sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

ALCÂNTARA MACHADO: O ESCRITOR DE SÃO PAULO

ANTÓNIO ALCÂNTARA MACHADO
O ELO "QUASE" QUE PERDIDO
DO MODERNISMO PAULISTA E BRASILEIRO

António de Alcântara Machado – Foto Reprodução: Ricardo Rocha/CMSP

INTRODUÇÃO:

Pesquisar António de Alcântara Machado não foi trabalho fácil. Comecei a pesquisa, a arregimentação de material e as leituras e releituras dos livros disponíveis, em abril de 2008. Até agora, 2015, inúmeras vezes pensei ter concluído o projeto, a “síntese” cronológica da vida e obra do “escritor de São Paulo” – e tive que reiniciar, reestudar, reler e reler, pois fatos novos medravam a todo momento. E isso me tornava mais afoito em buscar mais, mesmo sabendo das dificuldades de informações precisas, de encontrar portas abertas nas instituições mantenedoras de fontes originais e fidedignas. Como é difícil no Brasil pesquisar literatura, artes plásticas, música e os personagens dessas ciências, por exemplo, não sendo um “ex” estudante da USP, pelo menos aqui no Estado de São Paulo. Se depender do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros)... Esqueça. Bem... Mas existem outros meios e neles me lancei para interatuar.
É sempre conveniente lembrar que no rol dos objetivos do Blog Retalhos do Modernismo estão: divulgar assuntos pertinentes ao evento da Semana de Arte Moderna de 1922, os desmembramentos da primeira fase do Modernismo no Brasil, e sobre os principais Personagens, sejam eles os mecenas, os literatos, os artistas plásticos, os músicos, os adeptos e os contrários, proporcionando facilidade aos estudantes e demais interessados nessas temáticas: conhecerem, estudarem e criarem novas demandas para suas pesquisas. Nada no Retalhos é definitivo, por isso: “retalhos” – sempre haverá brechas para algo mais a acrescentar, corrigir, refazer.
A composição da síntese cronológica e retalhada sobre António Alcântara Machado, que o Retalhos apresenta agora, só foi possível com a utilização dos trabalhos de pesquisas, estudos, estabelecimento de textos, notas, ensaios, etc., fontes imprescindíveis de: Cecília de Lara, Francisco de Assis Barbosa, Luís Toledo Machado, Marcos Antonio de Moraes e Eduardo Benzatti do Carmo, que no bojo do texto poderão conhecer seus predicados e suas contribuições.
Eis, portanto, nossos “retalhos” da vida e obra do amigo querido de Mário de Andrade, que não participou da Semana de Arte Moderna de 1922, mas é um dos mais importantes literatos da primeira fase do Modernismo no Brasil, o “escritor de São Paulo: Alcântara Machado”.
(Luiz de Almeida)

RETALHOS DA CRONOLOGIA BIOGRÁFICA

Observações:
- Na descrição biográfica foi utilizado o “Alcântara” para não repetir o nome completo do escritor;
- Em todas as transcrições dos textos de terceiros foram conservadas a grafia original;

1901 – 25 de maio, nasce na cidade de São Paulo, Rua Barão de Campinas, nº 2: António Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira, filho de José de Alcântara Machado d’Oliveira (1875-1941), advogado, escritor e professor da Faculdade de Direito, vereador, deputado e senador estadual (no período anterior à Revolução de 1930), constituinte em 1933, líder da oposição, senador federal, sócio efetivo da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Letras – e de Maria Emília de Castilho Machado; Bisneto do brigadeiro José Joaquim Machado d’Oliveira (1790-1867), veterano das campanhas do Sul, presidente de cinco províncias, deputado geral, diplomata, historiador e geógrafo; neto de Brasílio Augusto Machado d’Oliveira (1849-1919), jurista, tribuno, professor da Faculdade de Direito de São Paulo, barão da Santa Sé;
Adendo:
Em maio, nasce na cidade de São Paulo, o poeta bissexto Luís Aranha Pereira. Este teria participação efetiva na Semana de Arte Moderna de 22 e na Revista "Klaxon". Autor do livro “Cocktails”, organizado por Nestor Ascher, em 1984; 1901, também marca o nascimento do escritor paraibano José Lins do Rego - em Juiz de Fora (MG), do poeta Murilo Mendes, e no Rio de Janeiro, da poeta Cecília Meireles.

1902 
Adendo: Nasce em Itabira (MG) o poeta Carlos Drummond de Andrade; Euclides da Cunha publica Os Sertões.

1903 
Adendo: 5 de junho, iniciavam-se as obras do futuro palco da Semana de Arte Moderna de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo, um projeto de Ramos de Azevedo.

1906
Adendo: 23 de outubro: primeiro voo em avião por Santos Dumont, em Paris; 15 de novembro: posse do presidente da República, Afonso Pena.

1908  Alcântara frequenta o Colégio Stafford, em São Paulo, onde faz os estudos primários;
Adendo:
29 de setembro: falece Machado de Assis.

1909
Adendo: “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto, é publicado pelo editor M. Teixeira, em Lisboa; Inaugurado o Theatro Municipal do Rio de Janeiro pelo presidente Nilo Peçanha, com capacidade para 1.739 espectadores; 15 de junho: morre o presidente Afonso Pena. Posse de Nilo Peçanha; 15 de agosto: assassinato do escritor Euclides da Cunha; Na capital do Estado de São Paulo, acontece a fundação da Academia Paulista de Letras, a 5 de setembro; Marinetti, lança na Itália, o primeiro Manifesto Futurista; 29 de novembro: Joaquim José de Carvalho funda a Academia Paulista de Letras.

1910

Alcântara menino com a família (em primeiro plano), em Taubaté
(Caderno 2/Cultura – O Estado de S. Paulo, ed. 25/02/2001, p. D4)

Adendo: 9 de junho, nasce em São João da Boa Vista, SP., Patrícia Rehder Galvão, a Pagu.

1911
Adendo: 12 de setembro: inauguração do Teatro Municipal de São Paulo, às 22 horas. O teatro, internamente, foi decorado por Cláudio Rossi (1850-1935) e Oscar Pereira da Silva (1867-1939), oferecia poltronas para 1.800 espectadores - número assombroso para uma população que girava em torno de 400 mil pessoas. A primeira música que se ouviu no Teatro foi a abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, uma imposição da Câmara Municipal de São Paulo; Oswald de Andrade funda a revista “O Pirralho”.

1912 – Alcântara conclui os estudos primários no colégio Stafford, em São Paulo;
Adendo:
Ronald de Carvalho publica seu primeiro livro de poesias, “Luz Gloriosa”.

1913 – Alcântara faz sua primeira viagem à Europa e permanece no internato Haute-Savoie, na Suíça;
Adendo:
Lasar Segall faz sua primeira exposição individual, em São Paulo, inaugurada no dia 2 de março e encerrada a 5 de abril, à Rua São Bento, 85; Menotti Del Picchia publica seu primeiro livro de poemas: “Poemas do Vício e da Virtude”.

1914 – Alcântara ingressa no Colégio São Bento, em São Paulo, faz o Curso secundário e o Pré-Jurídico, onde conclui em 1918;
Adendo:
Anita Malfatti realiza sua primeira exposição em São Paulo após seu retorno da Europa, em maio, à Rua 15 de Novembro, nº 26, primeiro andar da Casa Mappin; Morte do poeta paraibano Augusto dos Anjos; Venceslau Brás elege-se presidente da República; Tem início a Primeira Guerra Mundial; Nasce Francisco de Assis Barbosa (este se transformaria num dos maiores pesquisadores da vida de obra de Alcântara Machado).

1915
Adendo: Cassiano Ricardo publica seu primeiro livro de poesia: “Dentro da Noite”; Lima Barreto publica “Triste Fim de Polycarpo Quaresma” pela ed. Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro;

1916
Adendo: Guilherme de Almeida, em parceria com Oswald de Andrade, publica “Théatre Brésilien” – peças teatrais em francês Mon Coeur Balance (Meu Coração Balança) e Leur Âme (Sua Alma); Altino Arantes assume o governo de São Paulo.

1917
Adendo: Mário de Andrade publica, sob o pseudônimo de Mário Sobral, “Há uma gota de sangue em cada poema”; Menotti Del Picchia Publica “Moisés”, poema bíblico, seu segundo livro. Menotti publica ainda: “Juca Mulato” - financiada por ele, utilizando-se de uma tipografia da cidade de Itapira, com tiragem de 500 exemplares. Menotti também elaborou a capa; Cassiano Ricardo publica: “A Flauta de Pã” (poesia); Guilherme de Almeida publica “Nós” - capa e ilustrações de Correia Dias; Manuel Bandeira publica seu primeiro livro “A Cinza das Horas”, edição do autor, 200 exemplares; Lima Barreto entrega ao editor Jacinto Ribeiro dos Santos, os originais de Os Bruzundangas, que só aparecerá em volume, em dezembro de 1922, um mês após sua morte; Na Rua Libero Badaró, centro de São Paulo, no nº 111, era inaugurada a polêmica exposição de Anita Malfatti, no dia 12 de dezembro. Foi nessa exposição que Anita Malfatti conheceu Mário de Andrade. No dia 20 de dezembro, no O Estado de S. Paulo, Monteiro Lobato escreve o artigo: “Paranóia ou mistificação?”, atacando violentamente a exposição da jovem Malfatti.

1918
Adendo: Lima Barreto remete a Monteiro Lobato os originais do “Vida e Morte de M. J. Gonzada de Sá”; Fim da Primeira Grande Guerra; Morte do presidente Rodrigues Alves, sem tomar posse; 18 de dezembro: morte do poeta Olavo Bilac.

1919 – Alcântara ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo São Francisco;
Adendo:
Dia 22 de fevereiro é posta à venda a 1ª edição do “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá”, de Lima Barreto; Guilherme de Almeida publica “A dança das horas” - capa e ilustrações de Di Cavalcanti e “Messidor” - capa de J. Wasth Rodrigues; Manuel Bandeira publica seu segundo livro: “Carnaval” – edição do autor, apenas 310 exemplares; Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Di Cavalcanti, descobrem o escultor Vitor Brecheret, que havia instalado seu ateliê no Palácio das Indústrias, em São Paulo, em sala cedida pelo engenheiro Ramos de Azevedo; Cecília Meireles aparecia no cenário literário com a publicação de “Espectros”; Ronald de Carvalho publica o livro de poesias “Poemas e Sonetos”; Os operários brasileiros em greve e conquistaram a jornada de 8 horas de trabalho.

1920 – Alcântara inicia-se no jornalismo;
Adendo:
Guilherme de Almeida publicaLivro de horas de Soror Dolorosa” - capa e ilustrações de J. Wasth Rodrigues; Menotti Del Picchia publica “As Máscaras”, com ilustração de Paim, e “Flama e Argila” (romance); Brecheret realiza exposição da primeira maquete do Monumento às Bandeiras, na Casa Byington, em São Paulo; Chegam ao Brasil: John Graz e Haarberg, que participariam da Semana de Arte Moderna de 1922; Oswald de Andrade funda a revista Papel e Tinta” com o poeta Menotti Dell Picchia; A Ford instala sua primeira fábrica de montagem no Brasil; Nesse mesmo ano, foi inaugurada a primeira linha de ônibus urbanos de São Paulo.

1921 – 13 de fevereiro: Alcântara publica seu primeiro artigo no semanário O Norte, em Taubaté, SP, sobre Chabi Pinheiro; 19 de Setembro: publica no Jornal do Comércio, edição paulista, seu primeiro artigo de crítica literária sobre o livro Vultos e Livros, de Artur Mota;
Adendo:
Graça Aranha publica "Estética da Vida”; Ribeiro Couto publica O Jardim das Confidências”, primeiro livro de poesia; Menotti Del Picchia publica “O Pão de Moloch (crônicas) e “Lais” (romance); 9 de janeiro, realizou-se um banquete no Palácio Trianon, São Paulo, para comemorar o lançamento da obra "As Máscaras", de Menotti Del Picchia. Nesse evento, Oswald de Andrade faz um discurso criticando os autores passadistas e exaltando a arte moderna; Morte do poeta mineiro Alphonsus de Gruimaraens.

1922
Adendo: Acontece em São Paulo a “Semana de Arte Moderna”, no Teatro Municipal; Mário de Andrade publica “Paulicéia Desvairada”; Guilherme de Almeida publica “Era uma vez...” - com desenhos de John Graz, edição de propriedade do Autor; Oswald de Andrade publica “Os Condenados”, primeiro volume de A trilogia do exílio, a ser completada pelos tomos A estrela de absinto (1927) e A escada de Jacó (1934); Menotti Del Picchia publica “O Homem e a Morte”, “A Mulher que Pecou” e “A Angústia de D. João”; Em Maio, em São Paulo, começa a circular a “Revista Klaxon”; Em julho acontece o Levante do Forte de Copacabana; Em setembro, dia 7, durante as festividades do Centenário da Independência é realizada a primeira transmissão radiofônica do Brasil; Dia 1º de novembro, às 17 horas, vítima de colapso cardíaco causado pelo uso abusivo de bebida alcoólica, Lima Barreto morre em sua casa, na Rua Mascarenhas, n.º 26, em Todos os Santos, subúrbio do Rio de Janeiro, 48 horas antes do falecimento do seu pai João Henriques de Lima Barreto; René Thiollier publica seu primeiro livro “O Senhor Dom Torres”, e financia para os moços modernistas o aluguel do Teatro Municipal de São Paulo para a realização dos Festivais da Semana de Arte Moderna; Realiza-se no Rio de Janeiro a exposição comemorativa do Primeiro Centenário da Independência; Artur Bernardes assume a presidência da República sobestado de sítio. Ano de fundação do Partido Comunista Brasileiro.

1923 – 10 de janeiro: Alcântara publica a primeira crítica na secção “Theatros e Música”, do Jornal do Comércio – SP.; 4 de abril: Na Faculdade de Direito faz discurso a João Mendes Jr.; Na edição do Jornal do Comércio, 30 de setembro, publica na secção “Só aos Domingos”, artigo sobre o poeta Paulo Eiró, “Paulo Eiró, humorista” (Ver sobre Paulo Eiró no próximo Adendo); Em dezembro: Recebe o diploma de Bacharel em Direito; Foi o orador da turma;
Adendo:
O poeta Paulo Eiró (Paulo Francisco Emílio Salles), nasceu em Santo Amaro (quando ainda município), SP., em 15 de abril de 1836. Faleceu de meningite, aos 36 anos, no Hospital de Alienados, em São Paulo, em 27 de junho de 1871. Também em 1923, no jornal Correio Paulistano, na edição de 1º de junho, Plínio Salgado escreve sobre o poeta Paulo Eiró; Blaise Cendrars chega ao Brasil e é recebido pelos Modernistas; Lançado o livro de Lima Barreto “Bagatelas”; Menotti Del Picchia publica “O Nariz de Cléopatra” (crônicas) e “Dente de Ouro” (romance); Lasar Segall fixa-se em definitivo na cidade de São Paulo.

1924 – Alcântara escreve crítica teatral no Jornal do Comércio onde assume interinamente a função de redator-chefe; 29 de junho: publica na secção Só aos Domingos, do Jornal do Comércio, artigo sobre “Sarah Bernhardt” (atriz); 21 de setembro: também na secção Só aos Domingos, a primeira tentativa de crônica: “Cyrillo”, com ilustração de Ferrignac. Torna-se redator e substituto eventual do redator chefe do jornal; De outubro a dezembro: substitui o diretor do jornal, Sr. Mário Guastini, que se afastou por ocasião da revolução de Isidoro; Em 1º de outubro, escreve matéria a propósito da herma que a Prefeitura do Rio de Janeiro mandou edificar na Ilha do Governador, em homenagem a Lima Barreto; Na edição de 26 de outubro, também na secção Só aos Domingos, publica “Virgens Loucas”; Em dezembro, na edição do dia 10, publica a crítica “Vespeiro”;
Adendo:
Guilherme de Almeida publicaA frauta que eu perdi”; Em prosa, Guilherme publica “Natalika”; Oswald de Andrade publica “Memórias Sentimentais de João Miramar” e publica o Manifesto Pau-Brasil no Correio da Manhã; Manuel Bandeira publica “Poesias (A cinza das horas, Carnaval e Ritmo Dissoluto)”; Menotti Dell Picchia publica “O Crime Daquela Noite” e “Chuva de Pedra”; Revolução Paulista – movimento tenentista contra o governo oligárquico do presidente Artur Bernardes.

1925 – 25 de janeiro: Alcântara publica o conto “Gaetaninho” na secção Só aos Domingos, do Jornal do Comércio – SP., com ilustrações de Ferrignac; A 1º de março, publica o conto “Carmela”, que aparece na mesma secção e também ilustrado, traz no final uma observação, ainda tímida, mas já reveladora dos projetos do autor: (De um possível livro de contos: Ítalo-Paulistas), nota que reaparece um pouco modificada junto ao último conto da série que teve versão em jornal – “Lisetta”, em 8 de março, sem ilustração; Realiza sua segunda viagem à Europa: Lisboa, Paris, Londres, Itália e Espanha. Dessa viagem resultaram as crônicas publicadas em Pathé-Baby;

Alcântara diante da catedral de Notre Dame, Paris
(Da Revista Cult, nº 47, de junho/2001, p. 45)

- Alcântara publica no Jornal do Comércio – SP., episódios de viagem: “Pathé-Baby”, com ilustrações de Paim; Em nota, de 24 de março, o Jornal do Comércio notifica a ida de Alcântara para a Europa:


“Pelo trem das 8 da manhã segue hoje para Santos, onde embarcará no Flandria, com destino à Europa, o nosso prezado companheiro de redação Dr. Antonio de Alcântara Machado. Moço ainda, o distinto colega estreou vitoriosamente na advocacia e na imprensa. Nas colunas desta folha, o jovem confrade tem dado diariamente, provas de seu grande talento e de sua vasta cultura, revelando-se critico de qualidades pouco comuns e escritor de raça. Do Velho Mundo, durante os meses que ali vai passar, Alcântara Machado enviará para esta folha correspondências semanais que constituirão uma delícia para nossos leitores. Ao distinto colega desejamos feliz viagem”.

- Em nota, de 3 de novembro, o Jornal do Comércio notifica a chegada de Alcântara da Europa:

“Depois de oito meses de ausência na Europa, regressou ontem a esta capital, o nosso prezado companheiro de trabalho Dr. Antonio de Alcântara Machado”.
“Em Santos e na Estação da Luz foi recebido por elevado número de amigos”.  
(Lara, Cecília de. Da Realidade Contada à Transposição no Texto Literário Pathè-Baby: Correspondência e Crônicas de Viagem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Nº 26, São Paulo, 1986).

- Com Mário de Andrade, Alcântara colabora para a revista Estética, fundada no Rio de Janeiro por Prudente de Moraes, neto, e Sérgio Buarque de Holanda; Em 31 de dezembro, escreve carta convidando Sérgio Buarque de Holanda a colaborar com a revista “Terra Roxa”:

São Paulo, 31-XII,925

Procure o Prudente (Prudente de Moraes, neto – identificação nossa), Sergio. Logo. Imediatamente. Há novidade. E grossa. Fique sabendo só que, a contar de hoje, você é crítico de prosa de Terra Roxa. E que, até o dia 15 de janeiro, impreterivelmente tem de enviar a primeira crônica. Pegue qualquer livro nacional, moderno, ultimamente produzido. Surre-o, eleve-o. Como quiser. Sem falta. Isso é que é importante.
Ajude o Prudente em tudo. Suplico-lhe. Entenda-se com ele. Você é um homem ocupado. Nem almoçar pode. Mas não faz mal. Auxilie o Prudente.
Mande-me a crônica!
Escreva-me para 72, Sebastião Pereira.
Mande-me a crônica!
Mando-lhe um abraço.
Alcântara
(Koifman, Georgina. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Moraes, neto – 1924/36. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985, p. 173).

(Foto ilustrativa)

- Também em 31 de dezembro, Alcântara escreve carta a Prudente de Moraes, neto:

São Paulo, 31-XII-1925

Boas últimas festas, Prudente. Saiba que, em meados de janeiro de 1926, daremos á luz da inteligência pátria que lê um quinzenário, em formato de jornal, Titulo: “Terra roxa”, Sub-titulo: ...”e outras terras”. Diretores: A. C. Couto de Barros e Antonio de Alcantara Machado. Redator-secretário: Sérgio Milliet. Representante no Rio de Janeiro: Prudente de Moraes, neto.
Aí é que está a surpresa. E o motivo disto. Também, Você tem de aceitar. Queira ou não queira. NÓS queremos.
Bom. Assinatura anual: 12$000. Além disso arranje anúncios de livrarias (20% de porcentagem), trate de colocar desde já o jornal, dê coisas nos jornais, etc.
Tome a sério o negócio. Escreva-me logo, mandando endereços dos nossos cariocas e mineiros. O Sérgio (então... daí... então...) é o crítico literário (de prosa) do Terra Roxa. Você, até o dia 5 ou 6, tem de mandar um conto. Sem falta. Já está marcado o lugar no primeiro número. Concite os povos: Manuel Bandeira, Soares, Arinos, e outros que tais, inclusive Graça-Renato-Ronald. Seriamente. Belisque o Sérgio. Mande o conto. MANDE O CONTO. MANDE O CONTO!
Aceite o honroso encargo de representante. E escreva sempre. Vamos fazer qualquer coisa. Ajude-nos.
São capitalistas da empresa, Paulo Prado, René Torres (agro-doce), A. de A. M., A. C. C. de B., Godofredo Telles e outros. Não diga isso a ninguém. É segredo! Ou como se fosse.
A redação será num 4º andar da Av. São João, nº 96? (não estou bem certo). Escreva-me, por enquanto, para 72, Sebastião Pereira.
Mais uma vez (eu sou ranzinza), solicito sobre a sua boa vontade. Todissima! Veja os anúncios, etc. A colaboração, etc. Os endereços, etc. O Sérgio, etc.
É uma ordem tudo isso. Uma ordem! Sabe porque? Por que chegou a hora de reunir, para a interação no todo literário, todos os valores do Kosmos! É um toque de clarim. Eia! Sus! Avante! Tatarará! Tatarará! Bum! bum! bum! bum! Venha comigo e co nóis, venha lutá e vencê!
Você vem, não é?
Meu abraço pede carta e agradece.

Alcantara
(Koifman, Georgina. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Moraes, neto – 1924/36. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985, pp. 174/175).
Adendo:
Mário de Andrade publica "A Escrava que não é Isaura", enquanto que Guilherme de Almeida viaja ao Recife para divulgar, em conferências, os ideais modernistas. Nesse ano Guilherme de Almeida publica: Meu” - capa de Paim; “A flor que foi um homem (Narciso)” - capa e desenhos de J. Wasth Rodrigues; “Encantamento” - capa de Correia Dias; e “Raça”. Início da corrente “Verde-amarelista”, com Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Oswald de Andrade publica “Pau-brasil”.

1926 – Em 20 de janeiro: Alcântara inicia a publicação na revista modernista Terra Roxa e outras terras, com Paulo Prado, Couto de Barros e outros; Em 5 de fevereiro: Publica em São Paulo, “Pathé-Baby”, prefaciado por Oswald de Andrade e com ilustrações de Paim;

Capa do Pathé Baby com ilustração de Paim (Foto ilustrativa)

- Alcântara colabora na Revista do Brasil, 2ª fase, com resenhas de livros e ensaios sobre questões de teatro brasileiro e estrangeiro; Na edição de 3 de julho, do Jornal do Comércio, publica “Notas de Arte” (Crítica sobre a exposição de Tarsila do Amaral em Paris. Nessa crítica ele assina somente “A”; De 4 de setembro a 27 de outubro: Interrompe a colaboração na secção Theatros e Música do Jornal do Comércio, SP, e passa a elaborar rodapés no mesmo jornal: “Saxofone” – espaço que ocupará todos os sábados até 2 de abril de 1927, e, em 4 de setembro publica “Voltolino”, uma homenagem ao caricaturista falecido recentemente (Ver nota no Adendo); Em 11 de setembro, publica a crônica “Caliope Tropical”; Em 18 de setembro, publica a crônica “Guaranys Viajados”; Em 25 de setembro, publica a crônica “Estética Suburbana”; Em 25 de dezembro, publica a crônica “Conto de Natal”; Publica também artigos e contos no O Jornal do Rio de Janeiro;
Adendo:
Morre o ilustrador “Voltolino” (Lemmo Lemmi). O biógrafo de Alcântara, Djalma Cavalcante, no Dossiê da Revista Cult nº 47, 2001, faz a seguinte descrição a respeito de Voltolino e Alcântara Machado:
“(...).
Um ilustrador que exerceu significativa influência sobre António de Alcântara Machado foi Voltolino (nome artístico de Lemmo Lemmi, paulistano, filho de imigrantes italianos, nascido em 1884 e falecido em 1926). Tal influência era reconhecida consciente por António, ao ponto de a dedicatória do Brás, Bexiga e Barra Funda ter sido dirigida à memória do desenhista e de o primeiro artigo da coluna Saxofone, no Jornal do Comércio de São Paulo de 4 de setembro de 1926 ter tido Voltolino como tema. Vejamos trechos desse artigo:
Para mim o que há de melhor na obra deixada por Voltolino é a fixação do ítalo-paulista. Fixação humorística. Triste também.
Voltolino inspirava-se no ambiente. Daí o seu mérito. Foi o caricaturista deste momento inapreciável que a gente vive.
Lápis desgracioso, o seu. Deselegante como ele só. Por isso mesmo caricaturava melhor os humildes. ... com dois traços apanhava o tipo em flagrante.
O desenho era apressado mas seguro. ...
Sua obra nasceu toda de momento. Suas caricaturas eram sempre provocadas. O assunto surgia sem ser buscado. Assim muito naturalmente: na rua, no noticiário dos jornais, nos acontecimentos do dia. O desenho tinha relação com o instante em que aparecia. Datava sempre um fato. Marcava um tipo ocasional. Comentava. Sublinhava.
... Sob certo aspecto continuou Angelo Agostini. Ele em São Paulo e J. Carlos no Rio ficarão sendo os ilustradores de sua época. ...
Os caricaturistas brasileiros imitando os seus patrícios pintores têm s dedicado quase que exclusivamente à interpretação do negro e do caboclo. ... Voltolino enriqueceu a galeria com mais um tipo: o ítalo-paulista. Criou o Juó Bananere. Ou melhor: a família de Juó Bananere. ...
Eu o via passar todas as noites quase madrugada sozinho, o olhar meio injetado, o passo meio incerto. Hora suja das varredeiras de Limpeza Pública. Hora úmida da garoa. Hora dos automóveis farristas. Hora do guarda noturno de capotão e porrete.
(Horas que Voltolino amava e eu amava nos desenhos dele)
Seu vulto comprido agigantava-se na bruma. Depois era um borrão. Depois nada.
Voltolino influenciou António por dois caminhos: pela maneira como desenhava e através de sua máxima criação, ou seja, Juó Bananere, o personagem pelo qual Alexandre Marcondes Machado parodiava a colônia italiana de São Paulo.
(...).
Lendo a obra jornalística ou ficcional de António de Alcântara Machado, percebemos que, em certa medida, ao falar de Voltolino, está falando de si mesmo. As características e as qualidades que ele aponta para o ilustrador são idênticas às suas. António em São Paulo e João do Rio no Rio de Janeiro foram os cronistas de sua época da mesma forma que Voltolino e J. Carlos o foram na caricatura.
Voltolino nunca desenhou para os escritos de António, mas inspirou-os. (...). Voltolino desenhando propunha todo um discurso verbal. António escrevendo nos propunha um filme subliminar.
Muitos outros ilustradores (por exemplo: Paim, Di Cavalcanti, Ferrignac, Noêmia,  Poty) influenciaram e interagiram com a obra de António de Alcântara Machado. Mas isso é uma outra história. (...)”.
(Cavalcante, Djalma. Dossiê Cult: Alcântara Machado. Revista Cult nº 47, edição de junho/2001, p. 61).

- Mário de Andrade publica “Losango cáqui ou, afetos militares de mistura com os porques de eu saber alemão” e “Primeiro Andar” (contos); Menotti Del Picchia publica “Toda Nua” (contos) e “A Outra Perna do Sacy”; Cassiano Ricardo publica “Vamos caçar papagaios”.

1927 – Em 8 de janeiro, no Jornal do Comércio, Alcântara publica a crônica “Mysterio de Fim de Ano” – agora na secção “Cavaquinho” (Houve troca do nome da seção por um instrumento mais brasileiro); Em 15 de janeiro, publica a crônica “Sólo Romântico”; Em 17 de janeiro: escreve carta para Prudente de Moraes, neto:

“Brás, Bexiga e Barra Funda está prontinho da silva. Por estes dias vai para o prelo. São dez contos ítalo-paulistas”. A 17 de março a obra já estava editada, conforme carta:

“Aí vai, Prudente dos meus pecados, o meu caçula Brás, etc. / Para você e para o Rodrigo (Rodrigo de Melo Franco). / Peço-lhe um favor deste tamanho: dentro de 2 ou 3 dias enviarei a você uma batelada de livros pros críticos, jornais e anexos literatos”.
(Lara, Cecília de. Comentários e Notas à Edição Fac-Similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo, de Antonio de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – IMESP/DAESP, São Paulo, 1983, pp. 13 e 16).  

Capa (Foto ilustrativa)

- Em 22 de janeiro, no Jornal do Comércio, Alcântara publica a crônica “A Ceia dos Não Convidados (Peça Em Um Átimo)”; Colabora nos Diários Associados, em São Paulo, grupo fundado pelo jornalista Assis Chateaubriand; Em 5 de fevereiro, no Jornal do Comércio, publica a crônica “Sólo Genioso Sobre Sólo Genial”; em 19 de fevereiro, publica a crônica “Está na Hora”; Em 26 de fevereiro, publica a crônica “Conto de Carnaval”; Em 5 de março, publica a crônica “Amnesia”; Em 12 de março, publica no Jornal do Comércio, a crônica “Pela Guryzada”, narrando sua predileção na infância pelo semanário infantil “Tico-Tico”, criado em 1905, pelo cartunista Luiz Sá, primeira revista a publicar histórias em quadrinhos no Brasil. Apenas um trecho do “Pela Guryzada”:

“Foi com certeza devorando o Tico-Tico que o pessoalzinho de minha idade tomou gostou pela leitura. Como aconteceu comigo. A gente todas as quartas-feiras apanhava dos irmãos mais velhos e dava nos irmãos mais moços só pela febre de ser o primeiro a saber das novas aventuras da família Zé Macaco. Faustina flor de caju, era nesse tempo a dama dos nossos pensamentos. Porque provocava a nossa alegria.

- Em 19 de março, Alcântara publica a crônica “Solo Calçado”; Em 26 de março, publica a crônica “Indifferença e Cia., IIItda”; e, em 2 de abril, publica a crônica Filiação Impossível”; Colabora com a revista Verde de Cataguases (revista modernista mineira que foi dirigida por Rosário Fusco, Henrique Resende e Martins Mendes); Em 19 de junho, Mário de Andrade faz no jornal A Manhã, uma saudação ao lançamento do livro Brás, Bexiga e Barra Funda, numa crítica intitulada “Alcântara Machado” – reproduzida por Cecília de Lara em comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara Machado, transcrito por Eduardo Benzatti do Carmo, na tese de doutorado, em 2004:

“(...). Alguns dessa geração recente já aparecem no entanto bem livres do vício da tese que desgraçou os modernista. Alcântara Machado é um deles. Faz pouco chuçou a boiada com um Pathé-Baby pontudo, impetuosamente original. Agora com Brás, Bexiga e Barra Funda inda surpreende mais. Se humaniza, o espírito dele passa de reacionário a contemplativo; caçoa pouco e aceita bem. E cria a obra mais igual, mais completa em si que a ficção brasileira produziu de 1920 para cá. Podia dar data mais longe, mas o que interessa aqui é o depois-da-guerra porém”.
(Carmo, Eduardo Benzatti do. A obra ficcional e jornalística do escritor António de Alcântara Machado: letras e Imagens. Tese de doutorado PUC, 2004).

- Na Revista Verde, nº 2, é publicada carta de Couto de Barros a Alcântara:

A PROPOSITO DO "BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA"
S. Paulo, 22 de março de 1927.

   Alcântara:
   Li se livro com immenso prazer. De uma só vez. Um homem está num plano inclinado e, num dado momento, quer deter-se. Não pode. E escorrega até o fim. Seu livro ao plano inclinado.
   Domingo, em casa de Paulo Prado, eu dizia para os da roda que só quem conhece S. Paulo podia compreender integralmente Brás, Bexiga e Barra Funda. Nesse sentido, era uma obra regionalista. Houve protestos. - Não, disse Mario de Andrade. - Não, disse Paulo Prado. Chegou-se mesmo affirmar que era preciso acabar com essa "historia de regionalismo". Si os animos estivessem um pouco mais exaltados e Mr. Bacharach entrasse na discussão, acabava-se concluindo que o regionalismo não existe.
   Não era possivel demonstrar a minha these. Por mais bem educados que sejam os interlocutores, ha sempre tanto barulho e tanta cousa alheia em volta de uma discussão, que ninguem pode distinguir o ponto essencial, que está no meio, como ninguem vê o poste de parada, quando a multidão se acotovela em volta. Entretanto, o poste está lá, visivel: é só levantar a vista para o céo...
   Mas, alli, naquelle terraço em que estavamos reunidos, uma formmiga no corrimão da escada; o suicidio de uma nuvem no céo; a côr do licor: o mercurio do thermometro; a fraze latina na parede; um pouco de estatua e aquella enorme figa preta, que parece um punho de boxeur ameaçador contra o azar, tudo atrapalhava, tudo desviava, tudo perturbava o pensamento. Mas, agora, a você eu faço questão.
   Um livro mathematicamente falando é um X. Para o autor, X tem um valor definido, digamos 100. Só o autor sabe intimamente o livro. Dentro das suas paginas, tudo tem uma significação especial, um valor proprio. É um todo. Para o leitor é differente. Para o leitor, raramente acontece coincidir o valor que elle dá com o valor 100 pre-supposto. Ou não chega a 100, ou ultrapassa. E tanto num, como noutro caso, o livro perde. Anatole France disse que um dia se surprehendeu descobrindo profundidades que nunca existiram não sei mais em que autor grego. Estava "ultrapassando..."
   Essa cousa pode acontgecer mesmo nos livros discriptivos. Todo o mundo "comprehende" uma descripção do Japão, sem nunca ter ido lá, lendo Loti, Lafcadio Hearn ou Horacio Scrosoppi. Entretanto, essa descripção tem muito mais interesse para aquelle que viu. Mas, mesmo para "aquelle que viu", o livro já é differente, em relação á idea que delle faz o proprio autor. Sim, porque foi debaixo de certo estado psychico, sob certa pressão emocional que o actor presenciou certas scenas, annotou certos aspectos, fixou certos typos. E é impossivel transplantar para o espirito do leitor esse ambiente psychologico, que é por assim dizer uma invenção do autor, propriedade sua e que só elle pode usufruir. Sob este ponto de vista, todo livro é hermetico. O regionalismo é uma especie de hermetismo. Hermetismo objectivo.
   Você conhece o caso domestico da receita de doce. A receita está alli escripta direitinha, não falta nada. Mas vá alguem tentar fazer! Doce é magica. Precisa geito. Lêr, o mesmo. As palavras estão alli, o sentido gramatical tambem. mas que dê o outro sentido, o sentido que "vale"?
   Em arte, a questão não está tanto em comprehender, mas em reconhecer. A funcção do reconhecimento é tão importante que, exagerada, deu naquella theoria de "imitação da natureza". William Blake protestou energicamente: "a man puts a model before hhim  and he paints it so neat as to make it a deception. Now I ask any man of sense is that art?
   Todos gostam de reconhecer, porque reconhecer é viver de novo, é bisar a vida, é tornar reversivel o tempo linha recta de Bergson.
   Eu citei o exemplo da receita de doce. Vou citar o do mappa. mappa, criança comprehende. Mas um mappa da cidade de S. Paulo para quem reside aqui tem outra significação. Além do simples valor utilitario, topographico, o mappa torna-se uma cousa rica, cresce por alluvião de ideas e setimentos. Esparrama-se. Innunda, principalmente si o paulista está fora no extrangeiro. Tem a Estação da Luz, tem a rua onde elle mora, tem a casa da namorada. 
   Eu podia em vez de mappa falar em retrato, falar em bandeira, falar em atudo que implique reconhecimento e produza atropelo de reprezentações mentaes. Mas você está farto de saber tudo isso. É ou não é?
   Estou  dizendo todas essas cousas para mostrar que um livro só é comprehendido integralmente quando é "sentido", e só pode ser sentido quando o leitor começa a refazer as experiencias vitaes que constituem a materia prima do livro, quer essas experiencias sejam objectivas (como na descripção), quer subjectivas (como num caso de amor, por exemplo).
   As analyses de Sthendal ou de Proust só interessam quando a gente diz "é isso mesmo" ou "tal e qual". Ora, "isso mesmo" ou "tal e qual". Ora, "isso mesmo" ou "tal e qual" que é senão o proprio "reconhecimento"?
   Quanto ao Brás, Bexiga e Barra Funda (como você gosta dos bês, seu Alcântara, desde o Path-Baby!), eu digo que aquelle que não conhece S. Paulo, como nós conhecemos, não pode gostar delle como nós gostamos. Um estranho estará muito longe daquelle valor 100 convencional. Seu livro exije, pelo menos nos contos mais caracteristicos, como Gaetaninho, Carmela, Liseffa, O Mostro, (...) etc., uma bagagem de conhecimentos empiricos sobre o nosso meio, usos e costumes para poder ser apreciado. Quem não tiver essa bagagem não passa. Fica nos "humbraes" do livro. Poderá apreciar as Nota biographicas do novo deputado, mas nunca poderá penetrar o valaor de um conto como os acima citados. É que falta a esse leitor a "funcção do reconhecimento". Será para sempre um livro secco. Dry. Extra-dry, como você. Depois, ha muito dialogo no Brás, Bexiga e Barra Funda, o que agrava o seu hermetismo.
   Si fizessem um concurso entre os escriptores nacionaes e propuzessem como thema os enredos dos seus contos, você ganharia o premio. Ganharia longe. 
   Agora, escute. Lembra-se do jogo do "diavolo"?
   É preciso saber imprimir uma certa velocidade ao carretel, para que elle, atirado ao ar, volte direitinho ao barbante que o equilebra. Sem essa velocidade, não vae. Ora, muitos livros não "vão" por falta dessa velocidade espiritual, por parte do leitor. Falta-lhe a experiencia objectiva ou subjectiva e, faltando isso, falta tudo. Você pode contar a mais bella historia de amor a um homem que nunca soffreu casos amorosos, e elle chamará você de bobo. Com toda a razão.
                                                        
                                                              A.  C.  COUTO DE BARROS.
(Verde - Revista de Arte e Cultura, nº 2 - pp.12-13, Outubro 1927. Director: Henrique de Resende; Redatores: Martins Mendes e Rosario Fusco. Cataguases, Minas Gerais).

- Na Revista Verde, nº 3, Rosario Fusco e Ascanio Lopes, rebatem a carta de Couto de Barros (acima descrita) na seção "Bilhetes":

PRO ANTÓNIO DE ALCANTARA MACHADO - SÃO PAULO

   Depois de ter lido a carta do Couto pra você - Alcântara - resolvi reler bem devagarinho o BRÁS BEXIGA E BARRA FUNDA. Como v. deve saber, pois já lhe escrevi a esse respeito, não gostei nada de certas coisinhas daquela carta.
   O que notei no BRÁS BEXIGA - e que tambem o Couto devia ter notado - é a baita "visão cinematografica" de que v. é dono, uma baita falta de movimento. Estou pra dizer até que os seus contos são "cinéticos".
   Você é deshumano quasi. Sua senvibilidade é fortissima, sem duvida, mas v. não se preocupa e acho mesmo que nem se incomoda de transmitil-a.
   O seu "caso" é narrado tal como foi. É documento. V. abandona aqueles detalhes liricos todos que só servem pra aporrinhar. Não é isso? - Pois é.
   A gente "sente" o seu conto. Mas porêm não sente o contacto de sua sensibilidade que declancharia (1) um bruto lirismo no leitor. E essa, talvez, seja a sua maior virtude. Ou o seu maior defeito. V. comove sem artificialismo.
   Se Ribeiro Couto - por ezemplo, que é sem duvida o nosso Casimiro de Abreu, o poeta POETA, o homem mais sentimental que conheço, pois bem - se Ribeiro Couto contasse aquela historia do GAETANINHO você até chorava! Aposto. Com v. o caso é diferente. Você vai cantando. Quem quiser que se comôva... Você não tem nada com isso!
   Bem. cheguei onde eu queria chegar. Estaí o miôlo do meu bilhête. Coisa atôa. Mas a coisa mais interessante que encontrei em sua obra.
   É isso o que Couto de Barros deveria ter frisado bem - num estudinho tão bonito como aquele. Isso é o que ha de mais importante na "separação" de sua personalidade.
   Carmela e Liseta - puxa! são as coisas mais bonitas que eu já li na minha vida. Estas sim. São comoventes de fato. Não pelo sentimentalismo lirico repito! - que v. tem não parecer ter (basta dizer que v. não é fazedor de versos) mas pela escandalosa simplicidade espontanéa que bróta do seu geito de contar.
   E v. é isso tudo - Alcântara - bom e máu, humano e deshumano, discutido e pastichado - porquê v. é UNICO!
   No mundo não ha outro Alcântara Machado. Não ha um sujeito que escrêva como você.
   Juro que não ha!
   Espera lá, estou pregando mentira: tem o Mario... 

                                                                               ROSARIO FUSCO.

   Lembrânças ao Couto, Yan e Milliet. 
   Um abraço do tamanho dum bonde - no Mario, por minha conta.

  (...).
  (1) Perdão Mário...


PARA COUTO DE BARROS - SÃO PAULO

    V. disse na "Verde" que só quem conhece S. Paulo compreenderia integralmente Bras, Bexiga e Barra Funda. Demonstrou isso com theorema e receita de doce.
    Mas me parece que v. está enganado.
   Ninguem percebeu ainda hermetismo no livro tão claro do Alcantara. Este é puramente um sujeito de scenas seguidas gostosas. Nenhuma aprecisação. Nenhuma sensibilidade. Aquillo que o Alcantara escreveu sobre a roupa vermelha do italianinho dava um poema pra chora de Ribeiro Couto; mas por elle a gente gosta, apenas; ninguem fica penalizado. O livro do Alcantara é uma fita sem letreiros e sem apreciações de propaganda da vida paulista: scenas! Ora, para entender uma fita desse geito, não é preciso nem ter visto S. Paulo. A gente fica é conhecendo S. Paulo atravez do livro do Alcantara. É ou não é?
    Entretando, quem sabe se o livro tem mesmo o tal valor 100 de que fala v.?
    Eu então fiquei no 1. Mas, mesmo assim gostei immenso. Calcula si eu não tivesse ficado na unidade, cá na superficie.

                                                                         ASCANIO LOPES.       
(Verde - Revista de Arte e Cultura, 3 - p.19, Novembro 1927. Director: Henrique de Resende; Redatores: Martins Mendes e Rosario Fusco. Cataguases, Minas Gerais).           

Adendo:
Mário de Andrade publica Publicação de “Amar, verbo intransitivo, idílio” – “Clã do jabuti” - poesia; Menotti Del Picchia publica “Poemas de Amor”, “Por Amor ao Brasil” (discursos parlamentares), e, em colaboração com Cassiano Ricardo e Plínio Salgado, publica “O Curupira e o Carão”; Início da Corrente da Anta com os verde-amarelistas: Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e Guilherme de Almeida; Oswald de Andrade publica: A Estrela do Absinto”, segundo volume da Trilogia do Exílio e “Primeiro Caderno do Aluno de Poesia”; Na cidade de Bauru – SP, dia 24 de novembro, falece o poeta Rodrigues de Abreu, nascido em 1897.

1928 – Alcântara está junto com Oswald de Andrade na fundação da Revista de Antropofagia; Juntamente com Raul Bopp foi o diretor dessa revista no período de maio de 1928 a fevereiro de 1929; Publica o segundo livro de contos: “Laranja da China”;

Capa de Laranja da China (Foto ilustrativa)

- Em 14 de abril: Alcântara inicia colaboração no Diário Nacional com estudos sobre H. Ibsen; Encarrega-se, em seguida, da secção Caixa, de crítica teatral, até o ano seguinte, sendo a crítica “Mal Sem Remédio” a última que fora localizada – Usa o pseudônimo de J. J. de Sá; Em maio: Aparece a Revista de Antropofagia, que dirige com Raul Boop, na qual colabora com artigos e resenhas; Continua colaborando com a revista Verde de Cataguases, da qual se torna um incentivador; Em 3 de Julho, Stiunirio Gama, pseudônimo de Mário Guastini, escreveu no Jornal do Comércio, em sua seção “Focalizando”, sobre Laranja da China a seguinte crítica - reproduzida por Cecília de Lara em comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara Machado, transcrito por Eduardo Benzatti do Carmo, na tese de doutorado, em 2004:

“(...) Não me seria, pois, lícito, silenciar sobre Laranja da China, que acaba de sair elegantemente impresso. Pois este livro confirma os sucessos anteriores. O autor mantém o mesmo equilíbrio. Não se deixou empolgar pelo acolhimento amável dispensado aos dois primeiros. Reapareceu igual. Não repousou sobre glórias. É o observador irônico a apresentar tipos maravilhosamente estudados. Sem exageros e sem originalidade chocantes. Antonio de Alcântara Machado é, acima de tudo, um pintor. Apanha o traço predominante do indivíduo, desenhando-lhe depois a figura. A figura física e mental.
(Carmo, Eduardo Benzatti do. A obra ficcional e jornalística do escritor António de Alcântara Machado: letras e Imagens. Tese de doutorado PUC, 2004).

- Em Julho de 1928: Carta de Manuel Bandeira demonstra a relação que os dois poetas mantinham. Após o terceiro número da Revista de Antropofagia, a referida carta de Bandeira para Alcântara:

“Convite aos antropófagos” funciona como alerta pra os diretores e participantes da publicação que “não estão cumprindo bem os seus deveres de antropófagos”. Na verdade o texto põe a nu, com humor, a fenda entre o projeto artístico da revista e a sua realização. (...). Incita, então, a imediata “deglutição” do crítico, sem contudo deixar de advertir: “verdade que a carne é dura”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 395, nota 66, 2001);

- 24 de junho, Manuel Bandeira escreve carta para Mário de Andrade, mencionando Alcântara:

“(...).
//O Alcântara parece que sente nesse particular com você. Com ele me sucedeu uma coisa desagradável. Me mandou Laranja com esta dedicatória “Não esprema que não sai sumo”. Gostei muito, achei que tinha muito sumo e disse a ele na carta em que agradeci. Mas ajuntei que era aplicada a outro meio a mesma técnica de Brás, Bexiga e que o que eu estou esperando com viva curiosidade era o romance do Capitão Bernini. Alcântara me respondeu todo triste, dizendo que foi uma decepção! Que tinha trabalho muito para se libertar de Laranja, como em Laranja trabalhara para se libertar de Phaté-Baby; que pensava ter feito coisa diferente. Fique incomodado de haver causado essa pena ao Alcântara. Conto isso a você porque lhe pode ser útil se você tiver que criticar o livro. Note-se que eu diria sempre a ele a minha impressão se ela resultasse de uma leitura crítica (que não foi a minha): deve-se sempre a verdade a quem trabalha de boa fé e de boa vontade. Mas diria de outro modo. Na mesma carta ele me pedia um poema para a Revista. Eu não pretendia aparecer mais na Antropofagia, mas o sucedido me fez enviar imediatamente um poema em prosa que fiz ultimamente e do qual gosto bastante. (...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 397, 2001);

- 29 de setembro: Outra carta de Bandeira para Mário de Andrade, mencionando Alcântara:

“(...).
//Quando você estiver com o Alcântara pergunte-lhe se recebeu o meu “Noturno da rua da Lapa”. Ele me pediu o poema para o nº de agosto de Antropofagia. O poema não saiu nem ele acusou recebimento. (...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 404, 2001);

- Ainda em 1928, a monografia Anchieta na Capitania de São Vicente, de Alcântara, recebeu o prêmio da Sociedade Capistrano de Abreu. O estudo foi publicado em 1929; Alcântara colabora, juntamente com Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Paulo Prado, Ronald de Carvalho e outros, no número comemorativo de O Jornal dedicado a Minas Cerais; Junho: Alcântara, em carta a Prudente de Moraes, neto, menciona de maneira lúdica o nome da escritora paranaense Didi Caillet de Leão (1912), autora de Taú (1932) e Reviver (1933):

“Por Didi Caillet e outras deusas com nome de chocolate, onde o silêncio?”. (...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 439, Nota 1, 2001);

- Na Revista de Antropofagia, ano I, número 8, dezembro de 1928, a propósito de Ensaio sobre a música brasileira, de Mário de Andrade, Alcântara escreveu a seguinte crítica:

“E Mario de Andrade escreveu outro indispensável livro. Chego até o superlativo: notabilíssimo.
Há livros ruins como cobra porém indispensáveis. Aqueles em que o autor sabe colher mas não sabe comentar. O que é dos outros é bom. O que é dele não presta.
Mario de Andrade com um método e uma paciência fora do comum andou pegando na cidade e no mato os motivos raciais da música brasileira. São mais de cem melodias populares, música e canto. Do jeito que ele fez, ninguém entre nós fez ainda. É uma exposição (como ele chama) muito ordenada e muito clara. Tudo catalogado, fácil de achar e discutido com sabedoria.
Livro indispensável portanto e notabilíssimo. Notabilíssimo graças em grande parte à introdução onde Mario descorre sobre os problemas essenciais e atuais da música brasileira. É uma cartilha que devia ser adotada nos conservatórios.
Eu digo cartilha mas de fato é tratado. Há mesmo umas afirmações de Mario que transbordam da matéria do livro e merecem meditação na literatura e no mais. Infelizmente o espaço aqui não chega.
Em todo o caso eu sempre quero dizer que Mario não faz só literatura de ação como ele diz. Toda a literatura dele é de ação não tem dúvida. Mas não só de ação. Às vezes o artista puro aparece sem querer. O que em geral é raro mas sempre bom.
A.
de A. M.”
(Koifman, Georgina. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Moraes, neto – 1924/36. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985, pp. 286/287).

- Em dezembro: Alcântara colabora na revista Movimento, com ensaio de Teatro;
Adendo:
Mário de Andrade publica “Macunaíma - herói sem nenhum caráter”, 800 exemplares e vende pelo preço de: 7 mil-réis, livro lançado em 26 de julho. Publica também “Ensaio sobre a música brasileira”; Paulo Prado publica “Retrato do Brasil”; Cassiano Ricardo publica "Martin-Cererê"; Menotti Del Picchia publica "República dos Estados Unidos do Brasil" e “O Momento Literário Brasileiro; José Américo de Almeida publica "A Bagaceira".

1929 – 24 de Fevereiro: Alcântara inicia colaboração nos Diários Associados a convide de Rodrigo Melo Franco de Andrade; Recebe o prêmio pela monografia “Anchieta na Capitania de S. Vicente”, conferido pela Sociedade Capistrano de Abreu, no Rio de Janeiro; Publica o conto “Guerra Civil”, No Diário de S. Paulo, em 2 de junho e no O Jornal, em 9 de julho; 12 de agosto: Bandeira escreve carta a Mário de Andrade mencionando Alcântara:

“(...).
//E o Alcântara que nos prometeu voltar logo com você e até hoje? Desistiram?
//(...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 431, 2001);

- Em 19 de Agosto, Mário de Andrade escreve carta respondendo o questionamento de Bandeira na carta de 12 de Agosto:

“(...). Alcântara irá para o Rio assim que puder. Depende só da chegada dum companheiro de escritório. Aliás, está louco pra ir não só porque achou mesmo entre vocês o meio dele como por causa do momento político que parece está dando aí nas Câmaras coisas muito pra divertir. Aliás, mesmo aqui ele tem se divertido enormemente, não perde comício, e peça pra ele contar tudo o que tem colhido e você verá que maravilhas de cômico. (...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 432, 2001);

- Em 29 de outubro, Alcântara viaja para a Europa acompanhado por Dolores Bicudo, a Lolita (sobre Lolita, veja no Adendo abaixo). Envia novas crônicas de viagem;
Adendo:
- Alcântara Machado conheceu Dolores Bicudo, a Lolita, numa festa na casa de Mário de Andrade. Haroldo Ceravolo Sereza, revela num artigo no jornal O Estado de S. Paulo, em 25 de fevereiro de 2001, que Dolores Bicudo, conhecida como a Lolita, era uma mulher dezesseis anos mais velha que ele, além de mãe de dois filhos. O romance não foi aceito pela família, vanguardista nas letras, nos empreendimentos e na política, mas conservadora nos costumes, pois ainda Dolores era uma mulher separada e independente financeiramente. 
(Carmo, Eduardo Benzatti do. A obra ficcional e jornalística de António de Alcântara Machado, letras e imagens. Tese p/ doutorado em Ciências Sociais ‘Antropologia’, PUC, São Paulo, 2004, p. 58).

Alcântara e Lolita – foto tirada por Mário de Andrade
(Caderno 2/Cultura – O Estado de S. Paulo, ed. 25/02/2001, p. D5)

- Guilherme de Almeida publica "Simplicidade" e Mário de Andrade publica "Compêndio de História da Música"; Craque na Bolsa de Nova Iorque;  Queda do preço do café – derrocada do plano financeiro de Washington Luís.

1930 – Alcântara retorna da Europa em Junho; Em “Teuto-Brasileiro”, Mário de Andrade expõe mais uma das especialidades do seu amigo Alcântara Machado:

“(...).
//Da literatura de cordel brasileira a parte mais interessante, a meu ver, é a do norte, especialmente a nordestina. A paulista também é muito curiosa, mas dessa tenho até receio de falar por causa de Antônio de Alcântara Machado, que é doutor também nela e dela pretende dizer”.
(Andrade, Mário de. Taxi e Crônicas no Diário Nacional. Estabelecimento de texto, introdução e notas de Telê porto Ancona Lopes. Livraria Duas Cidades & Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, São Paulo, 1976 – p. 227).

- Em 02 de março, no O Jornal, Alcântara escreve crônica sobre o livro Océan et Brésil, do escritor francês Abel Bonnard, que esteve no Brasil em 1927 e, em 1929, publicou na revista Les Annales as observações que aqui fizera. Segundo João Luiz Lafetá, no seu “1930: A Crítica e o Modernismo”, 1974: “O texto provocou reações inteiramente diversas em Tristão de Ataíde e António de Alcântara Machado, demonstrando a diferença e a distância entre o crítico conservador e o escritor modernista. Após artigo de Tristão na revista Ariel, elogiando o escritor francês, Alcântara desanca de rijo tanto o escritor francês (diretamente) como o crítico brasileiro (indiretamente). O título da crônica: “O Trouxa”. Assim Lafetá escreve:

“(...). E o artigo vai nessa linha, desmistificando ponto por ponto o suposto refinamento do Ariel, mostrando sua superficialidade, sua literatice passadista e frívola, seu gosto pela banalidade de metáforas como a das borboletas que eram “dois destinos”. Vale a pena transcrever o seguinte trecho:

“Mas o brasileiro, coitado, não é sustentado por nenhuma tradição e se nas suas vigílias cai na asneira de evocar um grande homem o ilustre cavalheiro exerce sobre ele uma ascendência irresistível e fascinado por esse poderoso mago nem pode ter a certeza de haver escolhido o mestre que realmente convém à sua natureza. Assim se pede a proteção de Nietzsche o alemão se arremete contra ele que nem pó se salva. Criança infeliz. Todo esse drama foi muito bem exposto a Bonnard por um jovem brasileiro, pleno de inteligência e ardor que tem uma bruta admiração por Maurras. Drama pavoroso. Moços há que não resistem. Houve um até que morreu de tanta exaltação. E outros existem que rompem com tudo quanto os apaixonava para se jogarem no gênero de vida que mais os repugnava, entregando-se a negócios de dinheiro no Rio ou São Paulo. Outros ainda (êta eles) vão adormecer na solidão.
Claro que não vale a pena discutir essa xaropada cretina. Basta gozar. Gozar bem. Depois descobrir o mancebo talentoso e fogoso que escolheu Bonnard para confessar. Isso sim paga a pena. É preciso que a gente conheça quanto antes essa preciosidade sobre a qual Maurras, águia do céu latino, paira com asas ainda maiores. Estão vendo o quadro?
E Lafetá conclui:
A “vaia fina” de Antônio de Alcântara Machado é que produziu o movimento mais vivo de nossas letras.
(Lafetá, João Luiz. 1930: A Crítica e o Modernismo. Duas Cidades, São Paulo, 1974, pp. 110-111);

- Em 12 de maio, Alcântara envia carta a Alceu Amoroso Lima (Tristão):
São Paulo, 12 maio 1930

Aqui venho — meu querido Alceu — desafogar uma cousa que me tem preocupado bastante. Como quem tapa o nariz e num gole esvazia o copo de remédio entro diretamente no assunto.
Sob o título "O trouxa" publiquei há tempos no O Jornal (estando ainda na Europa) um artigo sobre o livro de Abel Bonnard a respeito do Brasil. Bonnard se refere a uma "confissão" recebida entre nós sem declarar nome. Com a leviandade própria da raça assume nesse trecho uns ares superiores que me irritaram e apresenta o "torturado" sob um aspecto antipático. E eu desmentindo toda uma tradição paulista de prudência (sem procurar saber de quem se tratava o que me daria pé para julgar da elevação da confidência e portanto da leviandade com que foi trazida para o livro) disse com ar de brincadeira duas ou três cousas a propósito; Ora — meu caro Alceu — Bonnard aludia a você: o Rodrigo se apressou a me informar. 
Imagine agora o meu estado de humilhante desapontamento. Contra quem admiro e prezo como admiro e prezo raríssimos, inconscientemente disse bobagens que podiam feri-lo colocando-me em situação horrível: a de alguém que atira no escuro e fere um amigo. De forma que o que não fez mal nenhum a você (que está acima de futilidades assim) a mim fez e está fazendo muito.
Não se trata de consertar uma tolice. Não tenho de mim mesmo opinião tão pessimista apesar dos pesares que empreste a outros a possibilidade de me julgarem capaz de conscientemente desagradar alguém de seu caráter e de sua valia. Porém de por fora resolver uma questão íntima, uma luta entre o minuto de boa-fé infeliz e a continuidade de um apreço sem reserva.
Aí está — Alceu — o que precisava dizer não ao escritor mas ao homem. Porque este é que vale e por isso de minha parte o que o escritor fez impensadamente o homem lealmente repele. Não quero escrever mais deixando a você sentir o muito de sinceridade que ponho nisso e o meu empenho em que você aceite com a cordialidade de sempre o abraço amigo que lhe envia o seu
Alcântara
47, na rua Frederico Xteidel (Largo do Arouche)

Aí no Rio o Schmidt me fez presente da última série dos Estudos. Dentro em breves dias mandarei o meu Anchieta.

(Barbosa, Francisco Assis. Intelectuais na encruzilhada - Correspondência de Alceu Amoroso Lima e António de Alcântara Machado (1927 - 1933). Academia Brasileira de Letras, 1ª reimpressão, 2002, RJ).

- Em 17 de junho, Alcântara envia carta a Tristão de Athayde, atacando o modernista Graça Aranha, por causa do segundo romance deste, intitulado A Viagem Maravilhosa:

“Entre as minhas asneiras mais recentes se inclui a leitura do romance de Graça Aranha. E francamente não me admirei da invencível ruindade do livro, mas sim de outros se admirarem com ela. Quem é o autor, afinal de contas? Pois então não estão aí O espírito moderno e Estética da vida [obras de Graça Aranha] para demonstrar que se trata de um modernista de fancaria, tipo do sujeito que pinta os bigodes para enganar os outros que é moço? O romance é incrivelmente péssimo”. [Segundo Paulo Setúbal]: //Antônio de Alcântara Machado acertou no seu julgamento. Como obra de ficção, A viagem maravilhosa é fraca, tão fraca que não fica de pé. Romance artificial, insincero, com excesso de palavras, de adjetivos, de frases retóricas. (...).
(Jorge, Fernando. Vida, Obra e Época de Paulo Setúbal – Um Homem de Alma Ardente. Geração Editorial, Belo Horizonte, 2ª ed. 2008, pp. 301-302).

- 5 de julho – do Arquivo António Alcântara Machado, encontra-se na Série Correspondência:

 “As coisas pelo O Jornal não andam boas. Seu Assis [Chateaubriand] foragiu há três dias. Foi um custo danado (de Seu Guimarães, não meu) para receber dois vales seus e já tem mais três a haver”, comenta Manuel Bandeira em carta de 21 de junho a António de Alcântara Machado. Em outra missiva, esta provavelmente mostrada (por Alcântara Machado) a Mário de Andrade, Manuel Bandeira fornece o desenrolar da situação: “O empregado do escritório do Rodrigo, o Seu Guimarães está de posse de três valer para haver o cobre do O Jornal. Suponho que até agora não terá recebido, apesar da comissão prometida. Me contaram que o seu Assis reduziu de um conto o ordenado do M. F. de Andrade. Não sei se é verdade. Os boatos da revolução passaram. O consorcista desforagiu, mas andou com medo danado que dinamitassem as novas maquinarias da rua 13 de maio”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 457, Nota 41, 2001 – referência da carta de Mário para Bandeira, de 4 de Agosto);

- Em São Paulo, Alcântara atua em oposição a Getúlio Vargas; Em 1ª de setembro: publica no jornal As Novidades Literárias, Artísticas e Científicas o conto “O Mistério da Rua General Paiva”;
Adendo:
Guilherme de Almeida entrou para a Academia Brasileira de Letras; Foram publicados os livros: "Alguma Poesia", de Carlos Drummond de Andrade, "Libertinagem", de Manuel Bandeira, “Modinhas imperiais” - crítica e antologia, e “Remate de males” – poesia, de Mário de Andrade, “O Amor de Dulcinéia”, “A República 3000” (romance), de Menotti Del Picchia; Eclode a chamada Revolução de 30; Getúlio Vargas assume o poder.

1931 18 de janeiro, Alcântara, acompanhante de Mário de Andrade na viagem à estação de águas mineira, decepcionado escreve a Prudente de Moraes, neto:

“(...) tudo combinado: em princípios de janeiro seguiríamos para Pocinhos do Rio Verde. Roupas já caminhando para a mala, horário de trens já decorado, quartos de hotel já reservados. Até um ante-gosto da água miraculosa já refrescando a garganta sequiosa. Pois o Mário falhou. Falhou por causa da doença. [...] Dando da vida por Pocinhos (segundo consta) é intolerável sem uma companhia agradável. O ilustre poeta assegura que em junho irá. Iremos? (Pressão afetiva & Aquecimento intelectual, p. 144)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 535, Nota 127, 2001);

- De janeiro a março: Alcântara publica em A Ordem o ensaio sobre “Brasílio Machado ou um Operário Católico”; Em 15 de março: Juntamente com Paulo Prado e Mário de Andrade funda a Revista Nova (Contou com 10 edições, de 1931 a 1932). Foi nessa revista que publicou o conto “As Cinco Panelas de Ouro” (considerado um dos mais belos contos da literatura moderna brasileira); Em 21 de junho, Mário de Andrade escrevia a Alcântara, sobre a historieta “Três milagres de Anchieta”. Essa carta foi localizada no jornal Tribuna da Imprensa, em 16 de abril de 1955:

“Chácara do Tio Lourenço, 21-6-1931

“Antoninho:
“Li mais uma vez seu conto que continua interessantíssimo. O final é admirável de pureza de ação nítida, simples, sem complicação, descritiva, atingindo aquela homérica síntese desprezadora de detalhes que é própria dos contos tradicionais. O que prejudica um bocado o conto como peça de arte (e não como prazer de leitura, pelo que ele irá sempre melhor em revista que em livro) é justamente o contrário da qualidade excelsa do final: você, talvez pelo desejo de contar tudo, aproveitou documentação demais, há uma retalhação anedótica excessiva e por demais d’après nature. O rabinho do historiador atrapalhou o andar mais desenvolto do contista. Ao passo que no fim o contista passou na frente do anchetista, deu um bruto dum pincho algo, alcantilou-se, virou Grécia e nos deu o reino dos céus. Aliás, tou repisando observação que você mesmo fês”. 
(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, p.67).

Alcântara Machado - foto tirada por Mário de Andrade
(Caderno 2/Cultura – O Estado de S. Paulo, ed. 25/02/2001, p. D5)

- Na carta de 6 de outubro, de Mário de Andrade a Alceu Amoroso Lima, nota-se a grande amizade entre o autor de Macunaíma e Alcântara:

(...).
//estou morrendo de seno porém não há-de passar absolutamente o dia de hoje sem que lhe escreva. Ontem estive com o Alcântara e êle, como bom amigo de nós ambos, me fêz ler a última carta sua, em que havia alguns período melancólicos se referindo a amigos. (...).
(Fernandes, Lygia. Mário de Andrade Escreve Cartas a Alceu, Meyer e outros. Coligidas e anotadas pela autora. Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1ª ed., exemplar nº 1585, 1968, p. 24).

– 23 de dezembro. Em carta a Mário de Andrade, Bandeira menciona Alcântara:

(...).
//Sei que a Revista Nova já anda nas livrarias, mas não a recebi ainda: primeiro chega a do assinante Cícero e umas duas semanas depois (quando eu reclamo ao Alcântara) o meu exemplar. Esta perfídia é com o Alcântara que leva a me censurar as minhas omissões sobre a revista, que eu nunca falo nela, etc.
//(...).
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 536, 2001);
Adendo:
Raul Boop publica "Cobra Norato"; Guilherme de Almeida publica Carta à minha noiva” e “Você” - com desenhos de Anita Malfatti; Oswald de Andrade, Patrícia Galvão (Pagu) e Queirós Lima, fundam o jornal O Homem do Povo; Menotti Del Picchia publica “A Crise da Democracia” (Pesquisas de política e de sociologia contemporânea); Cassiano Ricardo publica ”Deixa estar, jacaré”.

1932 – Alcântara torna-se superintendente da Rádio Sociedade Record em São Paulo. Escreve e lê comunicados sobre a Revolução Constitucionalista de julho a outubro; Integra a comissão que negociou o fim da revolta tenentista, com as tropas de legalistas, em Cruzeiro – São Paulo; Assume no Rio de Janeiro a Secretária-geral da bancada paulista, da qual fazia parte seu pai, deputado, para discussão da Assembleia Nacional Constituinte convocada por Getúlio Vargas após a Revolução Constitucionalista; Era na casa de seu pai, no Rio de Janeiro, que se faziam as reuniões dos deputados paulistas para elaboração das propostas e acordos com deputados de outros Estados; Em São Paulo, dirige a Empresa Editora A Vida dos Municípios, que publica jornais em Itapetininga, Sorocaba, São Carlos, Bauru e Botucatu – SP;
Adendo:
Em São Paulo eclode a Revolução Constitucionalista, 9 de julho; Guilherme de Almeida publica: “Cartas que eu não mandei”; Menotti Del Picchia publica o romance “A Tormenta”; Raul Bopp publica “Urucungo”; Ribeiro Couto funda no Rio de Janeiro, juntamente com Gustavo Barroso a Editora Civilização Brasileira.

1933 – Alcântara escreve rodapé literário para os Diários Associados de São Paulo; Viaja a Buenos Aires a convite do jornal literário A Crítica. Muda-se para o Rio de Janeiro, onde passa a exercer o cargo político de Secretário da Bancada Paulista na Constituinte; Sob a direção de Afrânio Peixoto, foi publicada pela Academia Brasileira de Letras, de autoria do Alcântara, notas das “Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões de Anchieta”, contribuição capital para os estudos anchietanos. 
(*) “António de Alcântara Machado não pudera compulsar os documentos guardados pela Companhia de Jesus, nos seus arquivos em Roma, e que seriam depois utilizados pelo Padre Serafim Leite, na obra acima citada, cujo primeiro volume aparecerá em 1938, isto é, três anos depois da morte do escritor. Pretendia ele escrever a biografia de Anchieta, concretizando um projeto do avô, Brasílio Machado, também especialista no assunto, e de quem o neto traçaria o perfil em discurso pronunciado na Faculdade de Direito de São Paulo, no décimo aniversário da sua morte, e publicado num folheto intitulado Comemoração de Brasílio Machado (1929)”.
(*)(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, p.23).
Adendo:
Mário de Andrade publica “Fraulein” – em New York, traduzido por Margareth Richardson Hollingsworth, e em São Paulo, “Música, Doce Música” (estudos de crítica e folclore); Patrícia Galvão, a Pagu publica o romance Parque Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo, exigência do Partido Comunista; Oswald de Andrade publica “Serafim Ponte Grande”; Menotti Del Picchia reedita “A República 3000” sob o título de “A Filha do Inca”, publica “A Revolução Paulista através de um testemunho do Gabinete do Governador”, “Jesus”, “Viagens de João Peralta e Pé de Moleque” (história infantil), e “Poesias” (Seleção de versos escolhidos pelo autor); Morre Jué Bananére, pseudônimo do jornalista, escritor, engenheiro paulista Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, que imortalizou o dialeto "macarrônico" (em que o português fundia-se com o italiano), no seu livro "La Divina Increnca".

1934 – Alcântara torna-se diretor do Diário da Noite do Rio de Janeiro; É eleito deputado federal por São Paulo pelo Partido Constitucionalista liderado por Armando Salles de Oliveira. Elege-se deputado federal por São Paulo na legenda do Partido Constitucionalista, sucessor do Partido Democrático.
- Em 5 de março, Mário de Andrade em carta a Manuel Bandeira, menciona Alcântara Machado:

“(...). E não me envie a direção do Alcântara como pedi na outra dedicatória (carta de Mário a Bandeira, em 1ª de março, solicitava o endereço de Alcântara no Rio. Anexo nosso), estou zangadíssimo com ele, resolvi ficar zangadíssimo. Pois então ele não terá nem um minuto pra me contar onde mora? Resolvi ficar zangadíssimo e achei lindo [isso] de não mandar para ele o livro que dediquei tipograficamente a ele. (Mário estava se referindo a publicação do “Belazarte”, que pela Livraria Martins, São Paulo, 1956, tem como título “Os Contos de Belazarte”, dedicado a António de Alcântara Machado)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 576, 2001);

- 16 de agosto, Bandeira, em carta a Mário de Andrade, notifica a presença de Alcântara no Diário da Noite:

“(...).
//O nosso Alcântara, principal diretor do Diário da Noite, onde escreve todos os dias um comentário assinado.
//(...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 584, 2001);

- 14 de dezembro: última referência encontrada nas cartas trocadas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira, mencionando Alcântara:

“(...).
//O endereço do Alcântara é rua Haritoff, 5 – 2º andar. (...)”.
(Moraes, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Edusp & IEB, São Paulo, 2ª ed., p. 602, 2001);
Adendo:
Armando Sales Oliveira funda a Universidade de São Paulo (USP), contratando professores estrangeiros. É a terceira universidade criada no Brasil; Mário de Andrade publica: Belazarte” – contos, e “Luciano Gallet” (introdução aos Estudos de Folclore, de L. Gallet); Em São Paulo, através do Decreto nº 6.784, de 19 de outubro, a Academia Paulista de Letras é reconhecida como entidade de Utilidade Pública. Oswald de Andrade publica “A Escada Vermelha”, terceiro volume de A Trilogia do Exílio; Oswald publica também a peça teatral O homem e o cavalo; Morre, Da. Olívia Guedes Penteado, grande incentivadora e patrocinadoras da literatura e artes plásticas dos primeiros modernistas paulistas; Promulgada a 3ª Constituição do Brasil – Vargas é eleito presidente.

1935 – Alcântara realiza viagem a Montevidéu e Buenos Aires, com a delegação de brasileiros, a convite de A Crítica, jornal argentino. Em 5 de abril, escreve no Diário da Noite, Rio de Janeiro, seu último artigo: “Mais um Bocado de Paciência”;

- 14 de abril: António de Alcântara Machado morre no Rio de Janeiro, às 14:45h, na Casa de Saúde São Sebastião, uma semana após uma operação de apendicite, fulminado por uma peritonite infecciosa, não conseguindo assim tomar posse como deputado federal além de deixar inacabado o romance Mana Maria. O corpo é trasladado, no dia 15, para o mausoléu da família, no Cemitério da Consolação, em São Paulo, na Rua 07, Terreno 09. No mausoléu, escultura de Luigi Brizzolara, conforme figura abaixo:

(Foto ilustrativa da escultura de Luigi Brizzolara)

- Em 16 de maio, Mário de Andrade escreve carta a Prudente de Moraes, neto, revelando sua dificuldade em aceitar a morte súbita do querido amigo. Conforme transcreveu Eduardo Benzatti do Carmo, na sua tese para doutorado em Ciências Sociais (Antropologia), pela PUC, São Paulo, 2004: “(...). O pesquisador Marco Antonio de Moraes teve acesso a esse documento, pertencente ao “Arquivo Antonio de Alcântara Machado” de responsabilidade do Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo, e publicou, com o consentimento da Família Mário de Andrade, no artigo “Encontro de amizade, Mário de Andrade e Antonio de Alcântara Machado”. Um tanto extenso, vale reproduzir um trecho dessa correspondência reveladora da profunda amizade entre esses dois homens:

“Prudentinho, sua carta foi pra mim um prazer enorme. Mesmo nas palavras tristonhas evocando o Alcântara. A morte dele como que não me dói mais, e sem o menor egoísmo, foi pra mim uma espécie de reencontro de amizades. Como você, vários outros amigos verdadeiros, sentiram precisão de me encontrar de novo, como que herança me deixada pelo Antonio. Quando peguei no fone, chegando aí no Rio, e sube da morte dele, fiquei literalmente aterrado, você não imagina. Passe não sei quanto tempo, parado, absolutamente exausto, sem pensar, sem mexer, sem nada. Era tanto sentimento desencontrado, tanta idéia desencontrada, em tumulto, não era bem sofrer, era um desses momentos tão cruciantes, tão exaltado, em que o espírito perde parte da consciência muito grande para chegar a reconhecer que sofre. Fique meio abobado. Mas sou muito sistemático, você sabe, pra me entregar assim. Tomei o partido de andar. Isso seriam umas dez horas ou pouco mais, saí do Rio Hotel, andei, andei, me multitudinizei buscando prejudicar o meu verdadeiro estado de desgraça pelo entorpecente da fadiga física. Fui parar, quando olhei no relógio, às três e meia, na porta do Manuel Bandeira. Sem almoço, e sem nada. Passei a semana numa espécie de exaltação, contando indiscretamente o Antonio pra toda a gente, até pros que não se preocupavam dele. E todos foram bons pra mim, não sei se eu dava mostras que sofria muito, me aguentaram com paciência. Também não fiz nada, fugi de qualquer cerimônia, não telegrafei pro pai dele, nada. Talvez mesmo eu tenha convertido a morte do Antonio num caso de minha propriedade... Com bastante egoísmo, revoltado contra todas as convenções, eu achava tudo insuficiente. Tanto fale, tanto pensei, tanto destemperadamente extravasei meu sofrimento que no fim de duas semanas o Antonio já estava convertido numa imagem, essa imagem dos seres amados que a gente guarda consigo, sem dor, depois que o tempo faz dos mortos não mais a inconveniência duma falta, mas como que um apoio moral que chega a ser útil recordar. Eu não sei se deva pedir desculpas a você destas considerações mais visivelmente egoísticas que tinha precisão de fazer para alguém. Não o faria nunca a um Ademar Vidal, por exemplo, que também sentiu muito a morte do Antonio. É um espírito demasiadamente aceitador, não me compreenderia propriamente, antes me aceitaria demais. E se, no caso, minha alma é feia, prefiro me confessar a um espírito mais recalcitrante, mais justiceiro ante as feiúras humanas, com você.
Mas se a morte do Antonio, de tão digerida por mim, não me dói mais, é certo que ainda estou cheio de melancolia, e a todo momento me brotam assomos de indignação contra essa morte. Como até hoje fico indignado com a morte do Álvares de Azevedo. Há morte de moços de que a gente se consola, que a gente aceita. Não faz mal Castro Alves ter morrido moço, tenho a sensação calma de que ele deu o oque tinha de dar, e só faria se repetir. Já o Álvares de Azevedo como o Antonio, não. São poetas em que a gente percebe nas obras uma ascensão oque só se completaria com o amadurecimento da idade e do espírito. Por isso fico indignado, me dá vontade de gritar, de quebrar este erradíssimo mundo. Eu tinha ema esperança mesmo formidável no Antonio. Não me parece que você tenha razão em esperar dele um grande político. O Antonio jamais seria capaz dum desses esplêndidos gestos decisórios, que temam um homem politicamente grande além da morte. Havia no temperamento dele uma timidez sutil que o fazia se conformar excessivamente com o indivíduo que o conversava no momento. Era mesmo quase uma hipocrisia, muito aceitadora, bastante tergiversadeira, que na minha impressão, o havia de tornar uma espécie de Alcântara pai em nossa vida político-social, acomodatício e bastante da banda das maiorias. Circunspecto e muito desejado. Nunca imprescindível. Demais a mais, as tradições escravizavam o Antonio. Ora, eu me pergunto meio incerto se ainda é tempo dum político moço se decidir por essa espécie de democracia liberal em que nos descoloramos... Politicamente me parece que o Antonio chegava muito envelhecido num mundo excessivamente moço pra ele. Eu gostava, depois de o ver conversando e se acomodando a alguém, de lhe auscultar as reações intelectuais que, em seguida, esse mesmo indivíduo provocava nele. Muitas vezes a escachação era completa, decisiva. O que não impedia o Antonio de se acomodar de novo a esse indivíduo, a primeira vez que o encontrasse. É verdade que ele possuía um tino, um faro muito seguro de se afastar definitivamente dos que na podiam lhe acrescentar o enriquecimento vital, quer político, quer intelectual, quer qualquer outro. Isso lhe permitia caminhar muito firme, muito direto pra um destino brilhante, sem impedimentos morais ou práticos. Mas um destino brilhante, me parece pouco satisfatório pra imagem que eu tenho do Antonio e pra esperança que eu depositava nele. Eu o imagino com um destino forte. As suas reações diante dos indivíduos, a percepção aguda dos defeitos, alheios (e próprios: ele mesmo várias vezes considerou comigo o seu próprio egoísmo; o exercício higiênico de converter todas as vaidades num imenso orgulho pessoal que leva a gente à consciência nítida de si mesmo e à autocrítica impiedosa; a docilidade do seu ser acomodatício, chegando, ele o primeiro, a pronunciar a palavra hipocrisia...), a faculdade sensibilíssima de reconhecer o ridículo dos outros e de o pôr à mostra; e ao mesmo tempo um grande amor da humanidade, uma quase piedade que sofria ante o prodigioso poder de serem miseráveis e infinitamente pequenos, que os homens têm: tudo destinava o Antonio a um ser exclusivamente intelectual, a um literato puro, escrevedor de livros em que a miséria, o ridículo, o defeito, não fossem despejados de cima da vaidade dum ser que se julgasse superior, mas de dentro dum amor profundo de quem soubesse ter piedade. O convívio semanal com o Antonio me deu a certeza de que ele chegaria enfim a esse literato amante e fustigador do nosso mundo, depois que lhe passasse o excessivo sexo de moço que faz a gente ser desvirilizar constantemente no humor, na assuada, no risinho que risca pra sempre o indivíduo e lhe nega o amargo direito de ser desgraçadamente ridículo ou ruim. Você tem lembranças dos risinhos que o Antonio dava? Eram curtos, dum segundo, mas tão decisórios, tão certeiros que deixavam o indivíduo rido a ninguém. Mas já nas obras dele, além da firmeza notabilíssima de técnica, e apesar da aparente sequidão, a gente percebe, na profundeza de certas análises do Laranja da China e em certos laivos de amor que escapuliram sem querer do artista, uma gradativa regeneração humana que dariam à obra futura do Antonio, um valor mais permanente e mais moral. E a meu ver a política estava no ponto de estragar tudo isso. Se não completamente, pelo menos muito. Minhas últimas cartas pra ele eram ásperas, não lhe davam paz de espírito... Fustigaram muito o desperdício que ele estava fazendo próprio destino... E tudo isso me melancoliza por demais, você está vendo, me bota falando ainda com exaltação. É melhor parar por aqui.”
(Moraes, 2000, p. 33-35 – Ver fonte da cópia na apresentação do texto).
Adendo:
Em 15 fevereiro, morre Ronald de Carvalho, no Rio de Janeiro, vítima de um desastre de automóvel; Mário de Andrade é nomeado simultaneamente Chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo; Menotti Del Picchia publica Pelo Divórcio” , “O Despertar de São Paulo: Episódios do Século XVI e do século XX da Terra Bandeirante” ePoemas”, este pela Monteiro Lobato, São Paulo; Mário de Andrade publica “O Aleijadinho e Alvares de Azevedo” (ensaios). 

OBRAS DE ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO

- Pathé-Baby – 1926 – (Impressões de viagem);
- Brás, Bexiga e Barra Funda – 1927 – (Contos);
- Laranja da China – 1928 – (Contos);
- Anchieta na Capitania de São Vicente – 1928;
- Comemoração de Brasílio Machado – 1929;
- Mana Maria, publicação póstuma – 1936;
- 2ª edição de Brás, Bexiga e Barra Funda juntamente com Laranja da China, em volume único, com introdução de Sérgio Milliet. Ed. Martins, 1944;
- Cavaquinho e Saxofone – (coletânea de crônicas e artigos de jornal, de 1926 a 1935, colecionadas por Sérgio Milliet e Cândido Mota Filho, além de impressões da segunda viagem à Europa (1929-1930) e da viagem a Montevidéu e Buenos Aires (1935) - publicação póstuma – 1940);
- Novelas Paulistanas – 1ª edição em 1961, reunindo as obras Brás, Bexiga e Barra Funda, Laranja da China e Mana Maria – Ilustrações de Poty, cronologia e introdução de Francisco de Assis Barbosa;
- Novelas Paulistanas – 2ª edição, em 1971, passando a integrar a Coleção Sagarana;
- Edições fac-similares, cada uma acompanhada de volume à parte com comentários, das três obras editadas em vida do autor: Pathé Baby (1926), Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928). (Arquivo do Estado & Imprensa Oficial – IMESP, São Paulo), em 1982;
- Reimpressão da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda, reunindo em um só volume a obras e os comentários. (IMESP, São Paulo), 1983;
- Novelas Paulistanas – Brás, Bexiga e Barra Funda; Laranja da China; Mana Maria; Contos avulsos inéditos em livro – ilustrações de Poty. Org. Francisco de Assis Barbosa. Remontagem: textos novos acrescentados, introdução, apresentação e complementação da Cronologia de Cecília de Lara. 1ª ed. revista e aumentada. Ed. Itatiaia, BH & Ed. da USP, São Paulo, 1988;
- Tradução para o italiano (Brás, Bexiga e Barra Funda) – MACHADO, António de Alcântara. Notízie di São Paulo. Raccondi a cura di Giuliano Macchi. Indtroduzione de Rubens Ricupero. Milano, All’Insegna del Pesce d’Oro, 1981. (Tradução de G. Macchi);
- Tradução para o espanhol: - MACHADO, António de Alcântara. “Corinthians (2); Palestra (1)”. Revista de Cultura Brasileña, 46:74-8, jun. 1978;
- Tradução para o japonês: - LATIN AMERICAN NOVEL. Shinsekaisha, Tokyo, 1977. Inclui, em tradução japonesa, o conto “Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria”, de António de Alcântara Machado;
- Tradução para o francês: - MACHADO, António de Alcântara. “Apologue brèsilien sans prétention allégorique”. In: Fleur, Télephone et Jeune Fille... et autres contes brésiliens. Éd. Bilíngue. Paris, L’Alphée, 1980, p. 41-57. Tradução francesa, por Mário Carelli, do conto “Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria”, e: - MACHADO, António de Alcântara. “Nationalité”. Bicephale: Europ Amérique-Latine – Paris, 17/18: 129-32, été 1982. Tradução francesa de Mário Carelli;
(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, pp.24/54-56).

 (Foto ilustrativa da capa edição da Livraria Martins Editora)

 (Foto ilustrativa da capa segunda edição Novelas Paulistanas)

 (Foto ilustrativa da capa da edição póstuma - 1940)

(Foto Ilustrativa da edição José Olympio Editora)

Nota 1:- Brás, Bexiga e Barra Funda, juntamente com Laranja da China, formam as chamadas Novelas Paulistanas – desde 1961;
Nota 2:- Alcântara Machado escreveu também relatos de viagens, crítica de teatro, contos, crônica política e deixou obras inacabadas, entre elas o romance Mana Maria;
Nota 3:- No artigo “O Tumulo na Neblina”, incluído no “Em Memória de António Alcântara Machado – 1936”, depõe Mário de Andrade sobre o amigo morto: (*)“O comunismo o apaixonava. Mas não creio que ele viesse nunca a se tornar nem mesmo um simpatizante, como falam por aí. António de Alcântara Machado possuía com uma clarividência irrevogável, que o fazia essencialmente aristocrático, o senso hierárquico de valores. Se chegasse à vida cem anos depois do comunismo estabelecido e praticado, seria um comunista. Mas presenciando as primeiras aplicações comunísticas, essa confusão natural, e até necessária, meu Deus!, entre abolição de classes e igualitarismos, que a própria Rússia já fez esforços por dirimir, não poderia nunca receber dele a menos adesão”. (*)(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Com ilustração de Poty. 1ª ed. rev. E aum. – Itatiaia, Belo Horizonte & Editora da USP, São Paulo, 1988, nota 5, pp.43-44).
Nota 4:- Na 1ª edição do “Novelas Paulistas”, organizada por Francisco de Assis Barbosa, traz uma informação importante da atuação de Alcântara Machado no campo do teatro, conforme descrição a seguir, onde foi conservada a grafia original:
- 5.1. O Nortista – De publicação póstuma interessa como única mostra da produção de A. de A. Machado no campo do teatro. Crítico militante durante um período longo, sempre se interessou pelo teatro, em seus vários aspectos; por isso revela nos contos o trato contínuo com a literatura dramática, além do cinema, e jornal. Mas como dramaturgo não foi além dessa experiência.
// O Nortista foi publicado somente em 2943, por Múcio Leão (Múcio Leão: nasceu em Recife, PE, em 17 de fevereiro de 1898, e faleceu no Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1969. Foi jornalista, contista, romancista, poeta, crítico e ensaísta. Em 19 de novembro de 1935, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira 20, na sucessão Humberto de Campos – nota do Retalhos), no número do suplemento Autores e Livros, de A Manhã, dedicado a António de Alcântara Machado. Numa nota, “As fontes deste Suplemento”, vem a explicação de um aspecto obscuro: a perda deste original. António de Alcântara Machado tinha enviado o manuscrito para Rodrigo de Mello Franco, que em carta declara ter-se extraviado a única experiência de literatura dramática do autor:

“Meu caro Alcântara. //Não posso ter perdido completamente o primeiro ato de O Nortista: ele deve estar metido nalguma gaveta aqui do escritório e vou pedir a seu Guimarães para descobri-lo um destes dias, uma vez que o atual contínuo que temos desconhece inteiramente as arrumações feitas por seu Ernesto quando nos mudamos da rua Buenos Aires 85 para a mesma rua nº 98.
Tenho plena certeza de que não levei para casa aquelas folhas de papel almaço em que você escreveu as primeiras cenas da peça e me lembro muito bem de que elas estavam metidas numa das gavetas de minha secretária, no outro escritório. Por ocasião da mudança seu Ernesto tomou a iniciativa de desarrumar tudo, para proceder aqui a um novo arranjo, com o auxílio de seu Guimarães. A este, portanto, é que terei de recorrer”.

Esta carta é datada de 15 de novembro de 1931. Na verdade Rodrigo de M. Franco nunca devolveu o manuscrito, pois Múcio Leão na citada nota do Suplemento diz que transcreveu O Nortista dos originais do arquivo de Rodrigo de Mello Franco.
(Machado, António de Alcântara. Novelas Paulistanas. Organização do texto base por Francisco de Assis Barbosa; textos novos acrescentados, introdução, apresentação, complementação da cronologia, Cecília de Lara. 1ª ed. rev. e aum. Itatiaia, Belo Horizonte e Editora da USP, São Paulo, 1988, pp.66/67. Nas páginas 309 a 320, do Novelas Paulistanas, está a descrição dos quatro quadros no primeiro ato de O Nortista).

(Da Revista Cult, nº 47, junho/2001, p. 51)

DEPOIMENTOS E COMENTÁRIOS

De Paulo Duarte:
 “- Sou um homem feliz! //Durante anos, quanta vez não ouvi esta exclamação de Mário de Andrade! Creio que a primeira, foi ali naquele apartamento da Avenida São João onde, entre 1926 a 1931, nos reuníamos quase tôdas as noites. (...). //Mas a memória daquele apartamento havia de ficar pelos sonhos que ali se sonharam. Foi lá que germinou o Departamento de Cultura. Éramos um grupo pequeno: Mário de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Tácito de Almeida, Sérgio Milliet, Homem de Melo, todos já mortos, (...).
(Duarte, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. Prefácio de Antônio Cândido. Hucitec & Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, São Paulo, 2ª ed., 1977, p. 49).

De Alfredo Bosi: 
"António de Alcântara Machado era tão filho e neto de mestres das Arcadas quanto entusiasta da primeira hora dos desvairistas e primitivistas: foi, assim, uma inclinação liberal e literária pelo ‘pitoresco’ e pelo ‘anedótico’ que o fez tomar por matéria dos seus contos a vida difícil do imigrante ou a sua embaraçosa ascensão. Creio que esses dados de base ajudem a entender os limites do realismo do escritor, visíveis mesmo nos contos melhores, onde o sentimental ou o cômico fácil, mimético, acabam por empanar uma visão mais profunda e dinâmica das relações humanas que pretendem configurar”.
(Bosi, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. Editora Cultrix – 2º edição – São Paulo – 1984 – p. 422).

Ainda Alfredo Bosi:
Para Alfredo Bosi, Alcântara Machado é uma das expressões modernistas mais felizes na abordagem da realidade urbana paulistana, em especial da classe operária e de uma classe média ascendente:
É nos contos de Brás, Bexiga e Barra Funda que se vão encontrar exemplos de uma ágil literatura citadina, realista (aqui e ali impressionista), que já não se via desde os romances e sátiras de Lima Barreto. [...]
No caso do talentoso Alcântara Machado, é sensível, a uma leitura crítica dos contos, esse fatal olhar de fora os novos bairros operários e de classe média a crescerem e a consolidarem uma nova S. Paulo, que ignorava a vetusta Academia de Direito e nada sabia dos salões que acolheram, antropofagicamente, os homens de 22.
(Bosi, Alfredo. p. 374-5, grifos do autor).

De Massaud Moisés: 
"António Alcântara Machado é, fundamentalmente, um estilista: sua prosa, trabalhada com afinco, até parecer tão natural como a linguagem jornalística, fez dele um voluptuoso da forma. Um voluptuoso da forma que repudiasse as frases longas, prolixas, a prosa abundante e redonda dos realistas, em favor dos períodos telegráficos, enxutos. Como se se inspirasse nos relâmpagos da câmara fotográfica, seu estilo busca fixar sequências de tomadas, ao contrário das grandes panorâmicas, mesmo as do cinema mudo. É, verdadeiramente, a prosa dum aristocrata, em bora anti-proustiano, que se volta para o cotidiano da periferia de S. Paulo, onde habitam os imigrantes italianos, para captar-lhes os aspectos mais sugestivos”.
(Moisés, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. V – Modernismo (1922 – Atualidade). Editora Cultrix & Edusp, 2ª ed., São Paulo, 1985, p. 135).

De Wilson Martins:
“Afirmando como escritor em 1928, falecendo em 1935, Alcântara Machado é modernista, sem dúvida – mas de um certo modernismo, que não é nem o modernismo da década revolucionária, nem o modernismo da década thermidoriana: êle teria sido, para o Modernismo de são Paulo, o que exatamente em 1928, José Américo de Almeida foi para o modernismo do Nordeste, isto é, o iniciador de uma fase pròpriamente literária que honrasse os compromissos assumidos pelos manifestos e pelas manifestações. Na idade neolítica em que vivem no Brasil os estudos literários, não se sabe a data de composição de Mana Maria, mas não será temerário supor que tenha sido entre 1928 e 1934, ou, se quisermos, entre 1931, fundação da “Revista Nova”, e 1933, ano da eleição para a Assembléia Nacional Constituinte. Êsses dois ou três anos foram tudo o que constituiu a maturidade intelectual de Alcântara Machado, assim como os dois ou três anos anteriores tinha constituído a sua adolescência literária. Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928) assinalam, juntamente com uma originalidade e grande poder de expressão, o epígono de uma escola que havia revelado personalidades fortes e dominadoras; Mana Maria poderia tê-lo transformado no  romancista que nenhum dos seus mestres e amigos chegou a ser. Há, por consequência, dois Alcântara Machado, assim como há vários modernismos: a visão histórica tem isso de nefasto que é, por paradoxo, abolir o tempo e as suas mutações, e raciocinar como se o processo de modificações espirituais, de idade para idade, não ocorresse. Por breves que tenham sido a vida e a vida literária de Alcântara Machado, elas foram suficientes para mostrá-lo como o único modernista de São Paulo (entre os ficcionistas) que realmente chegou a transcender o Modernismo; mas, simultaneamente, por terem sido tão breves, elas o isolaram naquela terra de ninguém que separa as trincheiras paulistas da trincheiras nordestinas.
//(...).
//Entre a significação histórica e a significação estética há uma distância que é, muitas vêzes, um abismo e que ratos modernistas souberam transpor; Alcântara Machado, favorecido pelo destino, já nasceu, literàriamente, do outro lado dêsse vale do esquecimento, mas, amaldiçoado pela fada da Literatura, não teve tempo de completar a sua obra – quero dizer, de completar a obra do Modernismo. E, assim, êsse escritor que estava destinado a superá-lo e a justificá-lo, viu-se reduzido, na prática, à condição de caudatário de uma revolução que o havia misteriosamente escolhido para consolidador; nos seus livros, os “defeitos modernistas” neutralizam contìnuamente as “qualidades do escritor”, da mesma forma por que as “qualidades do escritor” encontram permanentemente nos “defeitos modernistas” os obstáculos mais vivos.
//(...). Seja como fôr, não surgiu, depois de Alcântara Machado, o escritor predisposto a olha com simpatia e lirismo épico êsse grande fenômeno que é a cidade de imigração: mesmo nêle, a nota pitoresca sufoca a nota humana, da mesma forma por que a psicologia individual. Caso mais complexo do oque poderia parecer, Antônio de Alcântara Machado representa o amargo destino de uma vocação literária que não chegou a produzir os seus frutos.
(Martins, Wilson. A Literatura Brasileira – Vol. VI, O Modernismo (1916-1945). Editora Cultrix, São Paulo, 1ª ed., 1965, pp. 255 a 262).

De Francisco de Assis Barbosa:
 
"De todos os grandes autores do modernismo brasileiro, António de Alcântara Machado é sem dúvida o que mais se deixou impregnar pelos meios de comunicação visual que começaram a se transformar e adquirir uma nova dimensão em consequência da Primeira Guerra Mundial. Compreendeu de relance a importância do grafismo, em toda a infinita diversificação e complexidade de formas, que assumem com o dadaísmo e o surrealismo o clímax do movimento de renovação, quase que de liquidação do passado, pelo menos dos modelos tradicionais não de todo desaparecidos e ainda com bastante vitalidade, para resistir ao conflito de 1914-1918.
António de Alcântara Machado foi no Brasil dos primeiros a compreender a influência do grafismo como expressão literária na arte do após-guerra. E soube aplicá-la à sua obra de ficcionista de temas urbanos voltado para o cotidiano de uma cidade como São Paulo, que então iniciava a sua violenta transformação urbana, na escalada para se tornar em breve o maior centro metropolitano e industrial do país, que em menos de cinquenta anos daria um salto demográfico sem precedentes.
Sendo além de escritor um jornalista, atento, portanto a todas as novidades da época, que na década de 1920 vão desdobrar-se no desenvolvimento do cinema e do rádio, valeu-se da multiplicidade e movimento de imagens, na comunicação direta e instantânea, ao mesmo tempo concisa e dinâmica, características da sua prosa ágil e flexível.
Ao desaparecer com pouco mais de 30 anos, as três obras fundamentais que deixou são tipicamente modernas, e não apenas modernistas, e por isso mesmo representativas como conteúdo artístico desse mundo em ebulição. É o que desde logo surpreende na leitura, sobretudo hoje, das impressões de viagem à Europa, reunidas como num filme, projetado de uma Pathé-Baby (1926), e os contos de Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928), notícias do cotidiano paulistano, flagrantes da classe proletária e da burguesia endinheirada, dos pequenos núcleos de imigrantes, italianos na sua maioria, que vão adensar a classe média ainda rarefeita de pequenos comerciantes e burocratas.
Esses livros de António de Alcântara Machado tinham que ressurgir na sua feição gráfica original, tal como foram criados e publicados, com a marca inconfundível do autor, cuja presença se afigura patente em todas as paginas impressas dos seus livros, denunciando o rigorismo gráfico com quem foram elaboradas e até pensadas.
Daí a sua inclusão no programa de edições fac-similares do Arquivo do Estado de São Paulo, iniciando a série de literatura. É inseparável do texto do grande escritor o volume, com os comentários de Cecília de Lara, com vistas à próxima edição de toda ou quase toda a produção de António de Alcântara Machado, reunindo não apenas a ficção, como também ensaios de crítica literária e de história, crônicas da vida urbana, reportagens e jornalismo de um modo geral, além de uma seleção de correspondência.
(...)”.
(Barbosa, Francisco de Assis. In: Lara, Cecília de Comentários no Prefácio da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, novembro de 1981 – pp. 7 e 8).

De Stiunírio Gama:
“(...). //Antonio de Alcântara Machado é um escritor que encanta com a sua observação penetrante e pouco comum em homens de sua idade. Alcântara é uma analista invejável. Com duas penadas, traça o perfil físico, moral e intelectual dos seus tipos, que vivem, se movimentam e conversam com o leitor. //(...)”.
(Gama, Stiunírio. In: Seleções de Críticas – Às Segundas (Jornal do Comércio, 14 de março de 1927), da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, novembro de 1981 – p. 90).

De Agripino Grieco:
“(...) Foi (...) o criador de uma prosa por vezes dialetal, entre italiana e brasileira, e o seu Gaetaninho é já agora figura clássica para a nossa galeria de tipos sintéticos, que definem meios sociais e exprimem grandes porções de gente. (...) Respira a alma de São Paulo com a deliciosa garoa que lhe envolve as colinas e as torres, e a utilização do material humano que vai recolhendo pela cidade é sempre feita com amor. Inteligência saudavelmente realista, sente por instinto o ponto afetado da personagem esquisita que vai pôr em cena, percebendo-lhe logo a fenda moral que a singulariza”.
(Grieco, Agrippino. in Machado, António de Alcântara — Novelas Paulistanas, Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 1973, p. XIV).

De Rodrigo de Melo Franco de Andrade:
“O sr. Antonio de Alcântara Machado não é homem com quem se possa usar de rodeios. Quem quiser se ocupar do que ele escreve tem de entrar diretamente em matéria, sem introitos e sem considerações preliminares. Seus livros não se prestam a divagações, nem dão margem a frases bonitas. Não solicitam apenas o espírito do leitor. Agridem e agarram a atenção: de dentro deles não se sai com duas razões. (...)”.
(Andrade, Rodrigo M. F. de. In: Vida Literária. Antonio de Alcântara Machado – Jornal, Rio de Janeiro, 3 de abril de 1927 (Recorte do Arquivo Mário de Andrade do IEB/USP, São Paulo, da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, novembro de 1981 – p. 92).

De Martin Damy:
“(...). //Para mim, Antonio de Alcântara Machado é um desses escritores superiores. Graças ao seu talento enorme, esse recanto anônimo da alma brasileira já saiu do silêncio. E a pintura que dele nos fez o jovem autor é uma demonstração a mais da sua riquíssima vocação para desdobrar aos nossos olhos ambientes interessantes e virgens. //Seu estilo para isso possui todos os requisitos indispensáveis. //Essencialmente moderno, não entra contudo na química das frases incompreendidas. É nítido e franco, ágil, elástico, sem escamoteações de lantejoulas cegantes. Guardando vivacidade, não se apressa nunca. Pára somente após ter esgotado o assuntos. Antes, não. //(...)”.
(Damy, Matin. In: Os Espíritos dos Livros – Brás – Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara Machado – Jornal do Comércio, S. Paulo, 6 de abril de 1927, da edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo por António de Alcântara Machado. Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, novembro de 1981 – p. 96).

De Luciana Stegagno-Picchio: 
"Uma capacidade crítica, a sua, de fixar em imagens, em cena-diálogo, os casos da vida. Neste sentido o narrador Alcântara Machado sempre se apresentará aqui como cronista, um repórter, um descritor agradável e superficial de fatos de crônica quotidiana. A sua fauna é a fauna multirracial de São Paulo: sobretudo os italianos, ou melhor, os ítalo-brasileiros na sua primeira violenta fase de integração social, carregados ainda de todas as escórias pátrias e levados pela aventura a exasperar aqueles defeitos-virtudes nacionais, que o repertório internacional já estilizara."
(Stegagno-Picchio, Luciana. História da literatura brasileira. Editora Nova Aguilar – Rio de Janeiro – 1997 – p. 502).

De Cláudio Giordano: 
“António de Alcântara Machado encantou minha iniciação no universo da literatura brasileira. Acompanha-me até hoje a comoção do encontro com Gaetaninho. Ah, que tristeza profunda não me tomava (e me toma) quando repetia (e repito) na memória o fecho dorido:” Quem na boléia de um dos carros do cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino“.
Saudade! Passados mais de quarenta anos, ofereceu-me o caso a oportunidade de editar em 1997 Pressão Afetiva E Aquecimento Intelectual – Cartas de António de Alcântara Machado a Prudente de Moraes Neto (organização, introdução e notas de Cecília de Lara). 
(Giordano, Cláudio. In__ Memória em Revista – Dossiê Cult – Revista Brasileira de Literatura n.º 47 – p. 44 – Junho/2001. Cláudio Giordano é bibliógrafo, editor e tradutor, criador e dirigente da Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes).

D
e Audálio Dantas: 
“Um caso de amor com as ruas. Esta definição da literatura de Charles Bukowski é perfeitamente adequada ao” caso “de António de Alcântara Machado com a nossa cidade, no que ela tem de mais vivo e de mais importante: a sua face popular. E é esse profundo respeito pelo povo, que trabalha e constrói, o que faz com que o livro “Brás, Bexiga e Barra Funda”, editado pela Imprensa Oficial do Estado neste mês de dezembro de 83, seja, certamente uma das mais sagradas reportagens sobre São Paulo.
Na edição do próprio escritor, “Brás, Bexiga e Barra Funda” não nasceu livro: nasceu jornal. Diz ele em seu “Artigo de Fundo”: estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. Foi com esta disposição – ouvir, ver, reportar, fazer jornalismo, enfim – que esse moço, de uma aristocrática família paulistana, saiu às ruas, nos anos 20, e ergueu um dos clássicos da moderna literatura brasileira.
Já se disse também que António de Alcântara Machado não foi um escritor modernista. Que é, antes de tudo, um escritor moderno. De fato, a impressão se confirma na leitura de sua curta – e brilhante – obra literária.
À parte as frases rápidas, as expressões limpas do tom pedante que caracterizou a literatura pré-modernista e os quadros precisos, cinematográficos (e o cinema é um bom símbolo do nosso século), os personagens de António de Alcântara Machado são atuais, de alguma forma. Afinal, quem, com poucas modificações, nunca viu Gaetaninho correr pelas ruas? Quem nunca assistiu a um flert na rua São Bento, como o de Carmela? Quem nunca entrou em algum armazém “Progresso de São Paulo”?
Essa gente dos contos de Alcântara Machado, tão real, tão barulhenta, ainda anda por aqui e foi quem levantou e mantém em alta velocidade a enorme metrópole. Essa gente é o cerne da cidade, e sua própria memória. (...)”. 
(Dantas, Audálio. Superintendente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – 1983. In: Apresentação – Edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo, de António de Alcântara Machado, editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – IMESP).

De Alceu Amoro Lima (Tristão de Ataíde):
“Foi dos que passaram, pela nossa geração, com um meteoro. Mas deixando um rastro realmente luminoso. Quando morreu, com trinta e poucos anos, já deixara marca moderna e me lembro de que, respondendo a um inquérito, na época, sobre o melhor prosador modernista, respondi: António de Alcântara Macha”.
(cf. Companheiros de Viagem, Rio de Janeiro, José Olympio, 1971, p.60).

De Paulo Setúbal:
“Os modernista não paravam de criticar os “escritores acadêmicos”. Tinham de fazer isto, era também a função deles. Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Antônio de Alcântara Machado, modernistas de grande talento, espalhavam cada vez mais as suas irreverências contra os “passadistas”, os cultores de uma “estética morta”. (...)”. [p. 250];
“(...). Oswald [de Andrade] investiu, de modo quase irracional, contra o Graça Aranha, o Tristão de Athayde, o Antônio de Alcântara Machado, o Mário de Andrade, o Cassiano Ricardo, o Cândido Mota Filho, o Menotti Del Picchia, o Guilherme de Almeida, o Yan de Almeida Prado. (...)”. [p. 277];
“Antônio de Alcântara Machado, autor do saboroso Brás, bexiga e Barra Funda, não aceitava as picuinhas do Oswald de Andrade. Este, no seu entender, rompera “com os “companheiros da véspera sem razão plausível alguma, numa fuzilaria de ódio, inveja e perversidade”. Chamando Oswald de “ateu antropófago”, o filho do professor Alcântara Machado afirmou que “a falta absoluta de caráter” o distinguia. Falta há muito tempo conhecida em São Paulo, porém disfarçada, na linguagem dos amigos do ofensor, sob o nome de criancice, de infantilidade, etc, etc. (...)”. [Carta de Antônio de Alcântara Machado enviada a Alceu Amoroso Lima, no dia 15 de maio de 1930 - p. 278].
(Jorge, Fernando. Vida, Obra e Época de Paulo Setúbal – Um Homem de Alma Ardente. Geração Editorial, Belo Horizonte, 2ª ed. 2008, pp. 250, 277 e 278).

De José Aderaldo Castello:
“(...). //Ao lado de Oswald de Andrade, naturalmente apenas como linguagem e inovação, embora também voltado para o imigrante e sociedade paulista tradicional, se coloca Antônio de Alcântara Machado. Estreou em 1926 com Pathé-Baby, livro de impressões de viagens pela Europa, cuja linguagem reconfirma, mais certamente sob o cunho de um estilo definido e próprio, as inovações introduzidas três anos antes de Memórias de João Miramar. Antidescritivo, sobretudo antidiscursivo, seu traça característico é o flagrante de situações e tipos, em tomadas de documentário cinematográfico, compondo quadros como se fossem instantâneos fotográficos, às vezes caricaturescamente, às vezes liricamente, sempre revestidos de bom humor. Apreende pelas exterioridades traços psicológicos daquelas situações e tipos, turistas, levando em conta origens de cada um e peculiaridades da paisagem cultural, ele também no papel de focalizador. Talvez no gênero seja a nossa primeira obra de indiscutível feitura literária – composição híbrida de memória e crônica, despida de intelectualismo e erudição e de acumulações informativas. E se o jornalista-cronista fica passo a passo com a experiência formal de Pathé-Baby, o certo é que este livro já nos dá as dimensões da linguagem dos seus contos: Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da China. (...)”.
(Castello, José Aderaldo. A Literatura Brasileira: Origens e Unidade (1500-1960). Edusp, São Paulo, 1ª ed., 2004, pp. 191/192).

De Sérgio Milliet:
“Sabia escrever para jornal e, o oque é mais raro, sabia ler o jornal. Caçava o importante, o pitoresco, com grande sagacidade. E aquilo que ninguém vira, êle o achava mesmo se estivesse perdido na parte ineditorial. ‘Leio desde os telegramas até os anúncios, passando pelas secções livres’, dizia. E lia de fato. Quantas vêzes nos espantávamos. Ia buscar um recorte guardado e voltava triunfante: Viram esta maravilha? Era um trecho de reportagem ou uma declaração de secção livre cujo estilo o interessara. – Mas onde vai você descobrir essas coisas, perguntávamos. – Ora, vocês não sabem ler jornais. Estava no Estado”.
(Machado, Luís Toledo. António de Alcântara Machado e o Modernismo. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1970, p. 76).

Do Sérgio Milliet – Diário Crítico II:
 “(...).//Em S. Paulo, Antonio de Alcantara Machado, Mario Neme os mais característicos, ostentam uma observação divertida e critica, da vida da grande cidade cosmopolita.
São pitorescos francamente, e apaixonados de exotismo. Desde o exotismo da linguagem até o exotismo da psicologia. Aos heróis trágicos, valente ou sofredores, opõem os heróis cómicos, ridículos. Ao romantismo, ao impressionismo, ao intimismo, opõem o realismo, o naturalismo. Mas sem violências nem deformações sarcásticas. Antes com uma bonomia sentimental, com uma compreensão fraterna das fraquezas e dos vícios. É que na cidade o pecado assume ares menos melodramáticos. Repercute pouco na sociedade; sua interação é de ordem secundária. As reações que provoca se atenuam na teia de mil e uma reações e de mil e um tipos diversos.
As safadezes dos italininho do Braz não chegam siquer às ruas do Triângulo. Morrem no caminho, entre desastres de automovel e derrocadas financeiras. Já o desvio da solteirona mineira ressôa soturnamente por todas as ruas da cidade pacata; arromba as portas, entra pelas janelas, perturba o sono das virgens e a solidão dos mancebos. Como o gesto heroico do gaúcho se amplia arrolando como um éco pelas cochilas e reluzindo ao sol limpo dos horizontes.
Estas reflexões me vêm à re-leitura, após muitos anos, dos contos de Alcântara Machado aqui na minha mesa lado a lado com Eis a Noite de Joãos Alfonsus. Censurou-se a Alcântara Machado certa deshumanidade, certa incapacidade de comungar com seus heróis na tragédia cotidiana. Nada mais injusto. O que não falta ao autor de Laranja da China é exatamente o dom da simpatia pelas suas personagens. Só que o paulista tem o pudor exagerado e uma noção muito precisa da relatividade do bem e do mal.
Seu prefácio a Braz, Bexiga e Barra Funda é sintomático; “...tenta fixar tão somente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e cotidiana desses novos mestiços nacionais e nacionalistas. É um jornal, mais nada. Notícia. Só... Principalmente não aprofunda. Em suas colunas não encontra uma única linha de doutrina. Tudo são fatos diversos. Acontecimentos de crônica urbana. Episódios de rua. O aspecto étnico-social dessa novíssima raça de gigantes encontrará amanhã o seu historiador”...
Todo nesse prefácio é pudor. É recusa a dar importância às próprias observações. É modéstia mas é também orgulho. Não vaidade vulgar; orgulho.
Quanto à sua participação, é ela mais de um pai, de um irmão mais velho, enternecido com as traquinagens do filho, ou do irmão, que a de um companheiro político, revoltado, reformador social ou simples romancista à procura do grande tema. É a bondade que o faz rir. E ri com prazer e não por chacota. E ri aprovando e não censurando. Não distribue prêmios de virtude ou anátemas virulentos; comprende.
(Milliet, Sérgio. Diário Crítico de Sérgio Milliet – 1944. V. II. Introdução de Antonio Cândido. Livraria Martins e Edusp, São Paulo, 2ª ed., 1981, pp. 152/153).

Do Sérgio Milliet – Diário Crítico IV:
 “(...).//A época é das antologias que põem sob os olhos do leitor uma cultura em pílulas fácil de engolir embora nem sempre de digerir. Não quero discutir as conveniências do método. Êle se impôs; é um fato. Há antologias de tudo, dos mais belos contos, dos melhores poemas de amor, dos mais acatados humoristas, das frases mais cabeludas, e até das asneiras mais espantosas (Antônio de Alcântara Machado estava organizando, pouco antes de morrer, uma coletânea dos melhores anúncios classificados...). (...)”. [p.24];
“(...).//Março 30 – Já se foram tantos! Na roda de nossa geração a Morte cabra-cega foi ceifando ao acaso. Primeiro Antônio de Alcântara Machado, o mais vivo e que mais alto ria. Que choque, que desolação! Paramos atônitos, desnorteados, mas o cotidiano superou a mágoa de cada um de nós e a roda se reformou, apenas mais estreita porém viva ainda e agressiva. (...)”. [p.73];
(Milliet, Sérgio. Diário Crítico de Sérgio Milliet – 1946. V. IV. Introdução de Antonio Cândido. Livraria Martins e Edusp, São Paulo, 2ª ed., 1981, pp. 24 e 73).

FARACO DESTACA A GENIALIDADE
DE ALCÂNTARA MACHADO:

Contos Reunidos - Brás, Bexiga e Barra Funda, Laranja da China e outros contos, volume da série "Bom Livro" que reúne, pela primeira vez, todos os contos escritos por António de Alcântara Machado, é um lançamento da maior importância.
Certa vez, o escritor Jorge Amado afirmou que "mais do que qualquer outro, António de Alcântara Machado retratou São Paulo". De fato, a criação literária do autor paulistano de vida tão curta - 1901-1935 - está repleta de dicções encontradas nas ruas da megalópole brasileira.
Para entender melhor o autor e sua obra, o Boletim Ática ouviu o renomado professor de língua portuguesa Carlos Emílio Faraco, que lançou vários títulos pela própria Ática, entre os quais Linguagem Nova, para alunos de 5ª a 8ª séries; Língua e Literatura, em três volumes, destinado ao ensino médio; e Gramática Nova. Faraco contou, em todas essas obras, com a parceria do também professor Francisco Moura.                                        
Acompanhe abaixo a entrevista concedida por Carlos Emílio Franco sobre Antônio de Alcântara Machado:
Boletim Ática: Por que, entre os gêneros literários aos quais Alcântara Machado se dedicou, o conto é aquele em que o escritor é mais reconhecido, tanto pela qualidade quanto pela originalidade de seu trabalho?
Carlos Emílio Faraco: A resposta já está na pergunta: foi exatamente pela qualidade e pela originalidade, não só em relação a outros escritores, mas também em relação ao restante de sua própria obra. No aspecto originalidade, nunca é demais frisar a influência do repórter sobre o ficcionista. Num contexto em que a linguagem literária tentava abandonar radicalmente os "adornos", destaca-se a resposta de Alcântara Machado: elipses, cortes rápidos e incisivos, metonímias, tudo convergindo para uma linguagem sintética que, àquela altura, só Oswald de Andrade havia alcançado.
Boletim Ática: Quais são os grandes méritos e conquistas - literariamente falando - do contista Alcântara Machado?
Faraco: Ao incorporar o fragmentarismo intencional do modernismo de primeira hora, Alcântara Machado estava se aproximando da reportagem jornalística e das narrativas visuais, especialmente a cinematográfica. Foi nessa linguagem, cuja modernidade resiste ao tempo, que Alcântara Machado moldou literariamente uma face de São Paulo das primeiras décadas do século 20, incorporando a efervescência da cultura local que se mesclava de forma extraordinária com a cultura trazida pelo imigrante, sobretudo o italiano, agente de uma "reconstrução" da língua portuguesa que define o sotaque cultural paulistano.
Boletim Ática: A adesão do escritor ao Modernismo era, por assim dizer, inevitável, em função da sua dicção literária?
Faraco: Não só da sua dicção, mas da própria trajetória de sua vida e de sua profissão.
Boletim Ática: Do ponto de vista histórico, São Paulo honrou apropriadamente o legado do escritor, tão voltado para as características paulistas?
Faraco: Depende do que se entende por "honrar". Há mais de um logradouro paulistano que lembra Alcântara Machado, por exemplo; há escolas cujo nome homenageia o escritor; há biblioteca com seu nome... Mas honrar, no meu entender, seria ler Alcântara Machado, estudar Alcântara Machado nas escolas com alguma profundidade, mostrar que sua obra, mesmo não sendo um documento, é fonte obrigatória de consulta também para o historiador, o antropólogo, o linguista.
Boletim Ática: É importante que os jovens leiam a obra de António de Alcântara Machado?
Faraco: É importante, sim, principalmente porque Alcântara Machado mostra para os próprios paulistanos e, mais radicalmente, para o resto do Brasil, uma cultura urbana resultante da fusão de valores locais com aqueles trazidos pelo imigrante. A história da literatura deve a Alcântara Machado a incorporação do linguajar paulistano à literatura em prosa. Além disso, seus contos provocam no leitor aquela sensação de "descoberta", fundamental como estímulo à leitura, especialmente para os jovens. A linguagem literária de Alcântara Machado é o antídoto perfeito contra a mania brasileira de supervalorizar quem "fala difícil". 
(Fonte de Pesquisa:- www.atica.com.br).

PARA ESTUDAR E ENTENDER:
BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA – NOTÍCIAS DE SÃO PAULO”

“Êste livro não nasceu livro: nasceu jornal. Êstes contos não nasceram contos: nasceram notícias”.
(Machado, António de Alcântara. Artigo de Fundo – Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo. Ed. fac-similar. Imprensa Oficial do Estado – IMESP, São Paulo. 1982, p. 15).

Publicado em 1927, o livro reúne histórias que mostram a vida dos imigrantes italianos nos bairros operários da cidade de São Paulo nas primeiras décadas deste século.
Brás, Bexiga e Barra Funda - Notícias de São Paulo é composto por 11 histórias, entre contos e crônicas. A partir de 1961, elas foram sendo publicadas juntamente com as de Laranja da China, sob o título Novelas Paulistanas. Na época da primeira edição do volume, em 1927, três dessas historietas ("Gaetaninho", "Carmela" e "Lisetta") já haviam sido publicadas no Jornal do Commercio, as duas últimas acompanhadas da observação: "Para um possível livro de contos: Ítalo Paulistas".
Para lembrar: Assíduo leitor de jornais, Alcântara Machado colhia suas histórias nos aspectos fugazes do dia-a-dia do paulistano. O autor tinha faro inigualável para transformar a notícia de um atropelamento ou de um crime passional, o anúncio de um estabelecimento comercial ou uma simples nota de coluna social em matéria literária.

1.    Os imigrantes italianos em foco

Nos primeiros anos do século XX, a cidade de São Paulo era invadida pelos "novos mamalucos", "italianinhos", "carcamanos" em busca de integração e ascensão social. Na década de 1910, eles detinham o primeiro lugar entre os estrangeiros donos de imóveis na zona urbana, porém concentravam-se em bairros pobres e industriais, como Brás, Bexiga e Barra Funda. Esses imigrantes serviram de modelo para o autor escrever o livro.
Já no prefácio da obra, batizado com o nome de "Artigo de Fundo", Alcântara Machado assinala que o livro é uma tentativa de "fixar tão-somente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e quotidiana desses novos mestiços nacionais e nacionalistas. É um jornal. Mais nada. Notícia. Só". O autor seguia, dessa maneira, os passos de Oswald de Andrade e Juó Bananere (pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado), pioneiros da crônica de imigração na imprensa paulistana, que recorreram à paródia como máscara para veicular opiniões políticas da elite. Em seus textos, escreviam em um português macarrônico, misturando o português falado pelo caipira e pela população mestiça e negra com o calabrês, o napolitano e o vêneto (na verdade, um novo dialeto, inexistente na Itália).

2. O português italianado

Alcântara Machado dispôs-se a homenagear a italianidade linguística e comportamental que marcava o dinamismo da cidade em expansão, recriando-a na linguagem certeira e ligeira das notícias de jornal. Embora elogiasse as deformações da sintaxe e da prosódia empregadas por Juó Bananere ("aqui italianização da língua nacional, ali nacionalização da italiana, saborosa salada ítalo-paulista"), Alcântara Machado não o imita: integra vocábulos e estruturas frasais da língua italiana ao português coloquial dos personagens, preservando a brasilidade do narrador. Repare no seguinte fragmento de La Divina Increnca (1924), de Juó Bananere:
"Conforme aparlê, o Semanigno, aquillo bandito celebro que pregô a faca na máia, fui prendido, interrogadimo butado incomunicabile inda a sulitara. Segondaferra o garçeriere fui lá buscá illo pr'a apurtá pr'u gabinetto di dentificaçò. Pensa che iilo stava lá? Una ova!! Fugi chi né uni rojò."
O texto acima tem uma linguagem bem diferente do fragmento retirado do conto "A Sociedade", de Brás, Bexiga e Barra Funda:
"Embatucou. Tinha qualquer cousa. Tirou o charuto da boca, ficou olhando para a ponta acesa. Deu um balanço no corpo. Decidiu-se.
- Ia dimenticando de dizer. O meu filho fará o gerente da sociedade... Sob a minha direção, si capisce.
- Sei, sei... O seu filho?
- Si. O Adriano. O doutor... mi pare... mi pare que conhece ele?"
2a. Recursos gráficos
Além das falas em italiano puro ("Evviva il campionissimo!") e daquelas em português macarrônico ("Scusi, senhora. Desculpe por favor. A senhora sabe, essas crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe."), o autor explora recursos como:
· O uso de palavras em letras maiúsculas sugerindo aumento no volume da voz: "Da inde-pendência o brado re-TUMBAN-te!"; "Solt'o rojão! Fiu! Rebent'a bomba! Pum! CORINTHIANS!".
· A separação de sílabas para reproduzir o ritmo do discurso: "CA-VA-LO!"; "Eu que...ro o ur...so! O ur...so!".
· O uso de parênteses a indicar o berro distante: "(Spegni la luce! Subito! Mi vuole proprio rovinare questa principessa!)".
2b. Onomatopeias
São especialmente expressivas as onomatopéias: "dlin-dlin" (sineta de escola), "uiiiiia" (buzina de automóvel), "prrrii!" (apito de juiz de futebol), "pan!" (cobrança de pênalti), "turururu - tuiururum!" (a vaia do saxofone). O efeito, embora ingênuo, casa bem com a evidente intenção de alcançar a máxima síntese de texto por meio de recursos estilísticos, como a elipse, a justaposição e a metonímia.

3. Figuras de discurso

As histórias de Brás, Bexiga e Barra Funda são contadas em terceira pessoa, ora por um narrador observador, que anota suas impressões a certa distância (como fotógrafo de situações), ora por um narrador onisciente, que penetra superficialmente no íntimo dos personagens. Nos dois casos, emprega-se o discurso direto, com a reprodução literal das falas dos personagens, sem intermediações, o que assegura o tom coloquial buscado pelo realismo do autor. Anote! O narrador não privilegia a norma culta: o discurso em tom coloquial, natural, conciso demonstra a grande contribuição do Modernismo contra a prolixidade derramada, "bacharelesca", outrora valorizada na Literatura brasileira.
Alcântara Machado tem perfeita noção do ritmo e do colorido da linguagem oral. Pode-se apreciar sua expressividade de contador de casos nestas passagens do conto "Carmela":
"E - raatá - uma cusparada daquelas. [...] Carmela olha primeiro a ponta do sapato esquerdo, depois a do direito, depois a do esquerdo de novo, depois a do direito outra vez, levantando e descendo a cinta. [...] No degrau de cimento ao lado da mulher de Giuseppe Santini torcendo a belezinha do queixo cospe e cachimba, cachimba e cospe."
No mesmo conto, há trechos em que o narrador onisciente formula o discurso indireto em frases curtas:
"O caixa d'óculos não se zanga. Nem se atrapalha. É um traquejado. [...] Depois que os seus olhos cheios de estrabismo e despeito vêem a lanterninha traseira do Buick desaparecer, Bianca resolve dar um giro pelo bairro. Imaginando cousas. Roendo as unhas. Nervosíssima."
O narrador vale-se também do discurso indireto livre, modulando sua expressão, ao apropriar-se das frases dos personagens, com entonação própria, obtida do vocabulário e da construção:
"Percorre logo as gravuras. Umas tetéias. A da capa então é linda mesmo. No fundo o imponente castelo. [...] E atravessada no cachaço do ginete a formosa donzela desmaiada entregando ao vento os cabelos cor de carambola. "Anote! Nas várias figuras de discurso utilizadas, nota-se a brevidade e fragmentação da linguagem coloquial, inclusive pelo uso do presente do indicativo: a correspondência entre o tempo da enunciação e o do enunciado faz com que o leitor perceba os fatos como se eles estivessem ocorrendo no momento da leitura.

4. Um passeio por São Paulo

Todas as histórias de Brás, Bexiga e Barra Funda localizam-se no espaço urbano de São Paulo, particularmente nos bairros que figuram no título da obra, embora não faltem citações sobre pontos então considerados "nobres" (avenidas Angélica, Higienópolis, Paulista) ou centrais (rua Barão de Itapetininga, largo Santa Cecília). Excetuando-se o conto "Lisetta", todos os demais contêm indicações sobre logradouros, acompanhadas às vezes do número da casa ou da loja. "Carmela" detém o recorde, acumulando uns dez nomes do gênero em suas poucas páginas - a personagem passeia e conduz o leitor num tour pela cidade. Anote! Parece prioritário para Alcântara Machado sublinhar a contemporaneidade dos textos, tornando-os documentos de época com a menção freqüente a marcas (goiabada Pesqueira, queijo Palmira, refrigerante Si-Si, cigarros Bentevi e Sudan Ovais, cervejas Antarctica, Pretinha e Hamburguesa); músicas ("Fubá", "Caraboo", "Zé Pereira", "Scugnizza"); periódicos (jornais Fanfulla, Gazeta; revista A Cigarra); estabelecimentos comerciais (Casa Clark, Salão Mundial, Casa São Nicolau); clubes (Esmeralda, Paulistano, Sociedade Benefìcente do Bexiga) etc.
4a. O progresso metropolitano
O quadro de agitação da metrópole não ficaria completo se não houvesse referências às máquinas, símbolo do progresso. Afinal, essa era a palavra-chave na década de 20. Nesse contexto, são especialmente importantes veículos como bondes, coches, automóveis (identificados pelas marcas - Ford, Buick, Lancia, Hudson). Eles funcionam como desencadeadores de conflito ("Gaetaninho" e "O Monstro de Rodas"), como elementos caracterizadores de poder econômico ("A Sociedade" e "Carmela") ou de espaços ("Lisetta").
No conto "Tiro-de-Guerra nº 35", vários dados se atrelam ao bonde: a condição econômica do protagonista (cobrador), o espaço da cidade (a linha do bonde), um dado concreto da cultura popular (a ausência do cobrador no bonde inspira a seção de fofocas amorosas da revista A Cigarra), o nacionalismo jacobino (o cobrador deixa o emprego na companhia cujo nome homenageava o escritor italiano Gabrielle d'Annunzio para trabalhar numa similar que homenageava Rui Barbosa). Anote! O excesso de referências desse tipo, útil às intenções documentais, torna-se um dos fatores do anacronismo dos textos. Pode-se dizer que eles se tornaram crônicas urbanas da fase em que Alcântara Machado vivia ainda na "adolescência literária", segundo análise do crítico Sérgio Milliet.
4b. O ambiente exterior
As descrições espaciais propriamente ditas são raras: cita-se uma "rua suja de negras e cascas de amendoim"; comenta-se que "as bananas na porta da QUITANDA TRIPOLI ITALIANA eram de ouro por causa do sol"; registra-se a imagem dos "bondes formando cordão, apinhados, com gente no estribo. E gente na coberta. E gente nas plataformas. E gente do lado da entrevia.". Observe-se o emprego do polissíndeto para reforçar a ideia de acúmulo de pessoas.
4c. O ambiente interior
A descrição do ambiente interior é rara e simples. Vê-se no quarto de Carmela o mesmo tipo de caminha de ferro em que dorme o filho de Dona Bianca e Natale, no quarto dos pais, enfeitado por uma imagem de "Santo António di Padova col Gesù Bambino bem no meio da parede amarela." No quarto de Coronel Juca e de Dona Nequinha, também temos um santo - só que São José, numa redoma; o luxo de despertador e criado-mudo é prerrogativa dos donos da fazenda de café. Para lembrar: O autor escreve usando apenas o necessário para produzir impressões, disseminando os dados do ambiente nas entrelinhas dos enredos, o que confere às frases um colorido especial, pois evita digressões discursivas que quebrariam seu ritmo.

5. O tempo das narrativas e as narrativas no tempo

O tempo cronológico da maioria dos contos é bastante breve, concentrando-se os fatos em horas, dias ou semanas, em razão dos próprios enredos. Em "O Monstro de Rodas", o relato não ultrapassa o período compreendido entre o velório e o enterro de uma criança; em "Corinthians (2) vs. Palestra (1)", o enredo inicia-se em plena partida de futebol para encerrar-se no momento das comemorações da torcida vitoriosa. Em "Amor e Sangue", Nicolino um dia passa por Grazia sem vê-la, no outro a aborda quando "as fábricas apitavam". Por fim, quando mais uma vez "as fábricas apitavam", ele a mata com uma punhalada. No conto "Carmela", a protagonista é convidada, num fim de tarde, para um passeio de carro; no dia seguinte o realiza, levando junto a amiga Bianca; no domingo posterior, passeia de novo, dessa vez sem a acompanhante.
5a. Estilo sintético
Mesmo nos contos que cobrem uma extensão mais ampla da vida dos personagens (como "Nacionalidade", em que o enriquecimento e o abrasileiramento de Tranquillo Zampinetti vão da infância até o bacharelado do filho mais novo), é nítida a busca do autor pela síntese: passa-se de um momento a outro por meio de saltos que se traduzem graficamente por espaços em branco entre as partes de cada história. Empregam-se vários recursos para aparentar simultaneidade.
No conto "A Sociedade", por exemplo, a letra da música cantada pelo crooner de uma orquestra vem destacada em letras maiúsculas e fragmentada pelo relato do que ocorre no salão de baile, onde se ouvem trechos de várias conversas paralelas, ora transcritos em discurso direto, ora entrecortados pela repetição da referência genérica de que havia "alegria de vozes e sons". "O Monstro de Rodas" mostra em discurso direto a reza de uma Ave-Maria entremeada com a descrição de dados paralelos (carrocinhas derrapam na rua, alguém espia, alguém boceja). O momento mais dramático é acentuado pelo uso de parênteses para registrar ações simultâneas:
"O caixãozinho cor-de-rosa com listas prateadas (Dona Nunzia gritava) surgiu diante dos olhos assanhados da vizinhança reunida na calçada (a molecada pulava) nas mãos da Aída, da Josefina, da Margarida e da Linda."
Como em outros contos, verifica-se também neste o recurso da justaposição do nome de um personagem e dos dizeres de uma placa, promovendo, assim, uma associação imediata que dispensa quaisquer esclarecimentos:
"[...] Américo Zamponi (SALÃO PALESTRA ITÁLIA - Engraxa-se na perfeição a 200 réis)."
Dessa maneira, o autor obtém grande concisão ao substituir a eventual prolixidade discursiva pelo elemento concreto. Essa visão metonímica confere ao detalhe o poder de condensar o significado do todo.

6. Personagens superficiais ou trágicos?

Até mesmo alguns apreciadores das crônicas de Alcântara Machado criticam a falta de profundidade psicológica dos personagens de Brás, Bexiga e Barra Funda. Segundo eles, o autor limitou-se à criação de tipos, generalizando-os superficialmente e que, no fundo, encobririam o preconceito do "paulista quatrocentão" contra os imigrantes. Uma das críticas é a de que o autor jamais chegou a conviver com esses imigrantes, ao contrário de Juó Bananere que, enquanto era estudante da Escola Politécnica de São Paulo, frequentava o Bom Retiro, reduto de "carcamanos". Essa suposição ganharia pertinência apenas se fossem desconsideradas as afirmações do autor de que não se tratava de sátira, de que não pretendia se aprofundar, de que o que desejava era prestar "uma homenagem à força e às virtudes da nova fornada mamaluca", "novíssima raça de gigantes".
6a. O destino dos personagens
Também seria preciso ignorar o destino dos personagens: moças bonitas iludem-se com sonhos de fortuna ou sucesso (Carmela e Miquelina estão fadadas a escolher parceiros "da colônia"), crianças morrem (Gaetaninho, a filha de Dona Nunzia), têm desilusões (Lisetta) ou são forçadas a abrir mão da própria identidade para obter uma estreita perspectiva de progresso (caso do órfão Gennarinho - cujo nome mescla o italiano Gennaro com o sufixo diminutivo do português "inho" -, que deve se tornar Januário para fazer jus à condição de herdeiro brasileiro).
6b. Os novos-ricos
Mesmo os novos-ricos devem passar por muito trabalho e arcar com certas perdas. O Cav. Uff. Melli foi batateiro antes de se tornar a personificação do capital e padecerá socialmente com sua intransponível inadequação; Tranquillo Zampinetti começa fazendo barbas e acaba abrindo mão de suas prezadas raízes; Dona Bianca, enquanto sonha em morar em um palacete na avenida Paulista, passa horas no comando da cozinha e do bocce e tem um filho com a perna cheia de feridas. Anote! Verifìca-se que há mais pontos para o drama, os limites e as dificuldades do que para a esperteza, o arrivismo bem-sucedido e o otimismo. Os detalhes cômicos não tornam risíveis as figuras dessa galeria: reforçam o patético das situações e consolam o leitor, ao mesmo tempo em que ampliam sua empatia.
6c. A construção dos personagens
Eles são apresentados por meio de retratos muito econômicos. Em geral, a sua construção é feita a partir de dados inseridos dinamicamente no enredo. Suas características brotam da fixação instantânea de algum detalhe destacado num momento de ação, ou seja, decorre de uma alternância entre o contar e o mostrar: no lugar da adjetivação tradicional, são os fatos e dados concretos que os caracterizam cinematograficamente. É o que se pode ver nas seguintes descrições: Gaetaninho é ressaltado por suas sardas:
"Virou o rosto tão feio de sardento, e viu a mãe e viu o chinelo."
Em Gennarinho, o detalhe do nariz escorrendo retrata a falta de polidez do personagem, em contraponto aos componentes "chiques" de seu visual:
"[...] com o nariz escorrendo. Todo chibante. De chapéu vermelho. Bengalinha na mão."
Na descrição de Nicolino, o leitor capta o estado de alma do protagonista pela avaliação de outro personagem:
"la indo na manhã. A professora pública estranhou aquele ar tão triste."
A italianice de Nicolino está concentrada em um movimento típico, indicador de sentimentos violentos e promessa de vingança:
"Nicolino apertou o fura-bolos entre os dentes."
Detalhes de vestuário assumem a ação para denotar status e comportamento, como se vê na descrição de Adriano:
"A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino."
Técnica semelhante é utilizada para descrever Teresa Rita:
"Vestido de Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço."
Na descrição de Carmela, as peças do vestuário e o escandaloso da nudez dão conta da vulgaridade da personagem, ressaltada pela pretensa elegância da combinação de cores:
"O vestido de Carmela coladinho no corpo é de organdi verde. Braços nus, colo nu, joelho de fora. Sapatinhos verdes. Bago de uva Marengo para os lábios dos amadores."
O leitor vê Carmela à medida que ela se vê, isto é, participa da observação do próprio texto.
"Abre a bolsa e espreita o espelhinho quebrado, que reflete a boca reluzente de carmim primeiro, depois o nariz chumbeva, depois os fiapos de sobrancelha, por último as bolas de metal branco na ponta das orelhas descobertas."
A sequência de ações coordenadas informa concretamente o contentamento de Natale, detido pelo hábito ou pela necessidade de economizar. Graças à pontuação e ao uso do assíndeto, reproduz-se nas frases o ritmo do que ocorre e se faz.
"Deu na Dona Bianca um empurrão contente da vida, deu uma volta sobre os calcanhares, deu um soco na cômoda, saiu e voltou com meio litro de Chianti Rufino. Parou. Olhou para a garrafa. Hesitou. Saiu de novo. E trouxe meia Pretinha."
6d. Os figurantes
Não poderiam faltar nos painéis montados por Alcântara Machado. Embora possam estar desligados do enredo, são essenciais ao contexto global do livro: representam a heterogeneidade da população na capital, abarcando, por estereótipos, proletários italianos e negros em convivência com as famílias burguesas, pintadas também com cores críticas. Sua presença, muitas vezes, limita-se à menção de nome e profissão: "Conversando com o Geribello, o sapateiro, o pai da Genoveva."
Ou então a algum dado valorativo: "O filho do doutor da esquina, que era muito pândego e comprava cigarros no armazém mandando-os debitar na conta do pai com outro nome..."
Os figurantes aparecem também por meio da informação sobre sua raça: "Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar:
[...]
Ou ainda por seu nível cultural: "O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos."

7. Humor elitista ou crítica social?

Embora Alcântara Machado afirme que Brás, Bexiga e Barra Funda não é uma sátira, há quem veja, por trás da intenção de fixar o ambiente urbano dos pobres, um elitismo incontornável, como se o autor não pudesse abandonar sua condição de aristocrata, limitando-se a olhar de fora ou de cima, com uma simpatia muito próxima do paternalismo. Para lembrar: Não se deve descartar a constatação de que o efeito cômico obtido por Alcântara Machado, por meio de uma sutil ironia, ressalta o caráter de documento e crítica social das histórias, em que o riso mascara e ao mesmo tempo revela uma grande dose de piedade.
Ressalte-se ainda que a obra é dedicada a Lemmo Lemmi (1884- 1926), popularizado pelo pseudônimo Voltolino, grande ilustrador e caricaturista politicamente engajado, que procurava retratar a situação enfrentada pelos imigrantes no Brasil, mostrando uma realidade bem diferente das informações oficiais divulgadas pelo governo.
(www.literatura.2x.com.br)

RETALHOS DE TEXTOS DE ALCÂNTARA MACHADO

A SOCIEDADE 

— Filha minha não casa com filho de carcamano!
A esposa do Conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda disse isso e foi brigar com o italiano das batatas.
Teresa Rita misturou lágrimas com gemidos e entrou no seu quarto batendo a porta. O Conselheiro José Bonifácio limpou as unhas com o palito, suspirou e saiu de casa abotoando o fraque.
O esperado grito do Klaxon fechou o livro de Henri Ardel e trouxe Teresa Rita do escritório para o terraço.
O Lancia passou como quem não quer. Quase parando.
A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino.
Uiiiiia-uiiiiia! Adriano Meli calcou o acelerador. Na primeira esquina fez a curva. Veio voltando. Passou de novo. Continuou. Mais duzentos metros. Outra curva. Sempre na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Pouco antes do número 259-C sabe: uiiiiia-uiiiiia!
— O que você está fazendo aí no terraço, menina?
— Então nem tomar um pouco de ar eu posso mais?
Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pompeando na rua. Vestido de Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.
— Entre já para dentro ou eu falo com seu pai quando ele chegar!
— Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Deus!
Adriano Melli passou outras vezes ainda. Estranhou. Desapontou. Tocou para a Avenida Paulista.
Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar:
- Dizem que Cristo nasceu em Belém...
Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado furúnculo inflamou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. O namorado ainda mais.
Os pares dançarinos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo tremelicante. Dentro do círculo palerma de mamãs, moças feitas e moços enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas contentes prolongaram o maxixe. O banjo é que ritmava os passos.
— Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade.
— Não!
— Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu.
... mas a história se enganou!
As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios de farra muito engraçados. O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum!
— Meu pai quer fazer um negócio com o seu.
— Ah sim?
Cristo nasceu na Bahia, meu bem...
O sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bon mas a destra espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons.
... e o baiano criou!
— Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão da Teresa para o filho, você aponte o olho da rua para ele, compreendeu?
— Já sei, mulher, já sei.
(Texto extraído do livro "Brás, Bexiga e Barra Funda". In: Novelas Paulistanas, José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1975, p. 25).

MEDITATIO MORTIS(*)

Não quero morrer na Europa. Quero ir morrer no Brasil, na cidade de São Paulo, numa manhã bem quente. Sobretudo quero morrer de chapéu na cabeça.
Quem morre de chapéu na cabeça mostra que não tem respeito medroso pela morte. É camarada dela. O contínuo Serafim costuma dizer com muita admiração na porta do palácio presidencial: “Este deve ser grosso, entra de chapéu na cabeça”. Os que subindo a escada já vão tirando o chapéu esses são pedintes, são subalternos, vão ser desiludidos ou humilhados.
Eu não. Eu na manhã bem quente me aprontarei, sairei de casa andando firme, desejarei bom dia aos conhecidos da rua Ana Cintra, entrarei no largo de Santa Cecília e em frente da igreja, no meio do largo, subirei no refúgio me encostando no lampeão esgalhado. Nos braços do lampeão verde eu serei amparado quando chegar o momento. Como já disse: subirei no refúgio. Trinta centímetros sobre o nível dos paralelepípedos. Ferem nesse instante trinta centímetros serão uma altura vertiginosa. Eu me sentirei no alto, mas muito no alto. São Paulo então não abandonará seu filho. Com cheiro de gasolina, com fumaça fábrica, com barulho de bondes, com barulho de carros, carroças e automóveis, com barulho de vozes, com cheiro de gente, com latidos, cantos, pipilos e assobios, com barulho de fonógrafo, com barulho de rádio, campainhas, buzinadas, com cheiro de feiras, com cheiro de quitandas, todos os cheiros e também barulhos da vida, São Paulo encherá o silêncio da morte.
Porque não se deve esperar a morte deitado na cama, de cara amarela, de olhos fechados, entre remédios e lágrimas. Não é visita de médico. A morte não gosta da morte. A morte só gosta da vida. A morte chega no momento justo em que o homem vai perder a vida para não deixar o homem morrer: para dar vida eterna para ele. A morte é que imortaliza. Ela salva o homem que o mundo quer matar. Livra o homem do mundo.
Isso é insincero. Eu quero bem o mundo. Ferem quero mais a morte porque eu não conheço nada dela e por isso posso esperar tudo dela.
Quero passar de um amor menor para um amor maior e sou humano enfeitando o que virá com bobagens lugares-comuns. E não há maneira de caminhar sem dar as costas ao que se deixa. A lembrança do passado não existe porque passado lembrado é passado presente. Não é passado. Logo e em rigor este não existe.
Lembrado é presente e se liga ao futuro. Esquecido não é nada. Dos inumeráveis que eu fui sucessiva e simultaneamente cousa nenhuma resta. No único que eu sou agora (formado por eles) eles desapareceram. E eu sou a fusão depurada de todos para durar na morte, entrar e permanecer uno na morte.
A gente cai na vida que nem semente na sementeira: para ganhar forma.
Desenvolvida é transportada. Vai florir em outro lugar. Por isso é que se põem flores nos caixões e nos túmulos. É uma precaução piedosa: poderão servir para o defunto se os botões dele não vingarem. Casaca emprestada para o amigo figurar no baile. Dizem para o defunto: “Em todo o caso leve estas para a garantia”.
Para o amigo figurar no baile. Baile mesmo. Há um momento em que o homem enxerga dentro da morte como o convidado costuma espiar o salão antes de entrar. Ás vezes espia e não entra: o traje é de rigor. Volta para casa. Vai se preparar melhor. São os arrependimentos de última hora. Umas palavras, nem isso, um pensamento desmentindo, corrigindo uma vida inteira porque o homem verificou que não estava bem preparado para entrar na morte.
Prepara-se depressa para não perder o baile da morte sem fazer feio nele.
Eu entrarei de chapéu na cabeça. Direi: “Ó, não sabia que havia festa”. E o meu desembaraço será tão grande que ninguém atentará na minha deselegância.
António de Alcântara Machado
(Sereza, Haroldo Ceravolo. Matéria para o Caderno 2 “CULTURA”, de O Estado de S. Paulo, em 25 de fevereiro de 2001 – Pág. D1 – D4).

(*) O texto acima foi publicado apenas em 500 exemplares de uma edição de Em Memória de Alcântara Machado, para familiares e amigos, após a morte do escritor. Essas palavras foram escritas na Europa, quando de sua última viagem (1929-1930), e achadas entre os papéis que deixou. A ortografia apresentada no texto é a original do autor. Segundo Djalma Cavalcante (Biógrafo de Alcântara), como a reforma ortográfica estava em andamento, ele ainda não havia assimilado as novas regras ortográficas. Por isso, às vezes escreve na forma antiga e às vezes na forma nova. Esse mesmo texto, com o título “Meditatio Mortis”, por Luís Toledo Machado, pode ser encontrado em: Machado, Luís Toledo. António de Alcântara Machado e o Modernismo – Apêndice II, pp 148/149. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1ª ed. 1970.

NOTAS DIVERSAS:

1)  Em 1961: Brás, Bexiga e Barra Funda, Laranja da China, Mana Maria e contos avulsos, são reunidos na edição de Novelas Paulistas;
2)  Em 1975, José Mindlin promoveu, em edição fac-similar, as “revistas” que tiveram participação direta de António de Alcântara Machado: as duas fases da Revista Antropofagia, chamadas primeira e segunda dentições, com uma introdução de Augusto Campos. De Terra Roxa..., saiu também uma edição fac-similar, iniciativa da Livraria Martins Editora, São Paulo, 1977, com introdução de Cecília de Lara ;
3)  Em 1982, o livro “Brás, Bexiga e Barra Funda – Notícias de São Paulo”, recebeu o Prêmio Especial de Literatura da Associação Paulista de Críticos de Arte. “Terra Roxa... e Outras Terras, um periódico Pau Brasil”. (Machado, António Alcântara. Novelas Paulistas. 1ª ed. rev. E aum. Itatiaia, Belo Horizonte & Ed. da USP, São Paulo, 1988, p. 22):
4)  Em 1983, o livro foi reeditado;
5)  Em 1994, o livro na Ed. fac-similar de 1982, teve uma reimpressão (10 mil exemplares), pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – IMESP;

FONTES PESQUISADAS:

- Alambert, Francisco. A Semana de 22: A Aventura Modernista no Brasil. Editora Scipione, São Paulo, 2ª ed., 1994;
- Almeida, Guilherme de. Os Melhores Poemas de Guilherme de Almeida. Seleção de Carlos Vogt. Global Editora, São Paulo, 2ª ed., 2001;
- Alves, Regina Célia dos Santos. Cenas Paulistanas: Imagens de São Paulo em Contos de Alcântara Machado. TriceVersa – Revista do Centro Italo-Luso-Brasileiro de Estudos Linguísticos e Culturais, Vol. 1, Nº 2, Nov. 2007 a Abr. 2008);
- Amaral, Aracy. Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral. Edusp & IEB, São Paulo, 1ª ed., 2001;
- Andrade, Mário de. O empalhador de passarinho. Belo Horizonte: Itatiaia,
2002;
- _________. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Moraes, neto, (1924/36). Org. de Georgina Koifman. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1985;
- _________. Mário de Andrade Escreve Cartas a Alceu, Meyer e outros. Coligidas e anotadas por Lygia Fernandes. Ed. do Autor, Rio de Janeiro. 1ª ed. Exemplar nº 1585, 1968;
- Barbosa, Francisco de Assis. A Vida de Lima Barreto. Itatiaia, Belo Horizonte e Editora da USP, São Paulo, 7ª ed., 1988;
- Bosi, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira - Editora Cultrix, SP, 1992;
- Camargo, Marcia. Belle Éppoque na Garoa. São Paulo entre a tradição e a modernidade. Pesquisa e texto de Marcia Camargos. Fundação Energia e Saneamento, 1ª ed., São Paulo, 2013;
- Candido, Antonio & Castello, Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira – Modernismo. Difel, São Paulo/Rio de Janeiro, 7ª ed., 1979;
- Carmo, Eduardo Benzatti do. A obras ficcional e jornalística do escritor António de Alcântara Machado, letras e imagens. Tese p/ doutorado em Ciências Sociais (Antropologia), PUC, São Paulo, 2004;
- Carvalho, Sérgio de. A cena de Alcântara Machado. Revista Bravo, nd;
- Castello, José Aderaldo. Antologia do Ensaio Paulista – Vol. III. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1ª ed. pp.139 a 147, 1960;
- Coutinho, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Ed. Distribuidora de Livros Escolares, Rio de Janeiro, 7ª ed. 1972;
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(*) As fotos postadas no bojo do texto com fontes não identificadas foram adquiridas em busca de imagem na Internet.

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Pesquisa elaborada por Luiz de Almeida - Blog Retalhos do Modernismo.
Última atualização: 29 de abril de 2016