre se interessou pelo teatro,
em seus vários aspectos; por isso revela nos contos o trato contínuo com a
literatura dramática, além do cinema, e jornal. Mas como dramaturgo não foi
além dessa experiência.
// O Nortista foi publicado somente em
2943, por Múcio Leão (Múcio Leão: nasceu em Recife, PE, em 17 de
fevereiro de 1898, e faleceu no Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1969. Foi
jornalista, contista, romancista, poeta, crítico e ensaísta. Em 19 de novembro
de 1935, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira
20, na sucessão Humberto de Campos – nota do Retalhos), no número do suplemento Autores e
Livros, de A Manhã, dedicado a
António de Alcântara Machado. Numa nota, “As fontes deste Suplemento”, vem a
explicação de um aspecto obscuro: a perda deste original. António de Alcântara
Machado tinha enviado o manuscrito para Rodrigo de Mello Franco, que em carta
declara ter-se extraviado a única experiência de literatura dramática do autor:
“Meu caro
Alcântara. //Não posso ter perdido completamente o primeiro ato de O Nortista: ele deve estar metido
nalguma gaveta aqui do escritório e vou pedir a seu Guimarães para descobri-lo
um destes dias, uma vez que o atual contínuo que temos desconhece inteiramente
as arrumações feitas por seu Ernesto quando nos mudamos da rua Buenos Aires 85
para a mesma rua nº 98.
Tenho plena
certeza de que não levei para casa aquelas folhas de papel almaço em que você
escreveu as primeiras cenas da peça e me lembro muito bem de que elas estavam
metidas numa das gavetas de minha secretária, no outro escritório. Por ocasião
da mudança seu Ernesto tomou a iniciativa de desarrumar tudo, para proceder
aqui a um novo arranjo, com o auxílio de seu Guimarães. A este, portanto, é que
terei de recorrer”.
Esta carta
é datada de 15 de novembro de 1931. Na verdade Rodrigo de M. Franco nunca
devolveu o manuscrito, pois Múcio Leão na citada nota do Suplemento diz que
transcreveu O Nortista dos originais
do arquivo de Rodrigo de Mello Franco.
(Machado, António de
Alcântara. Novelas Paulistanas. Organização
do texto base por Francisco de Assis Barbosa; textos novos acrescentados,
introdução, apresentação, complementação da cronologia, Cecília de Lara. 1ª ed.
rev. e aum. Itatiaia, Belo Horizonte e Editora da USP, São Paulo, 1988, pp.66/67.
Nas páginas 309 a 320, do Novelas
Paulistanas, está a descrição dos quatro quadros no primeiro ato de O Nortista).
(Da Revista Cult, nº 47, junho/2001, p. 51)
DEPOIMENTOS E COMENTÁRIOS
De Paulo Duarte:
“- Sou um
homem feliz! //Durante anos, quanta vez não ouvi esta exclamação de Mário de
Andrade! Creio que a primeira, foi ali naquele apartamento da Avenida São João
onde, entre 1926 a 1931, nos reuníamos quase tôdas as noites. (...). //Mas a
memória daquele apartamento havia de ficar pelos sonhos que ali se sonharam.
Foi lá que germinou o Departamento de Cultura. Éramos um grupo pequeno: Mário
de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Tácito de Almeida, Sérgio Milliet,
Homem de Melo, todos já mortos, (...).
(Duarte, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. Prefácio
de Antônio Cândido. Hucitec & Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia,
São Paulo, 2ª ed., 1977, p. 49).
De Alfredo Bosi:
"António de Alcântara Machado era tão filho e neto de mestres das
Arcadas quanto entusiasta da primeira hora dos desvairistas e primitivistas:
foi, assim, uma inclinação liberal e literária pelo ‘pitoresco’ e pelo
‘anedótico’ que o fez tomar por matéria dos seus contos a vida difícil do
imigrante ou a sua embaraçosa ascensão. Creio que esses dados de base ajudem a
entender os limites do realismo do escritor, visíveis mesmo nos contos melhores,
onde o sentimental ou o cômico fácil, mimético, acabam por empanar uma visão
mais profunda e dinâmica das relações humanas que pretendem configurar”.
(Bosi,
Alfredo. História concisa da literatura
brasileira. Editora Cultrix – 2º edição – São Paulo – 1984 – p. 422).
Ainda
Alfredo Bosi:
Para Alfredo Bosi, Alcântara Machado é uma das expressões modernistas
mais felizes na abordagem da realidade urbana paulistana, em especial da classe
operária e de uma classe média ascendente:
É nos contos de Brás, Bexiga e Barra Funda que se vão
encontrar exemplos de uma ágil literatura citadina, realista (aqui e ali
impressionista), que já não se via desde os romances e sátiras de Lima Barreto.
[...]
No caso do talentoso Alcântara Machado, é sensível, a uma leitura
crítica dos contos, esse fatal olhar de fora os novos bairros
operários e de classe média a crescerem e a consolidarem uma nova S. Paulo, que
ignorava a vetusta Academia de Direito e nada sabia dos salões que acolheram,
antropofagicamente, os homens de 22.
(Bosi, Alfredo. p. 374-5, grifos do autor).
De Massaud Moisés:
"António
Alcântara Machado é, fundamentalmente, um estilista: sua prosa, trabalhada com
afinco, até parecer tão natural como a linguagem jornalística, fez dele um
voluptuoso da forma. Um voluptuoso da forma que repudiasse as frases longas,
prolixas, a prosa abundante e redonda dos realistas, em favor dos períodos
telegráficos, enxutos. Como se se inspirasse nos relâmpagos da câmara
fotográfica, seu estilo busca fixar sequências de tomadas, ao contrário das
grandes panorâmicas, mesmo as do cinema mudo. É, verdadeiramente, a prosa dum
aristocrata, em bora anti-proustiano, que se volta para o cotidiano da
periferia de S. Paulo, onde habitam os imigrantes italianos, para captar-lhes
os aspectos mais sugestivos”.
(Moisés, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. V – Modernismo (1922 –
Atualidade). Editora Cultrix & Edusp, 2ª ed., São Paulo, 1985, p. 135).
De Wilson
Martins:
“Afirmando
como escritor em 1928, falecendo em 1935, Alcântara Machado é modernista, sem
dúvida – mas de um certo modernismo, que não é nem o modernismo da década
revolucionária, nem o modernismo da década thermidoriana: êle teria sido, para
o Modernismo de são Paulo, o que exatamente em 1928, José Américo de Almeida
foi para o modernismo do Nordeste, isto é, o iniciador de uma fase pròpriamente
literária que honrasse os compromissos assumidos pelos manifestos e pelas
manifestações. Na idade neolítica em que vivem no Brasil os estudos literários,
não se sabe a data de composição de Mana
Maria, mas não será temerário supor que tenha sido entre 1928 e 1934, ou,
se quisermos, entre 1931, fundação da “Revista Nova”, e 1933, ano da eleição
para a Assembléia Nacional Constituinte. Êsses dois ou três anos foram tudo o
que constituiu a maturidade intelectual de Alcântara Machado, assim como os
dois ou três anos anteriores tinha constituído a sua adolescência literária. Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928) assinalam,
juntamente com uma originalidade e grande poder de expressão, o epígono de uma
escola que havia revelado personalidades fortes e dominadoras; Mana Maria poderia tê-lo transformado
no romancista que nenhum dos seus
mestres e amigos chegou a ser. Há, por consequência, dois Alcântara Machado,
assim como há vários modernismos: a visão histórica tem isso de nefasto que é,
por paradoxo, abolir o tempo e as suas mutações, e raciocinar como se o
processo de modificações espirituais, de idade para idade, não ocorresse. Por
breves que tenham sido a vida e a vida literária de Alcântara Machado, elas
foram suficientes para mostrá-lo como o único modernista de São Paulo (entre os
ficcionistas) que realmente chegou a transcender o Modernismo; mas,
simultaneamente, por terem sido tão breves, elas o isolaram naquela terra de
ninguém que separa as trincheiras paulistas da trincheiras nordestinas.
//(...).
//Entre a
significação histórica e a significação estética há uma distância que é, muitas
vêzes, um abismo e que ratos modernistas souberam transpor; Alcântara Machado,
favorecido pelo destino, já nasceu, literàriamente, do outro lado dêsse vale do
esquecimento, mas, amaldiçoado pela fada da Literatura, não teve tempo de
completar a sua obra – quero dizer, de completar a obra do Modernismo. E,
assim, êsse escritor que estava destinado a superá-lo e a justificá-lo, viu-se
reduzido, na prática, à condição de caudatário de uma revolução que o havia
misteriosamente escolhido para consolidador; nos seus livros, os “defeitos
modernistas” neutralizam contìnuamente as “qualidades do escritor”, da mesma
forma por que as “qualidades do escritor” encontram permanentemente nos
“defeitos modernistas” os obstáculos mais vivos.
//(...).
Seja como fôr, não surgiu, depois de Alcântara Machado, o escritor predisposto
a olha com simpatia e lirismo épico êsse grande fenômeno que é a cidade de
imigração: mesmo nêle, a nota pitoresca sufoca a nota humana, da mesma forma
por que a psicologia individual. Caso mais complexo do oque poderia parecer,
Antônio de Alcântara Machado representa o amargo destino de uma vocação
literária que não chegou a produzir os seus frutos.
(Martins, Wilson. A Literatura Brasileira – Vol. VI, O Modernismo (1916-1945). Editora
Cultrix, São Paulo, 1ª ed., 1965, pp. 255 a 262).
De Francisco de Assis Barbosa:
"De todos os grandes autores do modernismo brasileiro, António de
Alcântara Machado é sem dúvida o que mais se deixou impregnar pelos meios de
comunicação visual que começaram a se transformar e adquirir uma nova dimensão
em consequência da Primeira Guerra Mundial. Compreendeu de relance a
importância do grafismo, em toda a infinita diversificação e complexidade de
formas, que assumem com o dadaísmo e o surrealismo o clímax do movimento de
renovação, quase que de liquidação do passado, pelo menos dos modelos tradicionais
não de todo desaparecidos e ainda com bastante vitalidade, para resistir ao
conflito de 1914-1918.
António de Alcântara Machado foi no Brasil dos
primeiros a compreender a influência do grafismo como expressão literária na
arte do após-guerra. E soube aplicá-la à sua obra de ficcionista de temas
urbanos voltado para o cotidiano de uma cidade como São Paulo, que então
iniciava a sua violenta transformação urbana, na escalada para se tornar em
breve o maior centro metropolitano e industrial do país, que em menos
de cinquenta anos daria um salto demográfico sem precedentes.
Sendo além de escritor um jornalista, atento,
portanto a todas as novidades da época, que na década de 1920 vão desdobrar-se
no desenvolvimento do cinema e do rádio, valeu-se da multiplicidade e movimento
de imagens, na comunicação direta e instantânea, ao mesmo tempo concisa e
dinâmica, características da sua prosa ágil e flexível.
Ao desaparecer com pouco mais de 30 anos, as
três obras fundamentais que deixou são tipicamente modernas, e não apenas
modernistas, e por isso mesmo representativas como conteúdo artístico desse
mundo em ebulição. É o que desde logo surpreende na leitura, sobretudo hoje,
das impressões de viagem à Europa, reunidas como num filme, projetado de uma
Pathé-Baby (1926), e os contos de Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja
da China (1928), notícias do cotidiano paulistano, flagrantes da classe
proletária e da burguesia endinheirada, dos pequenos núcleos de imigrantes,
italianos na sua maioria, que vão adensar a classe média ainda rarefeita de
pequenos comerciantes e burocratas.
Esses livros de António de Alcântara Machado
tinham que ressurgir na sua feição gráfica original, tal como foram criados e
publicados, com a marca inconfundível do autor, cuja presença se afigura
patente em todas as paginas impressas dos seus livros, denunciando o rigorismo
gráfico com quem foram elaboradas e até pensadas.
Daí a sua inclusão no programa de edições
fac-similares do Arquivo do Estado de São Paulo, iniciando a série de
literatura. É inseparável do texto do grande escritor o volume, com os
comentários de Cecília de Lara, com vistas à próxima edição de toda ou quase
toda a produção de António de Alcântara Machado, reunindo não apenas a ficção,
como também ensaios de crítica literária e de história, crônicas da vida
urbana, reportagens e jornalismo de um modo geral, além de uma seleção de
correspondência.
(...)”.
(Barbosa, Francisco de Assis. In: Lara, Cecília de Comentários no
Prefácio da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São
Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – São
Paulo, novembro de 1981 – pp. 7 e 8).
De Stiunírio
Gama:
“(...). //Antonio de Alcântara Machado é um
escritor que encanta com a sua observação penetrante e pouco comum em homens de
sua idade. Alcântara é uma analista invejável. Com duas penadas, traça o perfil
físico, moral e intelectual dos seus tipos, que vivem, se movimentam e
conversam com o leitor. //(...)”.
(Gama, Stiunírio. In: Seleções de Críticas – Às Segundas (Jornal do
Comércio, 14 de março de 1927), da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra
Funda – Notícias de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa
Oficial do Estado – São Paulo, novembro de 1981 – p. 90).
De Agripino Grieco:
“(...) Foi (...) o
criador de uma prosa por vezes dialetal, entre italiana e brasileira, e o seu
Gaetaninho é já agora figura clássica para a nossa galeria de tipos sintéticos,
que definem meios sociais e exprimem grandes porções de gente. (...) Respira a
alma de São Paulo com a deliciosa garoa que lhe envolve as colinas e as torres,
e a utilização do material humano que vai recolhendo pela cidade é sempre feita
com amor. Inteligência saudavelmente realista, sente por instinto o ponto
afetado da personagem esquisita que vai pôr em cena, percebendo-lhe logo a
fenda moral que a singulariza”.
(Grieco,
Agrippino. in Machado, António de Alcântara — Novelas Paulistanas, Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 1973, p.
XIV).
De Rodrigo de Melo
Franco de Andrade:
“O sr. Antonio de Alcântara Machado não é
homem com quem se possa usar de rodeios. Quem quiser se ocupar do que ele
escreve tem de entrar diretamente em matéria, sem introitos e sem considerações
preliminares. Seus livros não se prestam a divagações, nem dão margem a frases
bonitas. Não solicitam apenas o espírito do leitor. Agridem e agarram a
atenção: de dentro deles não se sai com duas razões. (...)”.
(Andrade, Rodrigo M. F. de. In: Vida Literária. Antonio de Alcântara
Machado – Jornal, Rio de Janeiro, 3 de abril de 1927 (Recorte do Arquivo Mário
de Andrade do IEB/USP, São Paulo, da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra
Funda – Notícias de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa
Oficial do Estado – São Paulo, novembro de 1981 – p. 92).
De Martin Damy:
“(...). //Para mim, Antonio de Alcântara
Machado é um desses escritores superiores. Graças ao seu talento enorme, esse
recanto anônimo da alma brasileira já saiu do silêncio. E a pintura que dele
nos fez o jovem autor é uma demonstração a mais da sua riquíssima vocação para
desdobrar aos nossos olhos ambientes interessantes e virgens. //Seu estilo para
isso possui todos os requisitos indispensáveis. //Essencialmente moderno, não
entra contudo na química das frases incompreendidas. É nítido e franco, ágil,
elástico, sem escamoteações de lantejoulas cegantes. Guardando vivacidade, não
se apressa nunca. Pára somente após ter esgotado o assuntos. Antes, não.
//(...)”.
(Damy, Matin. In: Os Espíritos dos Livros – Brás – Bexiga e Barra
Funda de António de Alcântara Machado – Jornal do Comércio, S. Paulo, 6 de
abril de 1927, da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias
de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado –
São Paulo, novembro de 1981 – p. 96).
De Luciana Stegagno-Picchio:
"Uma capacidade crítica, a sua, de fixar em imagens, em
cena-diálogo, os casos da vida. Neste sentido o narrador Alcântara Machado
sempre se apresentará aqui como cronista, um repórter, um descritor agradável e
superficial de fatos de crônica quotidiana. A sua fauna é a fauna multirracial
de São Paulo: sobretudo os italianos, ou melhor, os ítalo-brasileiros na sua
primeira violenta fase de integração social, carregados ainda de todas as
escórias pátrias e levados pela aventura a exasperar aqueles defeitos-virtudes
nacionais, que o repertório internacional já estilizara."
(Stegagno-Picchio, Luciana. História da literatura brasileira. Editora
Nova Aguilar – Rio de Janeiro – 1997 – p. 502).
De Cláudio Giordano:
“António de Alcântara Machado encantou minha iniciação no universo da
literatura brasileira. Acompanha-me até hoje a comoção do encontro com
Gaetaninho. Ah, que tristeza profunda não me tomava (e me toma) quando repetia
(e repito) na memória o fecho dorido:” Quem na boléia de um dos carros do
cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o
Beppino“.
Saudade! Passados mais de quarenta anos, ofereceu-me o caso a
oportunidade de editar em 1997 Pressão Afetiva E Aquecimento Intelectual –
Cartas de António de Alcântara Machado a Prudente de Moraes Neto (organização,
introdução e notas de Cecília de Lara).
(Giordano, Cláudio. In__ Memória em Revista – Dossiê Cult – Revista
Brasileira de Literatura n.º 47 – p. 44 – Junho/2001. Cláudio Giordano é bibliógrafo,
editor e tradutor, criador e dirigente da Oficina do Livro Rubens Borba de
Moraes).
De Audálio Dantas:
“Um caso de amor com as ruas. Esta definição da literatura de Charles
Bukowski é perfeitamente adequada ao” caso “de António de Alcântara Machado com
a nossa cidade, no que ela tem de mais vivo e de mais importante: a sua face
popular. E é esse profundo respeito pelo povo, que trabalha e constrói, o que
faz com que o livro “Brás, Bexiga e Barra Funda”, editado pela Imprensa Oficial
do Estado neste mês de dezembro de 83, seja, certamente uma das mais sagradas
reportagens sobre São Paulo.
Na edição do próprio escritor, “Brás, Bexiga e Barra Funda” não nasceu
livro: nasceu jornal. Diz ele em seu “Artigo de Fundo”: estes contos não
nasceram contos: nasceram notícias. Foi com esta disposição – ouvir, ver,
reportar, fazer jornalismo, enfim – que esse moço, de uma aristocrática família
paulistana, saiu às ruas, nos anos 20, e ergueu um dos clássicos da moderna
literatura brasileira.
Já se disse também que António de Alcântara Machado não foi um escritor
modernista. Que é, antes de tudo, um escritor moderno. De fato, a impressão se
confirma na leitura de sua curta – e brilhante – obra literária.
À parte as frases rápidas, as expressões limpas do tom pedante que
caracterizou a literatura pré-modernista e os quadros precisos,
cinematográficos (e o cinema é um bom símbolo do nosso século), os personagens
de António de Alcântara Machado são atuais, de alguma forma. Afinal, quem, com
poucas modificações, nunca viu Gaetaninho correr pelas ruas? Quem nunca
assistiu a um flert na rua São Bento, como o de Carmela? Quem nunca entrou em
algum armazém “Progresso de São Paulo”?
Essa gente dos contos de Alcântara Machado, tão real, tão barulhenta,
ainda anda por aqui e foi quem levantou e mantém em alta velocidade a enorme
metrópole. Essa gente é o cerne da cidade, e sua própria memória. (...)”.
(Dantas, Audálio. Superintendente da Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo – 1983. In: Apresentação – Edição fac-similar de Brás, Bexiga e
Barra Funda – Notícias de São Paulo, de António de Alcântara Machado, editado
pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – IMESP).
De Alceu
Amoro Lima (Tristão de Ataíde):
“Foi dos que passaram, pela nossa geração, com um meteoro. Mas deixando
um rastro realmente luminoso. Quando morreu, com trinta e poucos anos, já
deixara marca moderna e me lembro de que, respondendo a um inquérito, na época,
sobre o melhor prosador modernista, respondi: António de Alcântara Macha”.
(cf.
Companheiros de Viagem, Rio de Janeiro, José Olympio, 1971, p.60).
De Paulo
Setúbal:
“Os modernista não paravam de criticar os “escritores acadêmicos”.
Tinham de fazer isto, era também a função deles. Mário de Andrade, Oswald de
Andrade e Antônio de Alcântara Machado, modernistas de grande talento,
espalhavam cada vez mais as suas irreverências contra os “passadistas”, os
cultores de uma “estética morta”. (...)”. [p. 250];
“(...). Oswald [de Andrade] investiu,
de modo quase irracional, contra o Graça Aranha, o Tristão de Athayde, o
Antônio de Alcântara Machado, o Mário de Andrade, o Cassiano Ricardo, o Cândido
Mota Filho, o Menotti Del Picchia, o Guilherme de Almeida, o Yan de Almeida
Prado. (...)”. [p. 277];
“Antônio de Alcântara Machado, autor do saboroso Brás, bexiga e Barra Funda, não aceitava as picuinhas do Oswald de
Andrade. Este, no seu entender, rompera “com os “companheiros da véspera sem
razão plausível alguma, numa fuzilaria de ódio, inveja e perversidade”.
Chamando Oswald de “ateu antropófago”, o filho do professor Alcântara Machado
afirmou que “a falta absoluta de caráter” o distinguia. Falta há muito tempo
conhecida em São Paulo, porém disfarçada, na linguagem dos amigos do ofensor,
sob o nome de criancice, de infantilidade, etc, etc. (...)”. [Carta de Antônio de Alcântara
Machado enviada a Alceu Amoroso Lima, no dia 15 de maio de 1930 - p. 278].
(Jorge, Fernando. Vida, Obra e Época de Paulo Setúbal – Um
Homem de Alma Ardente. Geração Editorial, Belo Horizonte, 2ª ed. 2008, pp.
250, 277 e 278).
De José Aderaldo Castello:
“(...). //Ao lado de Oswald de Andrade, naturalmente apenas como
linguagem e inovação, embora também voltado para o imigrante e sociedade
paulista tradicional, se coloca Antônio de Alcântara Machado. Estreou em 1926
com Pathé-Baby, livro de impressões
de viagens pela Europa, cuja linguagem reconfirma, mais certamente sob o cunho
de um estilo definido e próprio, as inovações introduzidas três anos antes de Memórias de João Miramar. Antidescritivo,
sobretudo antidiscursivo, seu traça característico é o flagrante de situações e
tipos, em tomadas de documentário cinematográfico, compondo quadros como se
fossem instantâneos fotográficos, às vezes caricaturescamente, às vezes
liricamente, sempre revestidos de bom humor. Apreende pelas exterioridades
traços psicológicos daquelas situações e tipos, turistas, levando em conta
origens de cada um e peculiaridades da paisagem cultural, ele também no papel
de focalizador. Talvez no gênero seja a nossa primeira obra de indiscutível
feitura literária – composição híbrida de memória e crônica, despida de
intelectualismo e erudição e de acumulações informativas. E se o
jornalista-cronista fica passo a passo com a experiência formal de Pathé-Baby, o certo é que este livro já
nos dá as dimensões da linguagem dos seus contos: Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja
da China. (...)”.
(Castello, José
Aderaldo. A Literatura Brasileira:
Origens e Unidade (1500-1960). Edusp, São Paulo, 1ª ed., 2004, pp.
191/192).
De
Sérgio Milliet:
“Sabia escrever para jornal e, o oque é mais raro, sabia ler o jornal.
Caçava o importante, o pitoresco, com grande sagacidade. E aquilo que ninguém
vira, êle o achava mesmo se estivesse perdido na parte ineditorial. ‘Leio desde
os telegramas até os anúncios, passando pelas secções livres’, dizia. E lia de
fato. Quantas vêzes nos espantávamos. Ia buscar um recorte guardado e voltava
triunfante: Viram esta maravilha? Era um trecho de reportagem ou uma declaração
de secção livre cujo estilo o interessara. – Mas onde vai você descobrir essas
coisas, perguntávamos. – Ora, vocês não sabem ler jornais. Estava no Estado”.
(Machado, Luís Toledo. António de Alcântara Machado e o Modernismo. Livraria José Olympio
Editora, Rio de Janeiro, 1970, p. 76).
Do Sérgio Milliet – Diário Crítico II:
“(...).//Em
S. Paulo, Antonio de Alcantara Machado, Mario Neme os mais característicos,
ostentam uma observação divertida e critica, da vida da grande cidade
cosmopolita.
São pitorescos francamente, e apaixonados de exotismo. Desde o exotismo
da linguagem até o exotismo da psicologia. Aos heróis trágicos, valente ou
sofredores, opõem os heróis cómicos, ridículos. Ao romantismo, ao
impressionismo, ao intimismo, opõem o realismo, o naturalismo. Mas sem
violências nem deformações sarcásticas. Antes com uma bonomia sentimental, com
uma compreensão fraterna das fraquezas e dos vícios. É que na cidade o pecado
assume ares menos melodramáticos. Repercute pouco na sociedade; sua interação é
de ordem secundária. As reações que provoca se atenuam na teia de mil e uma
reações e de mil e um tipos diversos.
As safadezes dos italininho do Braz não chegam siquer às ruas do
Triângulo. Morrem no caminho, entre desastres de automovel e derrocadas
financeiras. Já o desvio da solteirona mineira ressôa soturnamente por todas as
ruas da cidade pacata; arromba as portas, entra pelas janelas, perturba o sono
das virgens e a solidão dos mancebos. Como o gesto heroico do gaúcho se amplia
arrolando como um éco pelas cochilas e reluzindo ao sol limpo dos horizontes.
Estas reflexões me vêm à re-leitura, após muitos anos, dos contos de
Alcântara Machado aqui na minha mesa lado a lado com Eis a Noite de Joãos Alfonsus. Censurou-se a Alcântara Machado
certa deshumanidade, certa incapacidade de comungar com seus heróis na tragédia
cotidiana. Nada mais injusto. O que não falta ao autor de Laranja da China é exatamente o dom da simpatia pelas suas
personagens. Só que o paulista tem o pudor exagerado e uma noção muito precisa
da relatividade do bem e do mal.
Seu prefácio a Braz, Bexiga e Barra
Funda é sintomático; “...tenta fixar tão somente alguns aspectos da vida
trabalhadeira, íntima e cotidiana desses novos mestiços nacionais e
nacionalistas. É um jornal, mais nada. Notícia. Só... Principalmente não
aprofunda. Em suas colunas não encontra uma única linha de doutrina. Tudo são
fatos diversos. Acontecimentos de crônica urbana. Episódios de rua. O aspecto
étnico-social dessa novíssima raça de gigantes encontrará amanhã o seu
historiador”...
Todo nesse prefácio é pudor. É recusa a dar importância às próprias observações.
É modéstia mas é também orgulho. Não vaidade vulgar; orgulho.
Quanto à sua participação, é ela mais de um pai, de um irmão mais velho,
enternecido com as traquinagens do filho, ou do irmão, que a de um companheiro
político, revoltado, reformador social ou simples romancista à procura do
grande tema. É a bondade que o faz rir. E ri com prazer e não por chacota. E ri
aprovando e não censurando. Não distribue prêmios de virtude ou anátemas
virulentos; comprende.
(Milliet, Sérgio. Diário Crítico de Sérgio Milliet – 1944. V.
II. Introdução de Antonio Cândido. Livraria Martins e Edusp, São Paulo, 2ª ed.,
1981, pp. 152/153).
Do Sérgio Milliet – Diário Crítico IV:
“(...).//A
época é das antologias que põem sob os olhos do leitor uma cultura em pílulas
fácil de engolir embora nem sempre de digerir. Não quero discutir as
conveniências do método. Êle se impôs; é um fato. Há antologias de tudo, dos
mais belos contos, dos melhores poemas de amor, dos mais acatados humoristas,
das frases mais cabeludas, e até das asneiras mais espantosas (Antônio de
Alcântara Machado estava organizando, pouco antes de morrer, uma coletânea dos
melhores anúncios classificados...). (...)”. [p.24];
“(...).//Março 30 – Já se foram tantos! Na roda de nossa geração a Morte
cabra-cega foi ceifando ao acaso. Primeiro Antônio de Alcântara Machado, o mais
vivo e que mais alto ria. Que choque, que desolação! Paramos atônitos,
desnorteados, mas o cotidiano superou a mágoa de cada um de nós e a roda se
reformou, apenas mais estreita porém viva ainda e agressiva. (...)”. [p.73];
(Milliet, Sérgio. Diário Crítico de Sérgio Milliet – 1946. V.
IV. Introdução de Antonio Cândido. Livraria Martins e Edusp, São Paulo, 2ª ed.,
1981, pp. 24 e 73).
FARACO DESTACA A GENIALIDADE
DE ALCÂNTARA MACHADO:
Contos Reunidos - Brás,
Bexiga e Barra Funda, Laranja da China e outros contos, volume da série
"Bom Livro" que reúne, pela primeira vez, todos os contos escritos
por António de Alcântara Machado, é um lançamento da maior importância.
Certa vez, o escritor Jorge Amado afirmou que
"mais do que qualquer outro, António de Alcântara Machado retratou São
Paulo". De fato, a criação literária do autor paulistano de vida tão curta
- 1901-1935 - está repleta de dicções encontradas nas ruas da megalópole
brasileira.
Para entender melhor o autor e sua obra, o Boletim Ática ouviu o renomado
professor de língua portuguesa Carlos Emílio Faraco, que lançou vários títulos
pela própria Ática, entre os quais Linguagem Nova, para alunos de 5ª a 8ª
séries; Língua e Literatura, em três volumes, destinado ao ensino médio; e
Gramática Nova. Faraco contou, em todas essas obras, com a parceria do também
professor Francisco Moura.
Acompanhe abaixo a entrevista concedida por
Carlos Emílio Franco sobre Antônio de Alcântara Machado:
Boletim Ática: Por que,
entre os gêneros literários aos quais Alcântara Machado se dedicou, o conto é
aquele em que o escritor é mais reconhecido, tanto pela qualidade quanto pela
originalidade de seu trabalho?
Carlos Emílio Faraco: A resposta
já está na pergunta: foi exatamente pela qualidade e pela originalidade, não só
em relação a outros escritores, mas também em relação ao restante de sua
própria obra. No aspecto originalidade, nunca é demais frisar a influência do
repórter sobre o ficcionista. Num contexto em que a linguagem literária tentava
abandonar radicalmente os "adornos", destaca-se a resposta de
Alcântara Machado: elipses, cortes rápidos e incisivos, metonímias, tudo
convergindo para uma linguagem sintética que, àquela altura, só Oswald de
Andrade havia alcançado.
Boletim Ática: Quais
são os grandes méritos e conquistas - literariamente falando - do contista
Alcântara Machado?
Faraco: Ao
incorporar o fragmentarismo intencional do modernismo de primeira hora,
Alcântara Machado estava se aproximando da reportagem jornalística e das
narrativas visuais, especialmente a cinematográfica. Foi nessa linguagem, cuja
modernidade resiste ao tempo, que Alcântara Machado moldou literariamente uma
face de São Paulo das primeiras décadas do século 20, incorporando a
efervescência da cultura local que se mesclava de forma extraordinária com a
cultura trazida pelo imigrante, sobretudo o italiano, agente de uma
"reconstrução" da língua portuguesa que define o sotaque cultural
paulistano.
Boletim Ática: A adesão do
escritor ao Modernismo era, por assim dizer, inevitável, em função da sua
dicção literária?
Faraco: Não só da
sua dicção, mas da própria trajetória de sua vida e de sua profissão.
Boletim Ática: Do
ponto de vista histórico, São Paulo honrou apropriadamente o legado do
escritor, tão voltado para as características paulistas?
Faraco: Depende do
que se entende por "honrar". Há mais de um logradouro paulistano que
lembra Alcântara Machado, por exemplo; há escolas cujo nome homenageia o
escritor; há biblioteca com seu nome... Mas honrar, no meu entender, seria ler
Alcântara Machado, estudar Alcântara Machado nas escolas com alguma
profundidade, mostrar que sua obra, mesmo não sendo um documento, é fonte
obrigatória de consulta também para o historiador, o antropólogo,
o linguista.
Boletim Ática: É importante
que os jovens leiam a obra de António de Alcântara Machado?
Faraco: É
importante, sim, principalmente porque Alcântara Machado mostra para os
próprios paulistanos e, mais radicalmente, para o resto do Brasil, uma cultura
urbana resultante da fusão de valores locais com aqueles trazidos pelo
imigrante. A história da literatura deve a Alcântara Machado a incorporação do
linguajar paulistano à literatura em prosa. Além disso, seus contos provocam no
leitor aquela sensação de "descoberta", fundamental como estímulo à
leitura, especialmente para os jovens. A linguagem literária de Alcântara
Machado é o antídoto perfeito contra a mania brasileira de supervalorizar quem
"fala difícil".
(Fonte de Pesquisa:- www.atica.com.br).
PARA ESTUDAR E ENTENDER:
“BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA –
NOTÍCIAS DE SÃO PAULO”
“Êste livro não nasceu livro:
nasceu jornal. Êstes contos não nasceram contos: nasceram notícias”.
(Machado,
António de Alcântara. Artigo de Fundo –
Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo. Ed. fac-similar.
Imprensa Oficial do Estado – IMESP, São Paulo. 1982, p. 15).
Publicado em 1927, o livro reúne histórias que mostram a vida dos
imigrantes italianos nos bairros operários da cidade de São Paulo nas primeiras
décadas deste século.
Brás, Bexiga e Barra Funda - Notícias de São Paulo é composto por 11
histórias, entre contos e crônicas. A partir de 1961, elas foram sendo
publicadas juntamente com as de Laranja da China, sob o título Novelas
Paulistanas. Na época da primeira edição do volume, em 1927, três dessas
historietas ("Gaetaninho", "Carmela" e "Lisetta")
já haviam sido publicadas no Jornal do Commercio, as duas últimas acompanhadas da
observação: "Para um possível livro de contos: Ítalo Paulistas".
Para lembrar: Assíduo leitor de jornais, Alcântara Machado colhia suas histórias nos
aspectos fugazes do dia-a-dia do paulistano. O autor tinha faro inigualável
para transformar a notícia de um atropelamento ou de um crime passional, o
anúncio de um estabelecimento comercial ou uma simples nota de coluna social em
matéria literária.
1. Os imigrantes italianos em foco
Nos primeiros anos do século XX, a cidade de São Paulo era invadida pelos
"novos mamalucos", "italianinhos", "carcamanos"
em busca de integração e ascensão social. Na década de 1910, eles detinham o
primeiro lugar entre os estrangeiros donos de imóveis na zona urbana, porém
concentravam-se em bairros pobres e industriais, como Brás, Bexiga e Barra Funda.
Esses imigrantes serviram de modelo para o autor escrever o livro.
Já no prefácio da obra, batizado com o nome de "Artigo de
Fundo", Alcântara Machado assinala que o livro é uma tentativa de
"fixar tão-somente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e quotidiana
desses novos mestiços nacionais e nacionalistas. É um jornal. Mais nada.
Notícia. Só". O autor seguia, dessa maneira, os passos de Oswald de
Andrade e Juó Bananere (pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado), pioneiros
da crônica de imigração na imprensa paulistana, que recorreram à paródia como
máscara para veicular opiniões políticas da elite. Em seus textos, escreviam em
um português macarrônico, misturando o português falado pelo caipira e pela
população mestiça e negra com o calabrês, o napolitano e o vêneto (na verdade,
um novo dialeto, inexistente na Itália).
2. O
português italianado
Alcântara Machado dispôs-se a homenagear a italianidade linguística e
comportamental que marcava o dinamismo da cidade em expansão, recriando-a na
linguagem certeira e ligeira das notícias de jornal. Embora elogiasse as
deformações da sintaxe e da prosódia empregadas por Juó Bananere ("aqui
italianização da língua nacional, ali nacionalização da italiana, saborosa
salada ítalo-paulista"), Alcântara Machado não o imita: integra vocábulos
e estruturas frasais da língua italiana ao português coloquial dos personagens,
preservando a brasilidade do narrador. Repare no seguinte fragmento de La
Divina Increnca (1924), de Juó Bananere:
"Conforme aparlê, o Semanigno, aquillo bandito celebro que pregô a
faca na máia, fui prendido, interrogadimo butado incomunicabile inda a
sulitara. Segondaferra o garçeriere fui lá buscá illo pr'a apurtá pr'u
gabinetto di dentificaçò. Pensa che iilo stava lá? Una ova!! Fugi chi né uni
rojò."
O texto acima tem uma linguagem bem diferente do fragmento retirado do
conto "A Sociedade", de Brás, Bexiga e Barra Funda:
"Embatucou. Tinha qualquer cousa. Tirou o charuto da boca, ficou
olhando para a ponta acesa. Deu um balanço no corpo. Decidiu-se.
- Ia dimenticando de dizer. O meu filho fará o gerente da sociedade...
Sob a minha direção, si capisce.
- Sei, sei... O seu filho?
- Si. O Adriano. O doutor... mi pare... mi pare que conhece ele?"
2a. Recursos
gráficos
Além das falas em italiano puro ("Evviva il campionissimo!") e
daquelas em português macarrônico ("Scusi, senhora. Desculpe por favor. A
senhora sabe, essas crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe."), o
autor explora recursos como:
· O uso de palavras em letras maiúsculas sugerindo aumento no volume da
voz: "Da inde-pendência o brado re-TUMBAN-te!"; "Solt'o rojão!
Fiu! Rebent'a bomba! Pum! CORINTHIANS!".
· A separação de sílabas para reproduzir o ritmo do discurso:
"CA-VA-LO!"; "Eu que...ro o ur...so! O ur...so!".
· O uso de parênteses a indicar o berro distante: "(Spegni la luce!
Subito! Mi vuole proprio rovinare questa principessa!)".
2b. Onomatopeias
São especialmente expressivas as onomatopéias: "dlin-dlin"
(sineta de escola), "uiiiiia" (buzina de automóvel),
"prrrii!" (apito de juiz de futebol), "pan!" (cobrança de
pênalti), "turururu - tuiururum!" (a vaia do saxofone). O efeito,
embora ingênuo, casa bem com a evidente intenção de alcançar a máxima síntese
de texto por meio de recursos estilísticos, como a elipse, a justaposição e a
metonímia.
3. Figuras
de discurso
As histórias de Brás, Bexiga e Barra Funda são contadas em terceira
pessoa, ora por um narrador observador, que anota suas impressões a certa
distância (como fotógrafo de situações), ora por um narrador onisciente, que
penetra superficialmente no íntimo dos personagens. Nos dois casos, emprega-se
o discurso direto, com a reprodução literal das falas dos personagens, sem
intermediações, o que assegura o tom coloquial buscado pelo realismo do autor. Anote!
O narrador não privilegia a norma culta: o discurso em tom coloquial,
natural, conciso demonstra a grande contribuição do Modernismo contra a
prolixidade derramada, "bacharelesca", outrora valorizada na
Literatura brasileira.
Alcântara Machado tem perfeita noção do ritmo e do colorido da linguagem oral. Pode-se apreciar sua expressividade de contador de casos nestas passagens do conto "Carmela":
Alcântara Machado tem perfeita noção do ritmo e do colorido da linguagem oral. Pode-se apreciar sua expressividade de contador de casos nestas passagens do conto "Carmela":
"E - raatá - uma cusparada daquelas. [...] Carmela olha primeiro a
ponta do sapato esquerdo, depois a do direito, depois a do esquerdo de novo,
depois a do direito outra vez, levantando e descendo a cinta. [...] No degrau
de cimento ao lado da mulher de Giuseppe Santini torcendo a belezinha do queixo
cospe e cachimba, cachimba e cospe."
No mesmo conto, há trechos em que o narrador onisciente formula o
discurso indireto em frases curtas:
"O caixa d'óculos não se zanga. Nem se atrapalha. É um traquejado.
[...] Depois que os seus olhos cheios de estrabismo e despeito vêem a
lanterninha traseira do Buick desaparecer, Bianca resolve dar um giro pelo
bairro. Imaginando cousas. Roendo as unhas. Nervosíssima."
O narrador vale-se também do discurso indireto livre, modulando sua expressão, ao apropriar-se das frases dos personagens, com entonação própria, obtida do vocabulário e da construção:
O narrador vale-se também do discurso indireto livre, modulando sua expressão, ao apropriar-se das frases dos personagens, com entonação própria, obtida do vocabulário e da construção:
"Percorre logo as gravuras. Umas tetéias. A da capa então é linda
mesmo. No fundo o imponente castelo. [...] E atravessada no cachaço do ginete a
formosa donzela desmaiada entregando ao vento os cabelos cor de carambola. "Anote!
Nas várias figuras de discurso utilizadas, nota-se a brevidade e
fragmentação da linguagem coloquial, inclusive pelo uso do presente do
indicativo: a correspondência entre o tempo da enunciação e o do enunciado faz
com que o leitor perceba os fatos como se eles estivessem ocorrendo no momento
da leitura.
4. Um
passeio por São Paulo
Todas as histórias de Brás, Bexiga e Barra Funda localizam-se no espaço
urbano de São Paulo, particularmente nos bairros que figuram no título da obra,
embora não faltem citações sobre pontos então considerados "nobres"
(avenidas Angélica, Higienópolis, Paulista) ou centrais (rua Barão de
Itapetininga, largo Santa Cecília). Excetuando-se o conto "Lisetta",
todos os demais contêm indicações sobre logradouros, acompanhadas às vezes do
número da casa ou da loja. "Carmela" detém o recorde, acumulando uns
dez nomes do gênero em suas poucas páginas - a personagem passeia e conduz o
leitor num tour pela cidade. Anote! Parece prioritário para Alcântara
Machado sublinhar a contemporaneidade dos textos, tornando-os documentos de
época com a menção freqüente a marcas (goiabada Pesqueira, queijo Palmira,
refrigerante Si-Si, cigarros Bentevi e Sudan Ovais, cervejas Antarctica,
Pretinha e Hamburguesa); músicas ("Fubá", "Caraboo",
"Zé Pereira", "Scugnizza"); periódicos (jornais Fanfulla,
Gazeta; revista A Cigarra); estabelecimentos comerciais (Casa Clark, Salão
Mundial, Casa São Nicolau); clubes (Esmeralda, Paulistano, Sociedade
Benefìcente do Bexiga) etc.
4a. O
progresso metropolitano
O quadro de agitação da metrópole não ficaria completo se não houvesse
referências às máquinas, símbolo do progresso. Afinal, essa era a palavra-chave
na década de 20. Nesse contexto, são especialmente importantes veículos como
bondes, coches, automóveis (identificados pelas marcas - Ford, Buick, Lancia,
Hudson). Eles funcionam como desencadeadores de conflito
("Gaetaninho" e "O Monstro de Rodas"), como elementos
caracterizadores de poder econômico ("A Sociedade" e
"Carmela") ou de espaços ("Lisetta").
No conto "Tiro-de-Guerra nº 35", vários dados se atrelam ao
bonde: a condição econômica do protagonista (cobrador), o espaço da cidade (a
linha do bonde), um dado concreto da cultura popular (a ausência do cobrador no
bonde inspira a seção de fofocas amorosas da revista A Cigarra), o nacionalismo
jacobino (o cobrador deixa o emprego na companhia cujo nome homenageava o
escritor italiano Gabrielle d'Annunzio para trabalhar numa similar que
homenageava Rui Barbosa). Anote! O excesso de referências desse tipo,
útil às intenções documentais, torna-se um dos fatores do anacronismo dos
textos. Pode-se dizer que eles se tornaram crônicas urbanas da fase em que
Alcântara Machado vivia ainda na "adolescência literária", segundo
análise do crítico Sérgio Milliet.
4b. O
ambiente exterior
As descrições espaciais propriamente ditas são raras: cita-se uma
"rua suja de negras e cascas de amendoim"; comenta-se que "as
bananas na porta da QUITANDA TRIPOLI ITALIANA eram de ouro por causa do
sol"; registra-se a imagem dos "bondes formando cordão, apinhados,
com gente no estribo. E gente na coberta. E gente nas plataformas. E gente do
lado da entrevia.". Observe-se o emprego do polissíndeto para reforçar
a ideia de acúmulo de pessoas.
4c. O
ambiente interior
A descrição do ambiente interior é rara e simples. Vê-se no quarto de
Carmela o mesmo tipo de caminha de ferro em que dorme o filho de Dona Bianca e
Natale, no quarto dos pais, enfeitado por uma imagem de "Santo António di
Padova col Gesù Bambino bem no meio da parede amarela." No quarto de
Coronel Juca e de Dona Nequinha, também temos um santo - só que São José, numa
redoma; o luxo de despertador e criado-mudo é prerrogativa dos donos da fazenda
de café. Para lembrar: O autor escreve usando apenas o necessário para
produzir impressões, disseminando os dados do ambiente nas entrelinhas dos
enredos, o que confere às frases um colorido especial, pois evita digressões
discursivas que quebrariam seu ritmo.
5. O tempo
das narrativas e as narrativas no tempo
O tempo cronológico da maioria dos contos é bastante breve, concentrando-se
os fatos em horas, dias ou semanas, em razão dos próprios enredos. Em "O
Monstro de Rodas", o relato não ultrapassa o período compreendido entre o
velório e o enterro de uma criança; em "Corinthians (2) vs. Palestra
(1)", o enredo inicia-se em plena partida de futebol para encerrar-se no
momento das comemorações da torcida vitoriosa. Em "Amor e Sangue",
Nicolino um dia passa por Grazia sem vê-la, no outro a aborda quando "as
fábricas apitavam". Por fim, quando mais uma vez "as fábricas
apitavam", ele a mata com uma punhalada. No conto "Carmela", a
protagonista é convidada, num fim de tarde, para um passeio de carro; no dia
seguinte o realiza, levando junto a amiga Bianca; no domingo posterior, passeia
de novo, dessa vez sem a acompanhante.
5a. Estilo
sintético
Mesmo nos contos que cobrem uma extensão mais ampla da vida dos
personagens (como "Nacionalidade", em que o enriquecimento e o
abrasileiramento de Tranquillo Zampinetti vão da infância até o bacharelado do
filho mais novo), é nítida a busca do autor pela síntese: passa-se de um
momento a outro por meio de saltos que se traduzem graficamente por espaços em
branco entre as partes de cada história. Empregam-se vários recursos para
aparentar simultaneidade.
No conto "A Sociedade", por exemplo, a letra da música cantada
pelo crooner de uma orquestra vem destacada em letras maiúsculas e fragmentada
pelo relato do que ocorre no salão de baile, onde se ouvem trechos de várias
conversas paralelas, ora transcritos em discurso direto, ora entrecortados pela
repetição da referência genérica de que havia "alegria de vozes e
sons". "O Monstro de Rodas" mostra em discurso direto a reza de
uma Ave-Maria entremeada com a descrição de dados paralelos (carrocinhas
derrapam na rua, alguém espia, alguém boceja). O momento mais dramático é
acentuado pelo uso de parênteses para registrar ações simultâneas:
"O caixãozinho cor-de-rosa com listas prateadas (Dona Nunzia gritava) surgiu diante dos olhos assanhados da vizinhança reunida na calçada (a molecada pulava) nas mãos da Aída, da Josefina, da Margarida e da Linda."
"O caixãozinho cor-de-rosa com listas prateadas (Dona Nunzia gritava) surgiu diante dos olhos assanhados da vizinhança reunida na calçada (a molecada pulava) nas mãos da Aída, da Josefina, da Margarida e da Linda."
Como em outros contos, verifica-se também neste o recurso da justaposição
do nome de um personagem e dos dizeres de uma placa, promovendo, assim, uma
associação imediata que dispensa quaisquer esclarecimentos:
"[...] Américo Zamponi (SALÃO PALESTRA ITÁLIA - Engraxa-se na
perfeição a 200 réis)."
Dessa maneira, o autor obtém grande concisão ao substituir a eventual
prolixidade discursiva pelo elemento concreto. Essa visão metonímica confere ao
detalhe o poder de condensar o significado do todo.
6.
Personagens superficiais ou trágicos?
Até mesmo alguns apreciadores das crônicas de Alcântara Machado criticam
a falta de profundidade psicológica dos personagens de Brás, Bexiga e Barra
Funda. Segundo eles, o autor limitou-se à criação de tipos, generalizando-os
superficialmente e que, no fundo, encobririam o preconceito do "paulista
quatrocentão" contra os imigrantes. Uma das críticas é a de que o autor
jamais chegou a conviver com esses imigrantes, ao contrário de Juó Bananere
que, enquanto era estudante da Escola Politécnica de São Paulo, frequentava o
Bom Retiro, reduto de "carcamanos". Essa suposição ganharia
pertinência apenas se fossem desconsideradas as afirmações do autor de que não
se tratava de sátira, de que não pretendia se aprofundar, de que o que desejava
era prestar "uma homenagem à força e às virtudes da nova fornada
mamaluca", "novíssima raça de gigantes".
6a. O
destino dos personagens
Também seria preciso ignorar o destino dos personagens: moças bonitas iludem-se
com sonhos de fortuna ou sucesso (Carmela e Miquelina estão fadadas a escolher
parceiros "da colônia"), crianças morrem (Gaetaninho, a filha de Dona
Nunzia), têm desilusões (Lisetta) ou são forçadas a abrir mão da própria
identidade para obter uma estreita perspectiva de progresso (caso do órfão
Gennarinho - cujo nome mescla o italiano Gennaro com o sufixo diminutivo do
português "inho" -, que deve se tornar Januário para fazer jus à
condição de herdeiro brasileiro).
6b. Os
novos-ricos
Mesmo os novos-ricos devem passar por muito trabalho e arcar com certas
perdas. O Cav. Uff. Melli foi batateiro antes de se tornar a personificação do
capital e padecerá socialmente com sua intransponível inadequação; Tranquillo
Zampinetti começa fazendo barbas e acaba abrindo mão de suas prezadas raízes;
Dona Bianca, enquanto sonha em morar em um palacete na avenida Paulista, passa
horas no comando da cozinha e do bocce e tem um filho com a perna cheia de
feridas. Anote! Verifìca-se que há mais pontos para o drama, os limites
e as dificuldades do que para a esperteza, o arrivismo bem-sucedido e o
otimismo. Os detalhes cômicos não tornam risíveis as figuras dessa galeria:
reforçam o patético das situações e consolam o leitor, ao mesmo tempo em que
ampliam sua empatia.
6c. A
construção dos personagens
Eles são apresentados por meio de retratos muito econômicos. Em geral, a
sua construção é feita a partir de dados inseridos dinamicamente no enredo.
Suas características brotam da fixação instantânea de algum detalhe destacado
num momento de ação, ou seja, decorre de uma alternância entre o contar e o
mostrar: no lugar da adjetivação tradicional, são os fatos e dados concretos
que os caracterizam cinematograficamente. É o que se pode ver nas seguintes
descrições: Gaetaninho é ressaltado por suas sardas:
"Virou o rosto tão feio de sardento, e viu a mãe e viu o
chinelo."
Em Gennarinho, o detalhe do nariz escorrendo retrata a falta de polidez
do personagem, em contraponto aos componentes "chiques" de seu
visual:
"[...] com o nariz escorrendo. Todo chibante. De chapéu vermelho.
Bengalinha na mão."
Na descrição de Nicolino, o leitor capta o estado de alma do protagonista
pela avaliação de outro personagem:
"la indo na manhã. A professora pública estranhou aquele ar tão
triste."
A italianice de Nicolino está concentrada em um movimento típico,
indicador de sentimentos violentos e promessa de vingança:
"Nicolino apertou o fura-bolos entre os dentes."
Detalhes de vestuário assumem a ação para denotar status e comportamento,
como se vê na descrição de Adriano:
"A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino."
Técnica semelhante é utilizada para descrever Teresa Rita:
"Vestido de Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no
terraço."
Na descrição de Carmela, as peças do vestuário e o escandaloso da nudez dão conta da vulgaridade da personagem, ressaltada pela pretensa elegância da combinação de cores:
Na descrição de Carmela, as peças do vestuário e o escandaloso da nudez dão conta da vulgaridade da personagem, ressaltada pela pretensa elegância da combinação de cores:
"O vestido de Carmela coladinho no corpo é de organdi verde. Braços
nus, colo nu, joelho de fora. Sapatinhos verdes. Bago de uva Marengo para os
lábios dos amadores."
O leitor vê Carmela à medida que ela se vê, isto é, participa da
observação do próprio texto.
"Abre a bolsa e espreita o espelhinho quebrado, que reflete a boca
reluzente de carmim primeiro, depois o nariz chumbeva, depois os fiapos de
sobrancelha, por último as bolas de metal branco na ponta das orelhas
descobertas."
A sequência de ações coordenadas informa concretamente o contentamento de
Natale, detido pelo hábito ou pela necessidade de economizar. Graças à
pontuação e ao uso do assíndeto, reproduz-se nas frases o ritmo do que ocorre e
se faz.
"Deu na Dona Bianca um empurrão contente da vida, deu uma volta
sobre os calcanhares, deu um soco na cômoda, saiu e voltou com meio litro de
Chianti Rufino. Parou. Olhou para a garrafa. Hesitou. Saiu de novo. E trouxe
meia Pretinha."
6d. Os
figurantes
Não poderiam faltar nos painéis montados por Alcântara Machado. Embora
possam estar desligados do enredo, são essenciais ao contexto global do livro:
representam a heterogeneidade da população na capital, abarcando, por
estereótipos, proletários italianos e negros em convivência com as famílias
burguesas, pintadas também com cores críticas. Sua presença, muitas vezes,
limita-se à menção de nome e profissão: "Conversando com o Geribello, o sapateiro,
o pai da Genoveva."
Ou então a algum dado valorativo: "O filho do doutor da esquina, que
era muito pândego e comprava cigarros no armazém mandando-os debitar na conta
do pai com outro nome..."
Os figurantes aparecem também por meio da informação sobre sua raça:
"Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra
para gritar:
[...]
Ou ainda por seu nível cultural: "O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos."
Ou ainda por seu nível cultural: "O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos."
7. Humor
elitista ou crítica social?
Embora Alcântara Machado afirme que Brás, Bexiga e Barra Funda não é uma
sátira, há quem veja, por trás da intenção de fixar o ambiente urbano dos
pobres, um elitismo incontornável, como se o autor não pudesse abandonar sua
condição de aristocrata, limitando-se a olhar de fora ou de cima, com uma
simpatia muito próxima do paternalismo. Para lembrar: Não se deve
descartar a constatação de que o efeito cômico obtido por Alcântara Machado,
por meio de uma sutil ironia, ressalta o caráter de documento e crítica social
das histórias, em que o riso mascara e ao mesmo tempo revela uma grande dose de
piedade.
Ressalte-se ainda que a obra é dedicada a Lemmo Lemmi (1884- 1926),
popularizado pelo pseudônimo Voltolino, grande ilustrador e caricaturista
politicamente engajado, que procurava retratar a situação enfrentada pelos
imigrantes no Brasil, mostrando uma realidade bem diferente das informações
oficiais divulgadas pelo governo.
(www.literatura.2x.com.br)
RETALHOS DE TEXTOS
DE ALCÂNTARA MACHADO
A SOCIEDADE
— Filha minha não casa com filho de carcamano!
A esposa do Conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda disse isso e foi
brigar com o italiano das batatas.
Teresa Rita misturou lágrimas com gemidos e entrou no seu quarto batendo
a porta. O Conselheiro José Bonifácio limpou as unhas com o palito, suspirou e
saiu de casa abotoando o fraque.
O esperado grito do Klaxon fechou o livro de Henri Ardel e trouxe Teresa
Rita do escritório para o terraço.
O Lancia passou como quem não quer. Quase parando.
A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino.
Uiiiiia-uiiiiia! Adriano Meli calcou o acelerador. Na primeira esquina
fez a curva. Veio voltando. Passou de novo. Continuou. Mais duzentos metros.
Outra curva. Sempre na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Pouco
antes do número 259-C sabe: uiiiiia-uiiiiia!
— O que você está fazendo aí no terraço, menina?
— Então nem tomar um pouco de ar eu posso mais?
Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pompeando na rua. Vestido de
Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.
— Entre já para dentro ou eu falo com seu pai quando ele chegar!
— Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Deus!
Adriano Melli passou outras vezes ainda. Estranhou. Desapontou. Tocou
para a Avenida Paulista.
Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra
para gritar:
- Dizem que Cristo nasceu em Belém...
Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado furúnculo inflamou o
pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela
vesperal do Paulistano. O namorado ainda mais.
Os pares dançarinos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo
tremelicante. Dentro do círculo palerma de mamãs, moças feitas e moços
enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas
contentes prolongaram o maxixe. O banjo é que ritmava os passos.
— Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade.
— Não!
— Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu.
... mas a história se enganou!
As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios
de farra muito engraçados. O professor da Faculdade de Direito citava Rui
Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone:
turururu-turururum!
— Meu pai quer fazer um negócio com o seu.
— Ah sim?
Cristo nasceu na Bahia, meu bem...
O sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bon mas a destra
espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons.
... e o baiano criou!
— Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão da Teresa para
o filho, você aponte o olho da rua para ele, compreendeu?
— Já sei, mulher, já sei.
(Texto extraído do livro
"Brás, Bexiga e Barra Funda". In: Novelas Paulistanas, José
Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1975, p. 25).
MEDITATIO
MORTIS(*)
Não
quero morrer na Europa. Quero ir morrer no Brasil, na cidade de São Paulo, numa
manhã bem quente. Sobretudo quero morrer de chapéu na cabeça.
Quem
morre de chapéu na cabeça mostra que não tem respeito medroso pela morte. É
camarada dela. O contínuo Serafim costuma dizer com muita admiração na porta do
palácio presidencial: “Este deve ser grosso, entra de chapéu na cabeça”. Os que
subindo a escada já vão tirando o chapéu esses são pedintes, são subalternos,
vão ser desiludidos ou humilhados.
Eu
não. Eu na manhã bem quente me aprontarei, sairei de casa andando firme,
desejarei bom dia aos conhecidos da rua Ana Cintra, entrarei no largo de Santa
Cecília e em frente da igreja, no meio do largo, subirei no refúgio me
encostando no lampeão esgalhado. Nos braços do lampeão verde eu serei amparado
quando chegar o momento. Como já disse: subirei no refúgio. Trinta centímetros
sobre o nível dos paralelepípedos. Ferem nesse instante trinta centímetros
serão uma altura vertiginosa. Eu me sentirei no alto, mas muito no alto. São
Paulo então não abandonará seu filho. Com cheiro de gasolina, com fumaça
fábrica, com barulho de bondes, com barulho de carros, carroças e automóveis,
com barulho de vozes, com cheiro de gente, com latidos, cantos, pipilos e
assobios, com barulho de fonógrafo, com barulho de rádio, campainhas,
buzinadas, com cheiro de feiras, com cheiro de quitandas, todos os cheiros e
também barulhos da vida, São Paulo encherá o silêncio da morte.
Porque
não se deve esperar a morte deitado na cama, de cara amarela, de olhos fechados,
entre remédios e lágrimas. Não é visita de médico. A morte não gosta da morte.
A morte só gosta da vida. A morte chega no momento justo em que o homem vai
perder a vida para não deixar o homem morrer: para dar vida eterna para ele. A
morte é que imortaliza. Ela salva o homem que o mundo quer matar. Livra o homem
do mundo.
Isso
é insincero. Eu quero bem o mundo. Ferem quero mais a morte porque eu não
conheço nada dela e por isso posso esperar tudo dela.
Quero
passar de um amor menor para um amor maior e sou humano enfeitando o que virá
com bobagens lugares-comuns. E não há maneira de caminhar sem dar as costas ao
que se deixa. A lembrança do passado não existe porque passado lembrado é
passado presente. Não é passado. Logo e em rigor este não existe.
Lembrado
é presente e se liga ao futuro. Esquecido não é nada. Dos inumeráveis que eu
fui sucessiva e simultaneamente cousa nenhuma resta. No único que eu sou agora
(formado por eles) eles desapareceram. E eu sou a fusão depurada de todos para
durar na morte, entrar e permanecer uno na morte.
A
gente cai na vida que nem semente na sementeira: para ganhar forma.
Desenvolvida
é transportada. Vai florir em outro lugar. Por isso é que se põem flores nos
caixões e nos túmulos. É uma precaução piedosa: poderão servir para o defunto
se os botões dele não vingarem. Casaca emprestada para o amigo figurar no
baile. Dizem para o defunto: “Em todo o caso leve estas para a garantia”.
Para
o amigo figurar no baile. Baile mesmo. Há um momento em que o homem enxerga dentro
da morte como o convidado costuma espiar o salão antes de entrar. Ás vezes
espia e não entra: o traje é de rigor. Volta para casa. Vai se preparar melhor.
São os arrependimentos de última hora. Umas palavras, nem isso, um pensamento
desmentindo, corrigindo uma vida inteira porque o homem verificou que não
estava bem preparado para entrar na morte.
Prepara-se
depressa para não perder o baile da morte sem fazer feio nele.
Eu
entrarei de chapéu na cabeça. Direi: “Ó, não sabia que havia festa”. E o meu desembaraço
será tão grande que ninguém atentará na minha deselegância.
António
de Alcântara Machado
(Sereza, Haroldo Ceravolo. Matéria para o Caderno 2 “CULTURA”, de O Estado de S. Paulo, em 25 de fevereiro
de 2001 – Pág. D1 – D4).
(*) O texto acima
foi publicado apenas em 500 exemplares de uma edição de Em Memória de Alcântara Machado, para familiares e amigos, após a
morte do escritor. Essas palavras foram escritas na Europa, quando de sua
última viagem (1929-1930), e achadas entre os papéis que deixou. A ortografia
apresentada no texto é a original do autor. Segundo Djalma Cavalcante (Biógrafo de Alcântara), como a reforma
ortográfica estava em andamento, ele ainda não havia assimilado as novas regras
ortográficas. Por isso, às vezes escreve na forma antiga e às vezes na forma
nova. Esse mesmo texto, com o título “Meditatio
Mortis”, por Luís Toledo Machado, pode ser encontrado em: Machado, Luís
Toledo. António de Alcântara Machado e o
Modernismo – Apêndice II, pp 148/149. Livraria José Olympio Editora, Rio de
Janeiro, 1ª ed. 1970.
NOTAS DIVERSAS:
1) Em 1961: Brás,
Bexiga e Barra Funda, Laranja da China, Mana Maria e contos avulsos, são
reunidos na edição de Novelas Paulistas;
2) Em 1975,
José Mindlin promoveu, em edição fac-similar, as “revistas” que tiveram
participação direta de António de Alcântara Machado: as duas fases da Revista
Antropofagia, chamadas primeira e segunda dentições, com uma introdução de
Augusto Campos. De Terra Roxa..., saiu também uma edição fac-similar,
iniciativa da Livraria Martins Editora, São Paulo, 1977, com introdução de
Cecília de Lara ;
3) Em 1982, o
livro “Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo”, recebeu o
Prêmio Especial de Literatura da Associação Paulista de Críticos de Arte. “Terra
Roxa... e Outras Terras, um periódico Pau Brasil”. (Machado,
António Alcântara. Novelas Paulistas. 1ª ed. rev. E aum. Itatiaia, Belo
Horizonte & Ed. da USP, São Paulo, 1988, p. 22):
4) Em 1983, o
livro foi reeditado;
5) Em 1994, o
livro na Ed. fac-similar de 1982, teve uma reimpressão (10 mil exemplares),
pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – IMESP;
FONTES
PESQUISADAS:
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literatura brasileira. Editora Nova Aguilar – Rio de Janeiro – 1997;
- Vários Autores. Alcântara Machado. Revista Cult nº 47 - julho/2001 - pp. 45 a 61;
- Sites:
(*) As fotos
postadas no bojo do texto com fontes não identificadas foram adquiridas em
busca de imagem na Internet.
- Você pode
fazer o download grátis do livro Brás,
Bexiga e Barra Funda em:
Pesquisa elaborada por Luiz de Almeida - Blog Retalhos do Modernismo.
Última atualização: 29 de abril de 2016
Última atualização: 29 de abril de 2016
Extraordinário este levantamento dos mínimos detalhes da obra e atuação do grande escritor quintessencialmente paulistano.
ResponderExcluirO texto aqui apresentado como MEDITATIO MORTIS foi publicado, sob o título “Quero Morrer no Brasil”, na edição especial da revista O Cruzeiro de 2 de abril de 1938 dedicada a São Paulo, que pode ser acessada na Hemeroteca Digital.
ResponderExcluirLast but not least, veja isto: http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com/2019/04/quero-morrer-no-brasil-de-antonio-de.html
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