domingo, 25 de maio de 2008

PROFº LATUF MUCCI: "IMAGENS PICTÓRICOPOÉTICAS DE MÁRIO DE ANDRADE"

IMAGENS PICTÓRICOPOÉTICAS
DE MÁRIO DE
ANDRADE

Latuf Isaias Mucci*


Resumo:

Os traços do Decadentismo no retrato múltiplo de Mário de Andrade, reverberado tanto nos retratos pintados por modernistas como nos poemas escritos pelo poeta de Paulicéia Desvairada.

No retrato múltiplo de Mário de Andrade (1893-1945), o dandismo vinca-se como traço comum, mesmo que sua mais dedicada estudiosa, Telê Ancona Lopez, veja-o como um “dandy feio” (1). Essa expressão – “Mário, o dandy feio”-, sem dúvida cunhada com imenso carinho, estrutura um paradoxo, na medida em que o dandismo quase equivale à beleza e certamente torna-se, pelo menos do ponto de vista dos que exibem o traço do dandismo, sinônimo de elegância ímpar. (2) Aliás, Roland Barthes, dândi da escritura, reconhece, em seus pares, o “uso desvairado do paradoxo” (3), observação que legitimaria a “feiúra” de Mário, superada, segundo Telê Lopez, “nos requintes e nas sensações” (4).
Essencialmente paradoxal, o dândi almeja forjar-se como obra de arte e cerca-se de “outras” obras de arte, povoando de singular beleza seu requintado isolamento, seu eleito exílio da sociedade dos filisteus, seu afastamento, com marcada indiferença, do mundo vulgar da plebe ignara. Revela-se, portanto, colecionador ou um ser que, não só, conforme postula Baudelaire, aspirando “a ser sublime o tempo todo”, vive e dorme “diante de um espelho” (5), mas, ainda, erige seu habitat como museu, galeria, cenário, teatro perfeito. Esse lar das artes estabelece, com seu sofisticado habitante, uma relação especular: os livros, por exemplo, tornam-se, como observa Susan Sontag, a respeito de Baudelaire, dândi inaugurador da poesia moderna, “objeto de contemplação, estímulo ao devaneio” (6).
Num só fragmento, temos o retrato escrito do dândi ungido e do colecionador cuidadoso, em êxtase literal diante das “coisas boas” e belas. Também em carta a Portinari, seu privilegiado interlocutor, reafirma esse seu movimentar esteta entre obras de arte:

Ontem enfim, passei o dia rearranjando este meu estúdio, e coloquei a Colona sentada e a Composição nas paredes. Ficou tão lindo que passei o dia todinho no quarto, gostando de viver, olhando os quadros, os marfins, num silêncio amoroso, cheio de belezas companheiras (7).

Colecionador como todo dândi que se preza e que preza, acima de tudo, a beleza, Mário de Andrade difere, todavia, do dândi-colecionador, na medida em que não adquire obras de arte pelo absoluto prazer solitário da arte, pela pura contemplação e pela extremamente narcísea autocontemplação, tampouco para encerrar-se na torre de marfim do esteticismo (8). Mesmo gozando, “sensualissimamente feliz”, seu “museu” particular da Rua Lopes Chaves, em São Paulo, o pensador de “O Movimento Modernista” (1942) jamais perdeu de vista o horizonte do compromisso social do artista, fornecendo, pioneiramente, “subsídios para uma história da renovação das artes no Brasil” (9). Baluarte do modernismo, coletou obras que mostrassem, em sua pujança criativa, a arte brasileira. Se colecionou arte estrangeira, fixou-se, sobretudo, nas manifestações da cultura nacional, nas expressões artísticas do nosso País, que, naqueles anos heróicos, necessitava, urgentemente, segundo o rapsodo de Macunaíma, de uma digital apenas fornecida pela arte. Peregrinando pelo Brasil, pesquisou sua cultura popular, o folclore, recolheu lendas, arrematou fatos e fotos, registrou cantos e canções, conquistou artistas do povo, adquiriu peças, enfim configurou, em sua casa, o universo cultural brasileiro, onde se marcaram fases de artistas, seus contemporâneos, que ele, professor-pesquisador-crítico, estimulou. Com sua aguçada consciência da cultura brasileira, colecionou desenhos, desenhos infantis e desenhos de alienados, gravuras, pinturas (óleos, têmperas, afrescos, guaches, colagens), esculturas (em metal, madeira, terracota, marfim), imagens religiosas, peças populares.
Na vasta coleção do vário Mário, recortamos três retratos – três quadros a óleo, precisamente assinados por modernistas-fundadores, que pintaram esse esteta engajado (esteta engajado: eis outro evidente paradoxo, visto que o esteticismo corta a arte de qualquer outro vínculo que não seja a l´art pour l´art)(10). Destarte, privilegiamos os retratos de Mário de Andrade pintados por Anita Malfatti, Lasar Segall e Candido Portinari. “Flanando” pela galeria Mário de Andrade, observamos que nosso modernista mor gostou de posar, serviu de modelo e operou como mote a muitos artistas plásticos, constituiu um memorial enfornado pela arte. Convém notar que o próprio Mário ensaiou uma investida nas artes plásticas. Contemplando, sobretudo, os retratos por Anita, Segall e Portinari, estabelecemos um confronto com certos fragmentos líricos do poeta de Paulicéia Desvairada, que declara, em alto e bom som, o vínculo entre sua produção literária e as artes, sejam plásticas (no caso vertente), seja a música.

No confronto da imagem pictórica e do texto (embora fragmentado) poético, intencionamos espelhar, um pouco mais, em tintas e em letras (11), o mutante perfil de Mário de Andrade, esse Narciso de 300/350 lagos. Aliás, já se tornou lugar quase comum citar o poema “Eu sou trezentos” (12), quando se refere à multiplicidade mariodeandradiana. Apoiando-nos na tradição desse clichê, fazemo-nos tutelar pelo nosso Autor, que abre O losango Cáqui (1924), dedicado a Anita Malfatti, enunciando: “Esse lugar-comum inesperado: Amor” (13). “Face Dispersa”, Narciso estilhaçado, senhor dos refrões, Mário, que esperava um dia topar consigo, tem em suas várias versões, picturais e escriturais, o ensaio da expectativa do reencontro. Desmultiplicada em vários ângulos, a imagem de Mário realiza aquilo que Leonardo da Vinci designou como “a infinidade inesgotável dos aspectos”.

Semelhantemente ao poeta imagístico inglês T.S. Eliot, forjara Mário de Andrade múltiplos rostos para enfrentar o outro e a si mesmo; tais ardis seguiram o compasso de um vertiginoso inventário, fixado, por exemplo, em quadros a óleo. Na perenidade da arte, Mário fica registrado ad perpetuam rei memoriam; “Nesta imagem/imagem de Marioenorme, multimário, plurimário dos amigos, dos críticos, dos admiradores(...)” (14), declama Telê, sua cultora.

Na crônica, “No Atelier” (15), Mário descreve o momento em que pousa para Anita, ele e Anita - almas “enclausuradas no sacrifício conventual das artes” (16).

Contemplando a artista que pinta, o modelo não esquece o ambiente da rua - “Havia uma alegria de milagre lá fora” (...) “A manhã infantil que cambalhotava pelos morros, em frente” -, que contrastava com a “penumbra oleosa do atelier” (17), com “a meia tinta do aposento” (18). Terminada a obra, o modelo pode concluir sua meditação diante da arte e da artista: “E ficamos os dois, Anita e eu, mudos, parados, horrorizados porque lá fora chamava-nos a manhã infantil e no silêncio do atelier (...)” (19).

Entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918, Anita Malfatti realizou, em São Paulo, sua segunda exposição individual, que, com traços nitidamente expressionistas, se consagrou como o marco inicial do movimento modernista. Dois retratos de Mário de Andrade foram pintados por Anita: um, sem data, em carvão sobre papel; o quadro a óleo sobre tela data de 1923, tem as dimensões 44x38. Com certo ar fauve, tingido de expressionismo, Mário retratado, com gravata, barba e bigode, óculos, olha, talvez tristemente, o espectador; ressalta-se a boca vermelha, querendo esboçar um sorriso quase enigmático de Mona Lisa (1503). Desse retrato fala o próprio modelo, ícone como Malfatti, do Modernismo:

Suas cores eram fantasmagorias simbólicas, eram sinônimos! Por trás da minha face longa, divinizada pelo traço do artista, um segundo plano arlequinal, que era minha alma. Tons de cinza que eram minha tristeza sem razão... Tons de oiro que eram minha alegria milionária...
Tons de fogo que eram meus ímpetos entusiásticos...
(20)

A esse retrato, podemos articular o poema “O Trovador”, de Paulicéia Desvairada (1922):

Sentimentos em mim do asperamente dos homens das primeiras eras...
As primaveras de sarcasmo intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlrorom...
Sou um tupi tangendo um alaúde!
(21)

Também de Paulicéia desvairada, o poema “Tristura”, aqui em fragmento, ecoa no retrato por Anita:

Profundo. Imundo meu coração...
Olha o edifício: Matadouros da Continental.
Os vícios viciaram na bajulação sem sacrifícios...
Minha alma corcunda como a avenida São João...
E dizem que os polichinelos são alegres!
Eu nunca em guisos nos meus interiores arlequinais!...
Paulicéia, minha noiva... Há matrimônios assim...
Ninguém os assistirá nos jamais!
As permanências de ser um na febre! (...)
(22)

Lasar Segall, lituano imigrado, em 1923, no Brasil, produziu uma arte de derivação expressionista, com traços fauves e cubistas. Com ele se encantou Mário de Andrade, cujo retrato data de 1927. Veste-o Segall como um verdadeiro dândi europeu: terno cinza, gravata branca com figuras geométricas, lenço na lapela, óculos bem leves. A pose é de esguelha e, no rosto afilado, sobressai a boca, carnuda e vermelha, remetendo ao sensualismo tropical. Insere-se o poeta num contexto mondrianiano, quase um quadro de fundo para ressaltar a figura do modelo. No famoso oxímoro mariodeandradiano – “Sou um tupi tangendo um alaúde” (talvez contracanto ao aforismo oswaldiano “Tupy or not tupy”) – Segall parece privilegiar o alaúde, instrumento sofisticado, acompanhador, na Europa, de canções eruditas (23). No terceiro verso de “Eu sou trezentos...”, defrontamo-nos com um enigma: “Oh espelhos, oh Pirineus! Oh caiçaras!” (24), tríade simbólica que contrapomos ao tupi do alaúde e que remetemos ao poema “Improviso do mal da América” (1929), de Poemas da negra (1929), dedicado a Cícero Dias; desse belíssimo poema, transcrevemos os versos finais:

Mas eu não posso me sentir negro nem vermelho!
De certo que essas cores também tecem minha roupa arlequinal,
Mas eu não me sinto negro, mas eu não me sinto vermelho,
Me sinto só branco, relumeando caridade e acolhimento,
Purificado na revolta contra os brancos, as pátrias, as guerras, as posses,
as preguiças e ignorâncias!
Me sinto só branco agora, sem ar neste ar-livre da América!
Me sinto só branco, só branco em minha alma crivada de raças!
(25)

No que tange (e tinge) ao sintagma “espelhos, Pirineus, caiçaras”, Mário oferece uma explicitação fonético-cultural, na marginália de Remate de Males (1930):

Esta é uma das cinco expressões nascidas mais espontaneamente em mim, e das que mais me deslumbram... Nunca pude saber o sentido exato dessas palavras, mas elas porém ficaram em mim como um refrão do significado íntimo do meu ser. “Procurei me analisar e achei uma explicação plausível” pra “Pirineus, caiçara”. Me parece que tem visivelmente aí uma antítese; a pesquisa violenta, exacerbada, voluntária do Brasil, explodindo num brasileirismo violento “caiçara”, é a minha mania de estudar, de me cultivar,que me fazia tão livre, tão longínquo do Brasil, fulgindo na palavra Pirineus. Essa angústia desnacionalizante da cultura (...). Mas o engraçado é o caso da palavra “espelhos”. Juro que jamais consegui lhe penetrar o sentido, embora eu a sentisse “verdadeira”, impossível de mudar. (...) Se os dois outros termos parecem (não tenho certeza) exprimir valores do meu ser coletivo, brasileirismo ibérico e cultura franco-internacional, “espelho! Refletia uma atitude meramente individualista do ser, uma instintividade epidérmica, coordenada organizadamente numa constância.
O “espelho” mirado me indicava a postura do retrato que eu queria tornar. Se é certo que nunca estudei atitudes no espelho, não é menos certo que muitas vezes me surpreendi me contemplando, me observando no espelho, e me retirava dele envergonhado
(26).

Mapeando a trajetória estética, “a biografia plástica” (27), desde Dresde a São Paulo, do pintor do painel “Navio de emigrantes” (1939-1941), Mário de Andrade compôs um ensaio encomiástico, intitulado “Lasar Segall”, de que extraímos alguns excertos:

Condensação desenhística que soube compreender a lição da arte negra e do Cubismo, desdenhando qualquer descritividade formal por meio de simplificações triangulares que organizam dentro da tela uma trama concentradora de linhas e espaços. E também Condensação cromática que, si se exprimia em tonalidades intensas enervadas inda mais pela bravura do pincel, já demonstrava um horror instintivo das cores radiantes e felizes. Não existem os vermelhos puros, a ausência do azul é quase total (28).

O crítico entusiasta não deixa de referir a influência do Brasil no jovem que aportara trazendo uma fortíssima carga de expressionismo: “o Brasil revelou-me o milagre da luz e da cor, ele confessará mais tarde” (29). Insistindo na condensação (palavra-chave, segundo Mário) na obra segalliana – condensação anímica, condensação desenhística, condensação plástica, condensação cromática, condensação dramática. Aludindo a outra condensação, afirma o enamorado contemplador:

Não é mais o fulgor duma nota viva que o atrai, algum contraste brutal, mas a vida secreta dos tons numa variedade sutil, em que de novo o pincel contagia a tela, lhe deixando a lembrança voluptuosa do seu beijo (30).

Quase no limiar do ensaio “Lasar Segall”, Mário de Andrade cita uma “norma premonitória” do seu pintor; “o artista está entre a terra e o céu” (31), epigrama retomado lá pelos fins do mesmo texto crítico; essa “norma” poderia ser também aplicada a Mário de Andrade, colecionador hedonista e artista envolvido na “própria vida com suas dores fidelíssimas” (32). Se Lasar Segall, lituano tornado brasileiro, realça o lado alaudista de Mário de Andrade, Candido Portinari, paulista como o retratado, calca suas tintas no aspecto “tupi”, “caiçara”, “bardo mestiço”. Operando no limiar entre certo academicismo e certeiro modernismo, o pintor de Brodósqui representa e apresenta um Mário forte, com tórax erguido (“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”), queixo altaneiro, com olhar firme, que não fita quem o olha, contudo mira longe. Seu vestuário nada tem da indumentária de um dândi; enverga uma camisa comum, ligeiramente aberta, mostrando parte do colo. Como nos retratos a óleo, pintados por Anita e Lasar, a boca avulta-se no quadro de Portinari: a boca encarnada, com lábios grossos, que fala, que critica, que acolhe, que beija. Ao fundo dessa “Gioconda” talvez perplexa, uns retirantes, um casebre, uma bandeira hasteada, um céu com tons de azul escuro e azul claro, combinando com o azul da camisa do modelo.
Nesse retrato em azul, projetamos o poema XXXIII, de O Losango Cáqui:

Meu gozo profundo ante a manhã Sol
a vida carnaval
Amigos
Amores
Risadas
Os piás imigrantes me rodeiam pedindo retratinhos
de artistas de cinema, desses que vêm nos maços de cigarros
Me sinto a Assunção de Murillo!
Já estou livre da dor...
Mas todo vibro da alegria de viver.
Eis porque minha alma inda é impura
(33).

Outro poema, este de Clan do jaboti (1927), dedicado a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), pode dialogar com o quadro de Portinari:

O poeta come amendoim (1924)

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados
Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.
(...)
A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
(...) Brasil que eu amo não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso
(...)
(34).

Lançado por Mário de Andrade, a partir do Salão de 1934, no Rio de Janeiro, Portinari é visto como a imagem do artista brasileiro ideal e necessário naquele momento de nossa história, como pondera a crítica de arte Annateresa Fabris:

Orgulhoso por ter sido o descobridor de Portinari, por tê-lo apoiado a despeito da preferência dos demais modernos por outros artistas, Mário de Andrade converte-se desde logo em seu paladino, a defendê-lo, antes de tudo, das “investidas insidiosas” de Segall (35).

No retrato pintado, Portinari inscreve uma feliz analogia: “Você parece um santo espanhol de madeira, do século treze” (36). “Correspondente contumaz”, de outra mineira (37) (além de Pedro Nava, Drummond...), a poetisa Henriqueta Lisboa: falecida no dia 9 de outubro de 1985, dia em que Mário completaria 91 anos) foi sua confidente também quanto à obra de Portinari e dele recebeu carta, datada de 11.VII.41, onde considera:

Nunca fui procurar nos meus livros os santos espanhóis do “século treze” exatamente, pra ver si ele acertou na data.
Mas sei o que ele queria dizer, vendo atrás da minha feiúra Dura e minha cor que são bem de madeira, uma bondade, O sujeito bom que ele exigia de mim pra me querer bem
(38).

Assumindo sua sacra “feiúra”, o dândi, colecionador de imagens de santos, aponta a arte, “transfiguradora”, sobretudo quando se executa o concerto das várias artes, sob a regência da busca incessante da própria identidade, da identidade da cultura do Brasil, das identidades disseminadas em poemas, quadros, textos. Não ostentará “o brilho inútil
das estrelas” o exercício de Narciso, espelhado nos lagos de quadros a óleo e em ressonâncias de alguns fragmentos líricos. Diferentemente de Dorian Gray – protagonista do romance The Picture of Dorian Gray (39) de Oscar Wilde, Mário de Andrade não firmou um pacto fáustico com a arte. Nas múltiplas versões de The Picture of Mário de Andrade, encontramos tanto “o diabo” quanto “o anjo”, a que o próprio retratado se refere ao comentar, respectivamente, seu retrato por Segall e por Portinari (40). Segundo Eneida Maria de Souza, nosso Autor, assim refletindo sobre seus dois aspectos, o diabólico e o angelical, vale-se do artifício de falar de si através do outro, recompondo imaginariamente seu auto-retrato, com a ajuda de várias mãos e em diversos tons(...). Esse retrato, traçado e vivido de forma inacabada ao longo do tempo, recebe novo contorno quando é contemplado no presente, à distância e na pele de um personagem que pensa na terceira pessoa (41).

Se, em carta, de 1924, a Drummond, Mário de Andrade afirma “o importante não é ficar, é viver. Eu vivo”, podemos, igualmente, considerar que o poeta retratado – Narciso espelhado nas “águas oleosas” desse Tietê da pintura - não só viveu, breve, porém intensamente, como ficou, através da magia da arte, tanto da que ele copiosamente produziu quanto da que ele inspirou e tem inspirado, em tintas e letras.

Notas

(1) LOPEZ, Telê Ancona. O riso e o ríctus. In:____. A Imagem de Mário. São Paulo: Alumbramento, 1984. p. 12.
(2) MUCCI, Latuf Isaias. Ruína & simulacro decadentista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994. p. 49-53.
(3) BARTHES, Roland. Roland Barthes. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 114.
(4) LOPEZ, Telê. Loc. Cit.
(5) BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres complètes. Paris: Robert Lafond, 1980. p. 406.
(6) SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno. São Paulo: L&PM, 1986. p. 93.
(7) _______. In:____. A Imagem de Mário. Loc. Cit., p. 164.
(8) MUCCI, Latuf Isaias. A poética do esteticismo. 1993. Tese (Doutorado em Poética)-Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. Mimeo.
(9) AMARAL, Aracy. Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Perspectiva, 1972.
(10) MUCCI, L.I. A poética do esteticismo. Loc. Cit.
(11) Sinalizamos que o verbo grego graphein traduz-se por “pintar” e “escrever”, como se a pintura fora uma scritura e vice-versa. Ipotesi - Juiz de Fora - v.7 - n.2 - pag 51-59 - jul/dez – 2003
(12) ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. p. 211.
(13) _______. Id., ib. p. 123.
(14) LOPEZ, Telê. Loc. Cit., p.9.
(15) ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 47-50.
(16) Id., ib.. p. 49.
(17) Id.,ib.. p. 47.
(18) Id.,ib.. p. 49.
(19) Id,,.ib.. p. 50.
(20) ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti. Op. cit.. p. 48.
(21) ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Op. Cit.. p. 83.
(22) Id.,ib.. p. 90.
(23) ANDRADE, Mário de. Dicionário musical brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989. p. 15.
(24) _______. Poesias completas. Op. Cit. p. 211.
(25) Id.,ib.. p. 266-267.
(26) ANDRADE, Mário de. Poesias completas, Loc. Cit.,. p. 46, 47, 48.
(27) _______. Aspectos das artes plásticas no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. p. 43.
(28) Id, ib.. p. 46.
(29) Id.,ib.. p. 47.
(30) Id., ib.. p. 51.
(31) Id.,ib.. p. 46.
(32) Id., ib.. p. 61.
(33) ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Loc., cit.. p. 146.
(34) Id.,ib.. p. 161-162.
(35) FABRIS, Annateresa. História de uma amizade. In: ANDRADE, Mário de. Portinari, amico mio. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p. 17.
(36) Id.,ib. ,p.24.
(37) ANDRADE, Mário de. Carta aos mineiros. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. p.26-30. (Nesse passo há uma relação de todos os correspondentes mineiros do poeta paulista).
(38) ANDRADE, Mário de. Querida Henriqueta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990. p.51.
(39) MUCCI, Latuf Isaias. Ruína & simulacro decadentista. Loc.cit.. p.72-76.
(40) ANDRADE, Mário de. Querida Henriqueta. Loc. cit.. p.56-57.
(41) SOUZA, Eneida Maria de. Memorial. UFMG, 1991. p.8. Mimeo Imagens pictórico-poéticas de Mário de Andrade - Latuf Isaias Mucci .

(Latuf Isaias Mucci – Pós-doutor em Letras Clássicas e Vernáculas (USP); doutor em Poética (UFRJ); mestre em Ciências Sociais (Unversité Catholique de Louvain, Bélgica); mestre em Teoria Literária (UFRJ); professor dos Programas de Pós-Graduação em Letras e em Ciência da Arte, da UFF. Poeta, ensaísta, crítico literário e de artes.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

MANIFESTO "RENÉ THIOLLIER": PARTICIPE

O Blog RETALHOS DO MODERNISMO

JUNTO NO MANIFESTO: RENÉ THIOLLIER



Seria desdenhável o RETALHOS DO MODERNISMO ficar distante ou "tucanar" neste momento em que unem-se a intelectualidade da Paulicéia e exercita o direito de cidadania na proteção de um patrimônio histórico e cultural da cidade de Mário de Andrade.


Como é sabido, e quem não sabe irá tomar ciência agora, que o Exmo. Prefeito da cidade de São Paulo, formulou um Decreto, instituindo o nome do meu querido e inesquecível governador Mário Covas ao recinto onde dantes fora ocupado pelo grande René Thiollier - isso em plena Avenida Paulista. E, por assim ser, talvez num ato de puro entusiasmo político ou falta de assessoramento refinado, deslizou e acabou interferindo, por enquanto e teóricamente, no desvio da prática da conservação do Patrimônio Público e Cultural da cidade Marioandradiana.


Formou-se então um colegiado de intelectuais e amantes da cultura paulista, na tentativa de uma mobilização culta e pacífica, para solicitar ao Exmo. Prefeito, que revogue ou, sabiamente, apenas e tão somente, "volte atrás" e desista da proposta.


O movimento é o que segue abaixo:


- Realizar um abaixo assinado para futuramente encaminharmos ao Sr. Prefeito solicitando a revogação do Decreto. Para isso, basta entrar no no menu - MANIFESTO e coloque seu nome e RG, no endereço que está abaixo. Os dados serão preservados em banco de dados e somente estarão impressos ao entregarmos o abaixo assinado; peço que indique aos amigos e artistas!
http://www.renethiollier.com/default.asp



Se necessitar de mais informações, entre no site da Revista Virtual "Migalhas":
http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=59704


Se ainda não estiver satifeito e necessitar de mais detalhes, clique no link abaixo e leia a matéria editada no Estadão:




Apesar de ter a oportunidade de encontrar uma infinidade de informações a respeito do nosso RENÉ THIOLLIER, segue abaixo uma síntese simplista da atuação desse grande homem quando da realização da Semana de Arte Moderna de 22:


O MODERNISTA RENÉ THIOLLIER

Luiz de Almeida


Impossível pesquisar ou estudar a Semana de Arte Moderna de 22, mesmo partindo do período antecedente, e não encontrar o nome de René Thiollier. Até o Yan de Almeida Prado (que segundo Menotti não entendeu nada do que foi o início do Movimento Modernista – e, na verdade, Yan foi atacado pela inveja de não ter conseguido acompanhar a inteligência dos “moços de 22”, e no fim da vida, na sua insanidade, detonou a Semana), menciona respeitosamente o nome de René Thiollier nos seus ressentidos depoimentos sobre a Semana de 22 e seus personagens.
No discurso de Oswald de Andrade, em 9 de janeiro de 1921, no Trianon, por ocasião do banquete oferecido a Menotti Del Picchia, onde também estavam presentes: Mário de Andrade, Brecheret, Guilherme de Almeida, Armando Pamplona, Mick Carnivelli e RENÉ THIOLLIER, aquele futuro modernista-antropofágico, em seu lindíssimo discurso, entre inúmeras frases, umas poéticas e outras agressivas, chamava a atenção de todos para uma luta árdua contra as adversidades, que poderiam durar anos e anos, mas São Paulo seria uma Paulicéia progressista, pois já havia se iniciado uma revolução cultural desde a exposição de Anita Malfatti e que teria seu instante maior e sua efetivação quando da realização da Semana de Arte Moderna em 22.
Tudo muito lindo. Só que os “moços” de 22 necessitavam de apoio político e financeiro. Para cobrir essas necessidades surgem: RENÉ THIOLLIER, Paulo Prado, Dª. Olívia Penteado e outros.
Mário da Silva Brito, deixa bem claro que a Semana aconteceu no Teatro Municipal por influências políticas, mas principalmente pela organização e dispensa financeira de RENÉ THIOLLIER.



O mestre Francisco Alambert, no seu livro “A Semana de 22 – A Aventura Modernista no Brasil”, ed. Scipione, 2ª Ed. 1994, nas páginas 44/45, deixa evidente a participação efetiva de RENÉ THIOLLIER:



(...)
O escritor e plantador de café René Thiollier foi, segundo ele mesmo, o “empresário” responsável pela administração dos recursos destinados à Semana. No recibo referente ao aluguel do Teatro Municipal, vemos que o nome inicialmente pensado para o evento era Semana de Arte Futurista, abandonado depois pelos participantes, a fim de que não fosse confundido com o Futurismo italiano – que a essas alturas já estava comprometido com o fascismo nascente -, ou simplesmente para demarcar uma originalidade diante das vanguardas européias. Assim Thiollier descreveu seu trabalho de bastidores nas noites de fevereiro:
“O fato é que, sobre as minhas costas, choveram pesadíssimos encargos. Nunca me via assim metido num afogo de trabalhos. Corria de um lado e de outro, perseguido pelo tilintar do telefone. Quando acabava de me fazer ouvido às lamúrias de um descontente, via chegar o bilheteiro, que me anunciava fraca a venda das entradas. Até o Conde X – (uma vergonha! um homem riquíssimo!) -, pretextando um ataque de gota, de que era atreito, havia devolvido a friza que lhe eu rogara que ficasse”.
Thiollier nos dá outra importante informação pra se perceber que, perante a ordem vigente e aos poderes do Estado, a suposta “marginalidade” da Semana precisa ser relativizada:
“Consegui ainda de outro amigo meu, o Sr. Dr. Washington Luís Pereira de Souza, presidente do Estado, que se governo custeasse uma parte das despesas com a hospedagem dos artistas e escritores do Rio”.


Outras passagens envolvendo RENÉ THIOLLIER, para conhecer melhor a história desse homem que contribuiu muito para com a cidade de São Paulo, basta acessar os sites mencionados no início do texto.
O objetivo do projeto é “tentar” convencer o atual prefeito da cidade de São Paulo, que o nosso, pelo menos foi e é para mim, "o grande governador Mário Covas", não ficaria nenhum um pouco satisfeito em ver seu nome sobrepondo o de um outro grande homem que tanto fez e amou a cidade de São Paulo, que foi o modernista RENÉ THIOLLIER.


É pertinente até mesmo mencionar uma segunda proposta ao Excelentíssimo Prefeito da Paulicéia: ler, reler e meditar o discurso de Oswald de Andrade feito no Trianon em 9 de Janeiro de 1921, transpondo as mensagens e os ditos para os dias atuais, que culminarão numa vasta contrariedade à proposta do seu Decreto.


"Não deixe de participar mesmo que você não seja paulista e nem paulistano" - mas é uma pessoa que está envolvida com a cultura e com o Patrimônio Histórico Brasileiro".

sábado, 10 de maio de 2008

CARTAS DE MÁRIO DE ANDRADE PARA ZÉ BENTO

UM BELO PRESENTE
Luiz de Almeida


Ao abrir a caixa de e-mail tive a grata satisfação de encontrar correspondência do filho do meu professor de História, de nome Luís, aquele que me induziu, indiretamente, às pesquisas e aos estudos sobre o Modernismo Brasileiro e a Semana de Arte Moderna de 22. Luís Carlos Filho, narra sua emoção ao ler o "PREÂMBULO NÃO MUITO INTERESSANTE", postado neste Blog no dia 8 do correte mês, para o texto: "TESTAMENTO DE MENOTTI DEL PICCHIA SOBRE A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922" (Ver texto na sequência deste), onde narro o episódio que o seu pai havia solicitado que eu lesse A Revolução Paulista, do Menotti. Segundo o Luís Filho, seu pai falecera um dia após completar 78 anos, de enfarto. Deixara como herança uma biblioteca com mais de 8 mil livros; uma pasta arquivo contendo mais de 300 trabalhos de ex-alunos, onde o pai fizera anotações e comentários no verso das folhas, todas datilografadas. Dentre esses trabalhos, após vasculhar um a um, encontrou um do aluno Luiz Antonio Alves de Almeida, nº 29, um resumo sobre o livro "A Revolução Paulista", com a seguinte anotação no verso da última folha: "Resumo ótimo... mas tem mão de gato".

Nem preciso dizer que também isso me emocionou, principalmente pelo fato dele mencionar no final que iria tirar uma cópia xerox e enviar para mim. Jamais imaginei que o "danado" do professor Luís havia descoberto que não fora eu o autor daquele resumo. Apesar de sentir-me envergonhado, ri muito, pois hoje entendo que foi de uma sacanagem terrível da minha parte, mas... já faz tanto tempo, que agora passa ser apenas um episódio de lembrança e risos.
Nesse mesmo e-mail, Luís Carlos, gentilmente envia-me como anexo um texto simplesmente espetacular sobre Mário de Andrade e seu secretário Zé Bento, que, sem perder tempo, cravo no Blog, na sequência, pois é um texto maravilhoso que servirá para estudar e compreender mais um pouco da vida marioandradiana.
E, como agradecimento ao dileto Luís Carlos, servindo também como uma singela homenagem ao seu querido pai e meu ex-professor de História, eis o texto na íntegra:

A MINÚCIA DO COTIDIANO: CARTAS DE MÁRIO DE ANDRADE A SEU SECRETÁRIO JOSÉ BENTO
Marcos Antonio de Moraes


Testemunho de incomunicabilidade dos mais dolorosos na obra poética de Mário de Andrade, estes versos, em “Nunca estará sozinho”, evocam familiarmente, na Lira Paulistana, o jovem secretário com quem o escritor compartilhava a labuta diária de homem de letras no sobrado da Lopes Chaves: “Zé Bento vem comigo,/ Confissões na garganta,/ Nunca estará sozinho.” Se o poema, em sua totalidade de sentido, perfaz o périplo da “angustiosa impossibilidade de solidão”, convalidado na confidência de Mário em carta de 15 de outubro de 1944 a Carlos Drummond de Andrade, não deixa de desvendar também o tormento de quem acredita não poder se completar expansivo nas relações de amizade, evitando confidências e confissões. Essas, como se sabe, vicejaram mais vigorosamente no espaço epistolar, através de um tortuoso mecanismo de transferência psicológica, ao propiciar ao “infatigável escrevedor de cartas” o controle das sensações e o dimensionamento do que deveria ser dito e de que maneira.
As “confissões na garganta”, nos mostram, além do poema, o escritor e seu secretário, durante as manhãs dos dias úteis, na tarefa silenciosa de fichar livros, na limpeza de estantes abarrotadas ou no monótono datilografar das versões de textos que buscavam a justa forma. O verso ao mesmo tempo que pressupõe o desejo de compartir a experiência deixa entrever as relações de trabalho dominando o ambiente, estabelecendo papéis. Talvez aquilo que não podia ser dito fosse apenas para proteger o moço ainda prenhe de sonhos, no meio de um caminho cheio de lutas para atingir um alvo profissional, tornar-se bibliotecário. Ou, o menos provável nesse exercício de interpretação lírica que se enraíza na vida, a voz entranhada significasse somente o exercício de contenção de quem cobrava para si a imagem da fortaleza moral, sempre lhe norteando os atos e as palavras. Se houve o silêncio, a amizade nem sempre se conformou em expressões desgastadas ditas ou escritas. Metamorfoseou-se melhor em atitudes perenes.
Assim, no final de novembro de 1941, Mário deixa sobre a sua Remington todo o conjunto de poemas do “Marco de viração” para ser datilografado e a surpresa da dedicatória: “a José Bento Faria Ferraz”. Aí, transfigurado pela poesia, podia se contar ao amigo em versos de “Aspiração” (1924): “Dei tudo o que era meu, me gastei no meu ser” ou em “Ponteando sobre o amigo ruim” (1927): “Sou pesado, bastante estabanado,/ (...). Careço de caminho largo, bem direito./ Se falta espaço, quebro tudo,/ Me firo, me fatigo... Afinal caio.” O moço, cortado pela mudez do contentamento, dirige-se ao poeta, então em Araraquara: “Quanta coisa eu sinto em seus poemas. Não sou dos que escrevem. Pertenço ao grupo dos que lêem. (...). Não elogio, que isso de elogiar não vai muito bem entre dois seres que se compreendem, se conhecem e se estimam. É melhor o silêncio, seu mano, para nos compreendermos.”
O comedimento, mas a certeza da camaradagem, parece definir a convivência de Mário e Zebentinho ao longo de 12 anos, entre 1933 e 1945. A admiração e o respeito incondicional por aquele que tinha sido seu professor de História da Música e Estética no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo move o jovem secretário. Mário, um dia, soubera das dificuldades que passava, decidira ajudá-lo. Pedira-lhe que ficasse um pouco mais ao final da aula, para conversar um bocado. Haviam descido pelo elevador dos professores os três andares do Conservatório e caminhado pela avenida São João até o restaurante Carlino. Durante o jantar, viera a proposta que, que, num primeiro momento, assustara o aluno. Era preciso substituir Lourdes, a irmã de Mário que o ajudava na datilografia e nos cuidados com a biblioteca, pois ela ia se casar. Oferecera então o emprego: três a quatro horas por dia, 200 mil réis. Para quem vivia a iminência de ter que deixar São Paulo a fim de trabalhar em uma Coletoria Federal no interior de São Paulo, o convite surgia em boa hora, mas espantava pelo inusitado do ofício. José Bento, em meio ao mundo de moças pianistas por vocação ou mania de época, encaminhava-se, desde 1928, para a cultura musical, querendo seguir o exemplo do avô boêmio e seresteiro.
Nascido em Minas, passara pelo Seminário Santo Antonio de Taubaté, por gosto e devoção materna. E, de férias em São Paulo, para onde a mãe se mudara e abrira na Liberdade uma pensão, o rapaz resolvera de vez trocar a batina pelo Ginásio do Estado. De lá seguiu para o Conservatório, em cujos corredores, intrigado, observava de longe aquele professor das últimas turmas, “porte alto, bem vestido, sapatos de bico fino de verniz, andar altaneiro e um perfume suave que o acompanhava1”. Era Mário de Andrade.
O relato desse encontro e da convivência posterior se faz consistente nas bordas da memória e no cerne de uma correspondência extensa, loquaz e tocada pelo pragmático. Essas cartas conservadas por dois interlocutores zelosos, abrangem sobretudo os três anos difíceis que Mário viveu no Rio, desejando se afastar de ataques virulentos ao seu projeto cultural democrático e popular no Departamento de Cultura. Recolhem também distanciamentos menos sofridos: o escritor na chácara Sapucaia, em Araraquara, Zé Bento no Guarujá, descansando, mas sugerindo ao amigo a leitura de A Servidão humana de Somerset Maughan ou no Rio de Janeiro especializando-se em biblioteconomia, no segundo semestre de 1944.
Ao longo das folhas encontramos José Bento, tímido, deslocando-se conscientemente do plano em que se colocavam Oneyda Alvarenga e Fernando Mendes de Almeida, para se posicionar como o ajudante fiel e indispensável. Assume o caráter de admirador incondicional e afetivo, propenso a se sacrificar. Em certo momento acreditando que se tornara um peso para as finanças de Mário pretende deixar o emprego. Adivinhando o despropósito da intenção, a resposta de emocionada de Mário o nomeia definitivamente “amigo” e, franqueando logo em seguida a linha da fraternidade, ao chamá-lo de “irmão”. Aconselha aquele que seria depois o apaixonado bibliotecário da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto: “busque sempre empregos mais ou menos de acordo com as suas tendências e o seu gosto”. Mas naquele instante, a modéstia faz com que Zé Bento não consiga ver sem medo a sua atuação importante naquilo que lhe fora destinado como tarefa. Cria uma imagem modelar para si, decalcando-se na personagem Sancho de Cervantes: “Quero que minhas palavras sejam simples e interpretem toda a amizade, amizade de um sujeito como eu, que lhe quer como a um pai, um protetor, um amigo. Há três anos que o senhor teve a bondade de me tirar do nada e desde então vem me assistindo sempre, me confortando, me descobrindo um mundo novo, o das idéias, o da solidariedade humana. [...] Quero frisar que sempre estarei com o senhor, sempre terá ao seu lado essa figura apagada de seu secretário, tímido, besta, um Sancho-Pança diante da luminosa figura do Dom Quixote que vai pelo Brasil semeando cultura, amor ao pobre e confiança na humanidade.” (08/10/1938).
Para Mário de Andrade desarticulado moralmente na cidade do Cristo Redentor, à mercê da burocracia do Ministério de Capanema que o acolhera na Universidade do Distrito Federal e no Instituto Nacional do Livro (mas atrasando-lhe reincidentemente os vencimentos!) José Bento continua “às ordens” na Lopes Chaves. Cabe ao empenhado funcionário analisar os livros recebidos das editoras, reconhecer a importância deles para os estudos de Mário, sugerindo-lhe a compra ou não: “Vou comprar um livro recente, da Brasiliana, as Guerras nos Palmares do Ernesto Ennes, com ótima fonte de documentos, e também o Art populaire et loisirs ouvriers editado pelo Instituto Internacional de Cooperação Intelectual, de Genebra. (...) Este último também possui ótima bibliografia no fim do volume, classificada por países. Posso comprá-los?” (26/10/1938). Adquire livros na “conta-corrente” na Civilização Brasileira, controla o estoque das obras do escritor guardadas em casa ou em consignação nas livrarias da cidade. Recebe as cartas, abre-as, reendereçando-as ao Rio, comunicando o novo endereço do professor, respondendo aquelas de cunho mais premente e impessoal. Goza da confiança do ausente: “Assine você mesmo o meu nome, copiando ou não a minha assinatura. Aprenda a me falsificar, pra me poupar certas caceteações” (03/05/1940). O trato franco autoriza a cumplicidade nas inconveniências, demandando, por exemplo, face à carta de Flávio de Carvalho, que o secretário transmita ao arquiteto que Mário não poderá “escrever para a revista do Salão de Maio por absoluta falta de documentação, e não ter tempo no momento, com vários trabalhos (...) encomendados” Por fim, coloca a situação real: “A razão é outra, mas dê essa” (13/02/1939).
A correspondência Mário de Andrade e José Bento Faria Ferraz retrata muito bem o labor prosaico e as etapas iniciais da pesquisa e da produção ensaística de Mário, dando idéia da extensão das tarefas do secretário. Documenta os cuidados essenciais à integridade do acervo, Mário recomendando, em carta de junho de 1940, a “limpeza, gasolinização e recontrole da posição numérica dos livros”. “Gasolinização” significava a desinfetar os volumes, aplicando “uma poção de pó da Pérsia, cânfora e gasolina ou querosene”2, receita preparada em casa. No âmbito das tarefas mais triviais, ainda competia ao secretário o controle dos artigos que deveriam ser entregues ao Suplemento em Rotogravura do Estado de S. Paulo, levando textos e ilustrações, recebendo o pagamento. Zé Bento também era os pés de Mário em São Paulo, dirigindo-se à Academia Paulista de Letras, ao Instituto Genealógico e a bancos.
O moço bibliotecário conhecia como ninguém os meandros do arquivo do escritor. As fichas do Dicionário musical, os envelopes da documentação de Na Pancada do Ganzá, revistas, as pastas de correspondência, tudo era ordenado cuidadosamente por suas mãos. Desejando encontrar, em outubro de 1944, uma carta de Cecília Meireles, Mário prorroga o prazo de mostrá-la a Murilo Miranda: “só mesmo quando (Zé Bento) chegar e reassumir o posto de secretário”. A trajetória dos estudos através das indicações dos passos da pesquisa fixada na correspondência documenta o método de trabalho do escritor e seus interesses imediatos. Os fichamentos destinados ao grande estudo sobre o Padre Jesuíno do Monte Carmelo, ao prefácio de Memórias de um sargento de Milícias para a Editora Martins não prescindiram das mãos do secretário. Juntar material, separando o indispensável, recorrer a bibliotecas, indagar personalidades. Mário indica o atalho, mas pede cuidado, ensinando as etapas da pesquisa: “Com o Preto é que a porca torce o rabo. Vão aqui os dois trabalhos que pretendo ajuntar num só e acrescentar. Leia para entender a escolha que você terá que fazer. Primeiro: tenho um livro sobre Simbolisme des Coulers ou coisa parecida, que foi daqui para aí na última grande remessa. Me mande já. Segundo: passe este meu estudo à Gilda, que fiquei mesmo de lhe enviar. Ela que o leia e o devolva imediatamente a você. Quanto às fichas, você, pelas que tiveram subtítulo, se desinteressará por todas as que tratarem de história, de escravidão, de anedotas, etc. Das outras você terá pacientemente que buscar nos livros para ver a que se referem. Só me interesso por cor preta como superstição geral, ditos e quadrinhas. Veja bem: versalhadas semicultas, eruditas ou popularesco-urbanas contra o preto, ápodos em desafios, não me interessam. De poesia só quadrinhas populares, você dando, se possível a região onde foi colhida. Além, está claro, da referência bibliográfica, pelos números (não se engane) pois tenho cópia aqui.”
Atabalhoado de afazeres, Mário de Andrade delega ao secretário a escolha de texto de Luís Pereira Barreto para uma antologia da Academia Paulista. Zé Bento só não pode ajudá-lo naquilo que o pensamento apenas se nuança no intelecto: “Tem certas modalidades de assuntos, e assuntos meus particulares em seus aspectos, Dona Ausente, Martírio dos Santos, etc. que é impossível você descobrir.” (19/11/1938).
Nas frinchas do trabalho, divisa-se a casa do escritor, os passos de Dona Mariquinha, guardadora de saudades e de dinheiros do filho que vivia no Rio, além do vulto silencioso da tia Nhãnhã; o irmão Carlos, deputado do Partido Democrático às voltas com a repressão do Estado Novo; os filhos de Lourdes, Terezinha e Carlos Augusto, nas primeiras descobertas; Gilda (Rocha, depois a Profa. Gilda Mello e Souza) consultando os livros do primo; Sebastiana e Vicentina, irmãs, fiéis à casa da Barra Funda, no de-fazer diário, cozinhando quitutes para enviar ao bon gourmant ausente.
E outros personagens adentram essa correspondência, diferenciando-a das publicadas até hoje ao desvelar a cada passo a minúcia do cotidiano. A “Morada o coração perdido” é observada do ângulo do jovem bibliotecário, familiarmente integrado ao ambiente e à rotina daquela família da pequena burguesia paulistana. No lugar de discussões literárias, chegam à janela da escrita os funcionários da Prefeitura: D. Ruth, Miguel Spera, Maria da Glória Capote Valente e Sônia Stermann, a moça da Discoteca Municipal que viria a ser a esposa de José Bento. Bate à porta “uma pobre mulher de cor, Lucinda Laurindo”, pedindo a Mário um “cartucho que um tal doutor Otonio de Camargo (...) enviou solicitando para ela um lugar de vigilância nos parques” (05/08/1938). Depara-se na carta de Mário, em julho de 1940 com o alfaiate Francisco Lettière, da Primor, precisando se desdobrar para fazer “3 roupas num máximo de 6 dias” para o freguês antigo de passagem por São Paulo, que havia confiado a seu tão certo secretário: “Até agora não fiz roupa, faz dois anos e meio, só de medo dos alfaiates daqui.” As miudezas do viver comum disseminam-se na escrita epistolográfica, informando que o telhado necessita de conserto, que a máquina será limpa se sobrar dinheiro. Só nessas cartas se sabe da precisão de Mário das “pastilhas Veabon, que se compra na farmácia do Veado (de Ouro)”, ou que, doente, podia lançar mão da “máquina de tomar banho de luz”. Pelo potencial biográfico e de recuperação de rastros do trabalho intelectual, a correspondência José Bento Faria Ferraz e Mário é uma bonita crônica de amizade, confiança e respeito ao profissionalismo.

NOTAS:

1 FERRAZ, José Bento Faria. “Estória de um bem querer”, 1995. Depoimento inédito depositado no Fundo José Bento Faria Ferraz, Instituto de Estudos Brasileiros, USP.
2 Idem.

FONTE: D.O. Leitura, a.17, nº 4. São Paulo, ago. 1999, p. 38-43.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

TESTAMENTO DE MENOTTI DEL PICCHIA SOBRE A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922

PREÂMBULO NÃO MUITO INTERESSANTE
(Mas achei que seria necessário... Não perguntem o motivo).

Luiz de Almeida

O primeiro contato que tive com Menotti Del Picchia foi em junho de 1962. Naquele ano freqüentava o 2º ano do extinto Ginasial, no Colégio La Salle, em Botucatu – SP. Morava sob regime semi-interno no Seminário São José. Era só atravessar o imenso portão de ferro que seccionava um muro de tijolos sem reboque, que na época parecia ser alto demais (tinha 13 anos incompletos e mais ou menos 1,50 m de altura), passava do Seminário para o Colégio La Salle. O professor de História do Brasil, irmão Lassalista, também chamado Luís (diferente do meu Luiz com “z”), era pouca coisa, uns 10 cm mais alto, me obrigou ler A Revolução Paulista, de autoria do Menotti. A Revolução Constitucionalista completaria 30 anos no mês seguinte, e, foi assim que tomei conhecimento que em 1932 houve uma Revolução. Mesmo contrariado, iniciei a leitura, pois teria que fazer um resumo, durante o período das férias de julho, para não ficar com média menor que 5 no 3º bimestre. Lembro-me perfeitamente que não dei importância para o autor. Isso não me interessava, pois a obrigação era conhecer a história da tal Revolução Constitucionalista. Nem preciso dizer que li e não entendi bulhufas. Ajudado por um seminarista que já cursava Filosofia e Teologia, de nome Mário, que tinha o apelido de Pelé, pois alem de ser negro jogava um futebol de primeira (deveria estar treinando na Ferroviária de Botucatu e não estudando Filosofia e Teologia... Eu pensava assim.), e foi ele que também me ensinou taquigrafia (hoje fora de moda e uso). Em Agosto, no reinício das aulas, entreguei o resumo na data certa e consegui ficar com a média 6, pois o professor adorou o “meu” resumo. Nesse resumo tinha uma pequena biografia do autor que também tive que escrever... Quer dizer, eu não, o Pelé. E foi assim que conheci o tal Menotti Del Picchia.
Em 1966 voltei a ter contato com Menotti, agora através da leitura do Juca Mulato. Aí foi fatal, pois acabei tendo, pela primeira vez, contato com obras de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. O livro era ilustrado com desenhos desses três modernistas - e foi assim que também acabei me interessando pelo Movimento Modernista e somente depois, lá pelo ano de 1974 ou 75, não me lembro, pela Semana de Arte Moderna.
Preambulei acima apenas para poder postar aqui no Blog um depoimento do Menotti Del Picchia sobre a Semana de Arte Moderna de 22, que, após concluir as pesquisas para o texto do Zé Bento, postado dia 1º de maio pp., 

(http://literalmeida.blogspot.com/2008/05/entrevista-com-z-bento-o-secretrio-de.html), encontrei numas folhas datilografadas e arquivadas na minha velha pasta de textos ainda fora de ordem. E, após uma leitura atenciosa, achei por bem postar no Blog - antes mesmo da biografia do Menotti que ainda não concluí. É um depoimento maravilhoso, diferente das outras crônicas, conferências, artigos e depoimentos do próprio Menotti sobre o mesmo tema, como os contidos no livro A “Semana” Revolucionária, organizado por Jácomo Mandatto, Pontes Editores – SP, 1992, que por sinal... é um espetáculo de livro, um documento histórico.
Apesar de utilizar-me de uma lupa e até mesmo forçar meu senso dedutivo e analítico, pois independente de algumas manchas, as dobras nas folhas detonaram algumas palavras datilografadas, consegui digitar o texto e agora partilho com todos os meus amigos leitores e visitantes do RETALHOS DO MODERNISMO. E, deixando de lero-lero, eis o texto:



A SEMANA DE
ARTE MODERNA DE 22Menotti Del Picchia


A Semana de Arte Moderna, de 1922, a “semana mais comprida do mundo”, na humorada denominação de Hernani Donato, tornou-se após mais de meio século, a Grande Semana de Arte Moderna pela alarmante prevenção que meu culto amigo Yan de Almeida Prado manifestou por dois de seus mais brilhantes fundadores, Mário de Andrade e Oswald de Andrade que, com o autor desta nota, formaram o trio básico que fez eclodir aquele histórico movimento.
Curioso: a famosa revolução cultural modernista parece imantada por estranha magia. Ela revive, torna-se ainda mais presente, toda vez que alguém a exalte ou tente nega-la. Desta vez, na explosão de Yan, surge como ‘grande’, adjetivo valorizado da sua impressionante sobrevivência e da sua constante e teimosa atualidade.
Basta esta denominação para esvaziar a afobada retórica que o simpático Yan “gasta para tentar destruir dois dos seus mais atuantes criadores”.
No volume de 140 páginas que escrevem sobre ela e que andam fazendo certo barulho nos nossos meios culturais, perde-se o autor em contínuas e repetidas diatribes contra esses dois meus companheiros, dentro de uma atmosfera abstrata, na qual o leitor, confuso, não fica sabendo o que era a Semana, nem porque mereciam tão severos castigos esses dois hoje gloriosos e universalmente consagrados escritores.
Em primeiro lugar, para dar meu depoimento como parte também atingida pelo libelo de Yan, pois, como Mário e Oswald, também estou na raiz desse movimento, cuja origem, como se verá, talvez esteja no nacionalismo do meu velho Juca Mulato. Urge recordar a Yan, se é que a esqueceu – a decisiva influência artística, política e social que teve a Semana na vida brasileira. Quem afirma isso não somos nós, os detonadores dessa “revolução sem sangue”, mas o presidente da República, Getúlio Vargas, ao enviar sua mensagem ao Congresso Nacional, ao celebrar-se a passagem do trigésimo aniversário da Semana. Tive a honra, então, como deputado, de ler no plenário na Câmara Federal trecho do documento que se refere à revolução literária deflagrada em 1922, em São Paulo, no nosso Teatro Municipal. Diz o texto oficial:
“As forças coletivas que provocaram o movimento revolucionário do modernismo na literatura brasileira, que se iniciou com a Semana da Arte Moderna de 1922, em São Paulo, foram as mesmas que precipitaram, no campo social e político, a Revolução vitoriosa de 1930. A inquietação brasileira, fatigada do velho regime e das velhas fórmulas que a rotina transformara em lugar-comum, buscava algo de novo, mais sinceramente nosso, mais visceralmente brasileiro. Por outro lado, a evolução econômica do mundo, o progresso técnico e industrial, a ascensão dos fatos políticos estavam a exigir nova estruturação da sociedade e novas leis, capazes de atender com eficiência a essas necessidades. Uns e outros fatores se congregaram para forjar o movimento, que aos poucos se dilatou, criou raízes e, finalmente, amadureceu, determinando de um lado a renovação dos valores literários e artísticos, de outro lado, a renovação dos valores políticos e das próprias instituições. Na verdade, o movimento modernista, nas letras e nas artes brasileiras, foi um impulso revolucionário que cresceu e extravasou, como o foi o movimento político causador da Revolução de 1930”.
Diante desse documento, que deu à Semana dimensão internacional e deflagrou a Revolução de 1930, a qual gerou uma legislação social que teve reflexo nos povos vizinhos, que viram no Brasil uma Nação pioneira em reformas, Yan ficará perplexo perguntando a si mesmo se foi um fenômeno de esquecimento que o levou a negá-la ou, talvez, então, muito moço, faltou-lhe acuidade para compreendê-la. Nem uma coisa nem outra justificariam seu furor em procurar destruí-la. Mas de meio século transcorrido, surge como um irado Erostrato fantasma, no intuito de matar mortos que estão mais do que nunca gloriosamente vivos e negar um movimento cujo espírito sua própria ira demonstra que continua presente, atuante e louvado. Gostaria que Yan lesse a segunda etapa do meu livro de memórias, A Longa Viagem, no qual ofereço ao leitor minudente e documentado relato da Semana, para que conheça o clima em que surgiu, o que ela foi e quem a fez. Quem me confere autoridade para dar esse testemunho é o grande crítico da minha geração, Tristão de Athayde, registrando: “Foi Menotti Del Picchia, e não Mário de Oswald, o chefe do modernismo” (pág. 216 em O Modernismo – ed. Cultrix). Após a Grande Guerra, a atmosfera internacional revolucionária inovava pensamento e processos que iam mundo afora, desintegrando velhas estruturas políticas e sociais. Esse sopro renovador tomava, em cada nação, um caráter específico. No Brasil, nos colheu no fim do regime feudal, oriundo da monocultura do café. Éramos, até então, culturalmente tributários da fascinação de uma França, então em pleno esplendo parnasiano. Eu criara o Juca Mulato, Lobato lançara o libelo de Jeca Tatu que, ao lado de Os Sertões, do genial Euclides, era o protesto contra a miséria e a ignorância, a que fora relegado o interland. Minha geração tomou consciência da revolução que se operava no mundo. O grupo da Semana deu-lhe a forma e o sentido nacional. Não foi uma escola, não impôs uma técnica, não formulou um código: formou uma consciência, um movimento libertador a integrar nosso pensamento e nossa arte na nossa paisagem e nosso espírito dentro da autêntica brasilidade.
Do meu encontro com Oswald de Andrade nasceu a idéia do movimento, ao qual se incorporaram na primeira hora Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Plínio Salgado, Cândido Motta Filho, Agenor Barbosa e outros paulistas juntaram-se depois com os companheiros que vieram do Rio com Graça Aranha: Ronald de Carvalho, Renato de Almeida e o imortal Villa-Lobos, e a adesão de dois dos maiores poetas do Brasil de todos os tempos: Manuel Bandeira e o grande Drummond de Andrade. Juntando ao grupo literário o grupo plástico, Anita Malfatti e Di Cavalcanti foi uma força viva da “Semana”, vindo ela gerar o artista de renome internacional que foi Portinari, Victor Brecheret, nosso escultor máximo, criou o “Monumento das Bandeiras”. Para, porém, dar ao grupo toque de suprema glória, lá estava a figura de Villa-Lobos, hoje celebrado como um dos maiores compositores da modernidade.
Para testar que Yan nada compreendeu do histórico movimento, basta o fato de atribuir à “Semana” o ócio grã-fino de uma senhora Marinette, ilustre dama que nem conheci. Certamente estaria ela assistindo, de uma frisa do Teatro Municipal, às três históricas noitadas das quais coube o grande Graça Aranha liderar a primeira, sobre o comportado silencio de uma desconfiada platéia, e, a mim, a segunda, apresentando e fazendo a exaltação da nossa gloriosa e heróica turma: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho, Plínio Salgado, Agenor Barbosa e outros – recebendo, como paga de tão honrosa e arrojada tarefa, a mais estrondosa e consagradora das vaias. Essa histórica façanha é registrada na carta que Mário, na manhã seguinte, me enviou, à qual Yan, no seu livro faz repetidas referências. Foi pela estridente repercussão dessas vaias que, primeiro com curiosidade, depois com interesse e, por fim, com plena adesão, as elites intelectuais e políticas do Brasil tomaram conhecimento do programa da “Semana” e o propagaram por todo o país. Nessa hora – 1922 – o Brasil celebrava o centenário do grito libertador que ecoara nas margens do Ipiranga, proclamando nossa Independência, enquanto ali, junto das margens do hoje encapelado Anhangabaú, no Teatro Municipal, um grupo de moços – escritores, jornalistas, poetas, músicos, artistas plásticos – proclamavam galhardamente nossa Independência Cultural. O primeiro era o grito da liberdade. O nosso grito era o da nossa integração no espírito da autêntica brasilidade.
Na Longa Viagem registro, não como escritor, mas como testemunha, o valor e a atividade dos meus companheiros. Não os encontro, Yan. A Justiça, porém me manda destacar do grupo duas figuras pioneiras e pinaculares: Mário e Oswald de Andrade. O gênio, o valor, a imagem, enfim, suas vidas e suas obras, há cinqüenta anos vem sendo objetos de estudos, análises, polêmicas, discussões. Cada crítico os visiona pelo seu ângulo. Não raro são alvo de uma idolatria que ofusca sua realidade. Uma crítica sofisticada, tocada desse pedantismo literário, hoje tão comum nos grêmios e nas universidades, esmiúça suas virtudes ou esvurma seus defeitos. Se está o interesse sempre presente que os dois famosos escritores, tão malsinados por Yan, continua a despertar entre seus admiradores e os estudiosos. Figuras como o autor de Os Condenados e Mário de Andrade não se discutem mais na sua grandeza. Sua consagração não está no fanatismo dos seus admiradores, os quais, com suas tendências, chegam a desfigurar com excesso de ternura – não raro uma ternura polêmica – as qualidades diversificadas de cada um deles. Com certas criaturas até os defeitos são expressões das suas virtudes. Ninguém acusaria Jesus por ter multiplicado o vinho nas Bodas de Caná, bebida que aos abstêmios poderá parecer pecaminosa. O camaleontismo de Oswald e o onimodismo de Mário, acusado pelo cioso cerco das suas “viúvas” – eu mesmo fui vítima de uma delas, segundo li num dos estudos feitos sobre Mário de Andrade – emprestaram-lhes várias faces, às vezes contraditórias, dando-lhes uma dimensão maior como oferecer-lhes ângulos inéditos através dos quais mostram a versatilidade do seu gênio.
Devemos agradecer o amigo Yan de Almeida Prado por ter atualizado, tão estridentemente, a Semana da Arte Moderna, que está ainda viva e não dormente, como prova a barulheira que fez com o intuito de apagá-la de nossa história. “Quanto a Mário e Oswald, que eram tão ironicamente impossíveis, terão sorrido na sua imortalidade ao ver a exasperação de quem se diz ter sido companheiro e que, depois de meio século após a eclosão da Semana, procura rebelar-se contra ela e contra eles”.



FONTE DE PESQUISA:
(D.O. LEITURA (13/149) - SÃO PAULO/OUTUBRO DE 1994 - Pág. 14 - Matéria organizada por Luiz Toledo Machado - Doutor em Literatura Brasileira da USP).

quinta-feira, 1 de maio de 2008

ENTREVISTA COM ZÉ BENTO: "O SECRETÁRIO DE MÁRIO DE ANDRADE"

ZÉ BENTO: O SECRETÁRIO DE MÁRIO DE ANDRADE

Entrevista de José Bento Faria Ferraz que foi durante quase doze anos, secretário particular de Mário de Andrade, dada a Roniwalter Jatobá (Jornalista e Editor da Revista Memória publicada pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo), Edsel Britto e Milton Andrade, numa tarde do dia 30 de Junho de 1992, para a Revista MEMÓRIA.

Toda manhã, de segunda a sexta, no período de 1934 a 1945, Zé Bento, era assim que Mário de Andrade o chamava, cuidou dos livros à correspondência do ilustre morador da Rua Lopez Chaves, na Barra Funda, em São Paulo.
Na tarde de 30 de junho de 1992, por mais de 4 horas, eu (Roniwalter Jotobá), Edsel Britto e Milton Andrade conversamos com José Bento, 79 anos, e sua mulher Sônia, 76 anos, na sua casa na Rua Ásia, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. José Bento lamentou não ter feito como o secretário de Goethe, que analisou com argúcia, em livro, o convívio com o mestre, e a sua timidez, que de certa forma podou uma maior afinidade entre o auxiliar e o autor de Macunaíma. Mas valeu a pena. Mostra, entre outras coisas, a intimidade do seu dia-a-dia e, mais uma vez, aponta para qualidades já conhecidas de Mário de Andrade, lealdade e humanidade.


- Quando você começou a trabalhar com Mário de Andrade?
José Bento:
Vou voltar um pouco antes. Sou filho de mineiros, minha mãe conhecia música, tocava violão muito bem. Meu avô era um boêmio. Eu tinha, portanto, um mundo musical na minha personalidade. E minha mãe desejava muito que eu continuasse meu piano, que aprendia lá em Jacareí, para onde mudamos em 1920. Fui, então, para São Paulo e minha mãe fez questão que eu estudasse no Conservatório Dramático e Musical. Ali, via passar um homem alto, bem vestido, bem posto, rosto levantado. Era Mário de Andrade.

- Esse conhecimento aconteceu a partir de 1928 até 1933. Havia alguma gota de intimidade?
José Bento:
Não. Só via aquele homem, professor, de vez em quando. Ele passava e era só. Quando comecei freqüentar as aulas de História da Música e Estética com o Mário, aí passei a conhecê-lo mais. E era uma judiação o que Mário fazia. Homem de cultura, cheio de humanismo, ele descia de uma posição tão alta para lecionar para meninos. Meninos que não tinham, talvez, interesse pelas artes musicais. Ele dava aula de piano no Conservatório e em sua casa. E aulas de História da Música, duas vezes por semana. Era uma judiação porque a gente ainda era moço naquele tempo. Pensava mais em brincar com os meninos que estudar História da Arte. Então, comecei a conversar com ele nos intervalos das aulas. Todo mundo saía e eu ficava conversando com o Mário. Conversa rápida, conversa simples, prestava atenção. E comecei a conhecê-lo melhor. Eu era um rapazinho tímido, mocinho ainda. Um dia, comecei, de repente, a fazer ao Mário confidências de ordem econômica. Na época, a minha preocupação maior era não deixar o que estava gostando tanto de fazer, ou seja, a música. Mas também era obrigado a ter um norte na minha vida, a ter uma ocupação. Eu vivia angustiado, vendo meus pais se matando, e eu não achava o norte. Então, conversei com o Mário. Ele ficou quieto, não disse nada. Certo dia, depois da aula, ele falou: “Zé Bento, você não saia que eu quero falar com você”. Nós descemos e, na subida do Conservatório, três prédios depois, havia um restaurante, o Palhaço. O Mário perguntou: “Você já jantou?” Eu disse: Já. Sentamos na mesa. “Olha, Zé Bento, vou lhe dizer uma coisa: você comentou aquele negócio dos meses atrás... acontece que minha irmã Lurdes vai casar e agora não tem quem cuide das minhas coisas, dos meus livros, dos meus escritos. Então, estou imaginando: será que você toparia trabalhar comigo?” Lembro-me, as minhas pernas começaram a tremer. “Não tem problema”, ele disse depois, “eu te ensino”. Mas eu não sou bibliotecário, não entendo nada de livros, eu disse. “É, mas eu te ensino”, ele falou. “Você vai procurar o bibliotecário da Municipal e lá ele te arranja uns livrinhos e você vai aprender. Não se preocupe com isso. Você escreve à máquina?” Uns seis meses depois ele me chamou.

- Era um bom salário?
José Bento: Ele assim tinha me dito: “Olha, eu não posso pagar muito, porque eu não sou rico. Você vai trabalhar de manhã comigo, três horas por dia”. Pagava 200 mil réis. Então, eu trabalhava de manhã. Saía da Vila Mariana bem cedinho e às 7h30 chegava na Rua Lopes Chaves. Vinha de bonde, descia a Avenida Angélica.

- Isso foi quando?
José Bento:
1934. Nessa época, comecei a trabalhar também na biblioteca do Sindicato dos Bancários, sucedendo a Edgard Carvalheiro, no prédio Martinelli, à tarde.

- Como era o seu trabalho na casa da Rua Lopes Chaves?
José Bento:
Chegava às 7h30. O Mário já estava de banho tomado. Ele gostava muito de usar “robe de chambre”, tinha um desenhado por ele mesmo. O Mário era muito sensual. Também gostava de coisas finas. Já barbeado... era assim que ele trabalhava, ali sentada na escrivaninha que foi do pai dele. Minha função era cuidar dos livros. Como o clima de São Paulo, não sei se só na Barra Funda, sempre teve muita umidade, certos livros bichavam muito. Tinha o porão da casa dele; desinfetava o porão. Os meus pertences, as minha latinhas, meu “pós de Pérsia”, aquelas receitas de antigamente estavam lá.

- Foi boa a convivência?
José Bento:
Foi sim. Comecei a perceber a riqueza interior daquele homem. Mas, sempre naquela minha posição, coisa muito curiosa, que eu não consegui me libertar, sempre naquela posição meio subalterna. Eu não cheguei a criar com ele uma amizade assim profunda, coisa que a Oneyda Alvarenga e o Luiz Saia conseguiram. O que eu tinha mesmo era respeito pelo Mário. Naquela época se usava outros modos, mesmo os amigos se tratavam com respeito, era senhor, aquela coisa toda. Um dia, o Mário disse: “Para com esse negócio de senhor, me trata de você”.

- Ele era meticuloso?
José Bento:
Muito metódico no seu trabalho, nas suas pesquisas. Isso que você esta vendo aí (aponta pastas com índices), herde dele. Quando cheguei na sua casa achei os fichários feitos. E sempre tinha recados: “Zé Bento, faça isso, Zé Bento, faça aquilo”. Muitas vezes ia comprar livros na livraria Civilização Brasileira. O Mário vivia dependurado em dívidas.

- Tinha conta na livraria?
José Bento:
Sim, comprava e pagava. Ele adorava o livro também como objeto. Ele transparecia sensualidade em ver aquelas coisas todas. Sempre muito calmo. Raramente era visto irado. Às vezes em que o vi irado, a voz dele sumia. Ele implodia...

- Engolia tudo?
José Bento:
Engolia tudo. Por outro lado, várias vezes o surpreendi no banheiro declamando “Ahasverus e o gênio”, de Castro Alves, ou então “Juca Pirama”, de Gonçalves Dias. Tinha uma memória prodigiosa. Mas no resto da manhã, a gente trabalhava em silêncio. Ele cuidava das coisas dele e eu das minhas. Às 9 horas da manhã, eu batendo à máquina...

- Na Manuela?
José Bento:
Sim, na Manuela, homenagem ao Bandeira. Aí batiam à porta, ele abria. Era dona Mariquinha com uma bandeja de café. Era de prata, com três xícaras de café. Então a gente bebia o café que ele mesmo servia.

- Ele escrevia à mão e você datilografava, não é?
José Bento:
O Mário gostava muito de escrever à mão, com aquela letra tranqüila. Cartas datilografadas, só as mais formais. Ele gostava muito de fazer as cartas para a Henriqueta Lisboa, Fernando Silva, Manuel Bandeira.

- E as cartas de amor?
José Bento: Os amores de Mário... eu tenho a impressão que cessaram quando... eu tenho a impressão que Remate de Males foi o túmulo doa amores do Mário. Aos 40 anos, ele teve uma crise existencial muito forte. Foi um marco na vida dele. Ele tinha uma premonição da morte muito grande. Era de saúde precária. E o Mário se desmandou muito no Rio, de modo que quando ele veio de lá, já iniciava um processo lento de morte. Aliás, num certo sentido, eu compartilho do ponto de vista do Paulo Duarte: o Mário foi conscientemente se matando aos poucos.

- Solidão? E os amigos que freqüentavam a casa dele?
José Bento:
Os amigos são sazonais, não é? Os amigos dos anos 20 não foram os mesmos, nem poderiam ser os mesmos. Raras são as pessoas que têm amigos que as acompanham até a morte, porque a vida vai mudando. Então raras são as pessoas que conservam seus amigos de infância, porque a vida é tão atrapalhada. Então, eu quero crer que os amigos do Mário que permaneceram até o fim foram: Paulo Duarte, o Rubens (Borba de Moraes), o Sérgio, os dois Sérgios (Milliet e Buarque de Hollanda), os amigos do Rio, que duraram muito tempo, o Rodrigo (Mello Franco), o Carlos Drummond de Andrade, o Prudente (de Moraes Neto), o Manuel Bandeira e a Henriqueta Lisboa; as cartas da Henriqueta par o Mário a gente não conhece, mas as do Mário para a Henriqueta é de um amor... A gente percebe que é um amor de amante. É nas cartas para a Henriqueta que ele se abre mais.

- E a mulher do Ascenso Ferreira?
José Bento:
Não estou lembrado. Um amor, pelo menos platônico, de um para o outro. Eu não sei... Ele teve vários amores... Eu não sei. Vai caber ao biógrafo de Mário a tarefa pesadíssima de penetrar em todo o inconsciente dele. É difícil, e tem aquela coisa muito triste do Mário, que foi uma das causas, talvez, do rompimento em 1928 com o Oswald. E o Oswald tem uma frase candente, que o “Mário parecia um Oscar Wilde, por detrás”. É um assunto chato! Lembro que, uma vez, ele já tinha tido o pré-infarto, mas a rigor foi um infarto mesmo... Foi em 1944, mais ou menos. Estava doente, imóvel, quarenta dias na cama e eu soube de um seminário. E os alunos, pela leitura dos fatos e de suas obras, chegaram à conclusão que o Mário era homossexual. Eu, que nunca tinha ouvido falar nisso, fiquei indignado. Então, escrevi uma carta para a Oneyda (Alvarenga), carta dolorosa, chateado com o que tinha acontecido. Referir a obra de Mário à homossexualidade! Quem sabe pode até se referir, eu não sei, mas eu não podia conhecer aquilo. Então, a Oneyda ousou perguntar ao Mário sobre este aspecto da inimizade dele com o Oswald. E veio a resposta do Mário: “Olha, Oneyda, por favor, é uma coisa tão suja que eu não quero tocar neste assunto”. Tenho a impressão que coisa do Oswald deve ter machucado muito e que eles nunca mais puderam se entender.

Sônia:
Eu até lembro da época do Guilherme de Almeida no Departamento, que aliás foi uma desilusão. Eu gostava das poesias dele. Colecionava-as. Eu não o conhecia, mas apreciava o que ele escrevia. Zé Bento, lembra daquela senhora que trabalhou com o Guilherme de Almeida? É... na sala dele. Ela foi lá em casa e lançou, quer dizer, puxou conversa, só para dizer que o Mário era homossexual. Tem gente com instinto ruim. Primeiro, não sei se ele era; e se era, era discreto, discretíssimo. Antes do nosso tempo, ele teve uma grande paixão por uma mulher.

José Bento:
Maria da Glória?

Sônia:
Não. não, imagina! Maria da Glória... nunca... aquela mulher!

- Quando vocês se casaram?
José Bento:
Casamos em 1945.

- Depois de sua morte, não é? Ele acompanhou a preparação do casamento?
José Bento:
Mário me apoiava muito neste sentido.

- Vocês tiveram dois filhos, um inclusive chamado Mário, em homenagem a ele. Mário, o de Andrade, gostava de criança?
José Bento:
Adorava criança. E a grande preocupação dele era com o menor do meio operário. Eu me lembro bem de que o primeiro parque infantil, ligado ao Sérgio Milliet e à Maria de Lourdes Milliet, já levantava a preocupação de como criar parques par as crianças de operários.

- Católico?
José Bento: Era, e esse era um problema muito sério pra o Mário. Ele tinha uma formação católica, estudou no Colégio Marista. Ele chegou a solicitar – naquele tempo o bom católico tinha de solicitar à autoridade diocesana – uma licença especial para poder ler livros que estivessem no Index, como Voltaire, Diderot, esse pessoal todo do Iluminismo. Pois o Mário fez essa solicitação. Ele participava de procissões de “Corpus Christi”, ele e o Antônio Alcântara Machado. Mas na última fase de Mário de Andrade ele se declarou comunista. Talvez fosse um comunista, mas de ordem intelectual, vamos dizer assim.

- Nunca entrou em partido?
José Bento: Não. Mesmo a atitude dele em 1932, quando São Paulo inteiro se incorporou, foi meio razoável. Inclusive o irmão dele foi para a frente de batalha. Não sei se era uma premonição.

- Como é que ele recebia, por exemplo, a crítica, os comentários, sobre seus livros?
José Bento:
Eu não gostaria de dizer: era vaidoso. Os sapatos eram feitos sob medida, na sapataria Guarani, em frente à livraria Civilização Brasileira, ali na rua XV de Novembro. O Mário era muito vaidoso. Usava chapéu. Na hora em que ele saía para almoçar, ele já se troca. De gravata, tudo direitinho.

- Comia bem?
José Bento:
Ah, era um bom garfo. Gostava de comidas finas.

- Fumava?
José Bento:
Fumava muito. E tinha muita insônia. Quem passasse às 22 horas pela rua Margarida com Lopes Chaves, via aquela janela aberta até 2 ou 3 horas da madrugada. Era o Mário tocando no órgão os corais de Bach. Era para ele poder se libertar das angústias, porque o Mário era um homem angustiado. Eu tenho a impressão que as injustiças do mundo caíam naquela sensibilidade acentuada que ele tinha.

- A senhora não gosta muito de se lembrar do Mário, não?
Sônia: Não. (Pausa)
Eu também tive problemas financeiros, coisas de família. Um dia eu fui procurar o Mário. Nessa ocasião, ele já era diretor do Departamento de Cultura, lá na Cantareira... Era uma pessoa muito à vontade, ou então queria deixar a gente à vontade. Ele disse que estava com fome e mandou buscar bananas. Era uma característica, talvez, da personalidade dele: deixar as pessoas muito à vontade. Eu conversei com ele sobre os meus problemas, disse-lhe que eu precisava de emprego. Ele me convidou para ir ao Departamento de Cultura. Ele também tinha convidado o Zé, que eu não conhecia, mas que já era seu secretário particular. Conheci o Zé Bento lá.

José Bento:
E foi uma coisa muito curiosa: eu preparava a documentação para entregar na Divisão do Pessoal da Prefeitura. E, ao buscar isso, vai levar aquilo, eu cruzei várias vezes com uma moça. Então, eu parei e pensei: mas que moça bacana!

Sônia:
Eu não estava nem aí...

José Bento:
Um dia eu entreguei uns documentos para o Paulo Magalhães, que era o chefe de gabinete do prefeito Fábio Prado, muito amigo do Mário. Em seguida, ele me mandou para a discoteca, que ficava atrás do Teatro Municipal. Quando eu chego na discoteca, correndo, para falar com a Oneyda, a primeira coisa que vejo é aquela moça, lá sentada, escrevendo. E ali está ela... O diabo me passou a perna.

- Lembra do dia da morte dele?
José Bento: Eu trabalhei no sábado, sábado eu trabalhava à tarde, e fui para a Lopes Chaves. Ele estava de “robe de chambre”. Estava pálido. Eu não estava gostando. Eu me lembro de que voltei para casa preocupado. No domingo, o Sílvio Alvarenga, marido da Oneyda, encostou o carro na minha casa. Eu falei: “Você por aqui?” Devia ser umas sete e meia da manhã, umas oito horas. Ele falou: “Você não gostaria de ir comigo na casa do Mário?” Eu falei: “Ele não está passando bem, não?” Aí eu me aprontei rapidamente e saí. Cheguei lá ele já estava morto.

- A casa estava cheia?
José Bento:
O Luiz Saia passou a noite lá. E me contou: “O Mário pediu uma xícara de chá e começou a tomar. De repente, disse: Saia, me segure que eu não estou me sentindo bem”. Deu a xícara e... aí foi trágico. Porque o quarto do Mário era no andar de cima. A mãe dele ficava no quarto do fundo. Tinha o banheiro e um quarto da dona Nhanhá e das outras moças que ainda moravam lá. Mas engraçado, nós, os velhos, vamos adquirindo uma verta calosidade... A mãe soube e não houve este drama que os moços têm... pronto, morreu. Ela se recolheu a um canto e, naturalmente, morreu aos poucos também. Não durou muito, não.

- E depois da morte dele, você voltou lá na casa?
José Bento:
Eu voltei várias vezes pra cuidar dos ditames da carta. Porque a carta não era seu testamento, apenas uma intenção. E essa carta estava comigo guardada, eu sabia onde é que estava. Tanto que um dia ele me disse: “Zé, esta carta está aqui. Se acontecer qualquer coisa comigo, você a dê ao Carlos Moraes de Andrade, ao Cade”. E eram recomendações para que eu separasse, de acordo com o Dr. Carlos Moraes de Andrade, os livros principais para a educação dos sobrinhos: era a Terezinha, o Carlos Augusto e a Maria Luiza. O resto das coisas, as obras de arte, iriam para a pinacoteca. A parte musical para a discoteca. No post-scriptum da carta, ele até agradece a minha assistência. E deixou para mim uma importância, não sei bem quanto era naquela época, mas este dinheiro nunca se achou. Naturalmente ele precisou dele e usou. Eu ainda fiquei lá mais dois ou três meses, arrumando as coisas e depois eu fui embora. Em 1945 eu comecei a trabalhar lá no Patrimônio. Em 1951, fui para Ribeirão Preto trabalhar na Faculdade de Ribeirão Preto.

- Da obra do Mário, poesia, conto, romance, você tem alguma preferência? Tem algum livro que marque mais.
José Bento:
São as poesias. A última parte da “Meditação sobre o Tietê” é uma coisa extraordinária.

- Um poema ecológico?
José Bento:
É um poema muito bonito, muito mais que ecológico! Um poema humanísssimo. É o Mário angustiado com a Segunda Guerra Mundial...

- Essa convivência com o Mário, durante doze anos... O que ela significou, vamos dizer assim, para o resto da sua vida?
José Bento:
Significou muito. Me esclareceu, me abriu horizontes, me deu certo sentido de liberdade, um sentido de respeito pela pessoa humana, um sentido de respeito à individualidade de cada um. O Mário me deu esta noção de liberdade... e de amor. E isso eu acho muito importante. Eu só sei dizer a você que foi um período feliz da minha vida, aquele em que eu acreditei nas coisas.


ZÉ BENTO NA VIDA DE

MÁRIO DE ANDRADE

No livro de Paulo Duarte: Mário de Andrade Por Ele Mesmo. Editora Hucitec (Co-Edição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo) – 2ª Ed. corrigida e aumenta – São Paulo, 1977 – encontramos várias passagens onde o nome do Zé Bento aparece com evidência. Das 13 (treze) menciono 12, pois são as de maior importância, onde procurei manter a ortografia original. Ei-las:

Pág. 138: No artigo de Paulo Duarte: “PAIXÃO DE MÁRIO DE ANDRADE”

- (...) Já no mês de outubro (1943), (Mário) escrevia-me da cama ditando a carta ao seu secretário, esse bravo Zé Bento, companheiro fiel do Mário, e todos os momentos, por longos aos. (...).

- Pág. 188: Outra carta (de Mário de Andrade) a minha irmã, Aparecida Duarte, respondendo ao pedido de elementos para organizar a festa de S. João dos Parques Infantis.

“Rio, 1-VI-40

D.ª Nini

Recebi sua carta ontem a noite. Creio que muito pouco posso lhe ajudar, assim como estou aqui longe dos meus livros e sem grande parte dos meus fichários. (...) E ainda por cima como o meu secretário, isto é, o Zé Bento, creio que está ainda de férias, em Santos, será difícil talvez a Sra. encontrar certos livros nas bibliotecas públicas. (...)”.

- Pág. 233: (Carta de Mário de Andrade para Paulo Duarte)

“S. Paulo, 15-VI-42

Meu Paulo,

São meia-noite e trinta, chego em casa e encontro a sua aérea. (...). Amanhã vou, se não conseguir congregar que é mais difícil, pelo menos telefonar a alguns amigos e botar o Zé Bento secretário à disposição deles. (...)”.

- Pág. 252: (Carta de Paulo Duarte para Mário de Andrade)

“New York, 1.10.42

Meu querido Mário:
Pois recebi aquela cartinha pesteada que você escreveu, às pressas, no dia 15 de setembro. (...).
Espero que agradeça também ao Zé Bento que tem sido maternal com os meus caprichos forçados. Diga a ele que procurarei pelo menos amortizar a dívida em tempo oportuno no Brasil ou aqui se ele precisar de qualquer coisa dos States.
(...)”.

- Pág. 311: (Carta de Mário de Andrade para Sérgio Milliet)

“Rio, 3-XI-38

(...).
Agora de-tarde recebi uma carta sua sôbre os dinheiros meus do Estado e os seus da Revista do Brasil. Muito obrigado pelos meus e vou tratar dos seus. Ainda não vi o que você publicou nela, mas se são seus versos, pelo que me conta o Murilo, creio que pagam cem mil reis que é o que recebo também pelas minhas crônicas. Não valerá a pena mandar dinheiro pelo correio, quando receber o devido, avisarei o quanto é pro Zé Bento, êle o entregará a você, do que tem de meu com ele.
(...)”.

- Pág. 319: (Outra carta de Mário de Andrade para Sérgio Milliet)

“Rio 8-V-39

Sergio

Aí vai seu artigo que saiu domingo. Amanhã quarta devo receber o seu dinheiro. O milhor a fazermos é você aí receber do José Bento cem milréis do Estado meus em troca dos seus que eu receberei aqui. Vou escrever amanhã ou depois (estou ocupadíssimo) ao Zé Bento sôbre isso. E assim faremos todos esses meses. (...)”.

- Pág. 324: (Carta de Mário de Andrade para Sérgio Milliet)

“Rio, 31-VII-39

Sérgio

Saiu ontem mais um artigo de você no Notícias e vou avisar o Zé Bento que lhe pague. Ele já pagou o outro?
(...)”.

- Pág. 325: (Carta de Mário de Andrade para Sérgio Milliet)

“Rio, 20-VIII-39

Sergio,

recebi sua cara, saiu hoje um artigo seu no Diário de Notícias, hoje é o primeiro dia que vivo um bocado depois de uma grupe formidável, acabei de almoçar... um ótimo vinho, e aqui estou com um ótimo conhaque, vamos a ver o que sai disto tudo. vou avisar o Zé Bento que lhe pague, mas não sei se tenho dinheiro (está um calor!) aí, se não tiver creio que você terá que esperar o primeiro do mês, com pagamento do estado, é possível? (...)”.

- Pág. 328: (Carta de Mário de Andrade para Sérgio Milliet)

“Rio, 15-IV-40

Sergio

Faz um calor... Essa história toda com o Estado de São Paulo me deixou numa bruta atrapalhação. Recebi uma carta, mal amanhada como sempre do meu destrambelhado secretário Zé-Betinho, dizendo que era sua opinião, de você, que deu deveria continuar mandando minhas colaborações pro jornal. Na veja bem meu caso: Principia pelo simples fato de o jornal ter diretor novo e não sei se ele quer ou não colaboração minha. (...)”.

- Pág. 335: (Carta de Mário de Andrade para Sérgio Milliet)

“Rio, 11-XI-40

Sergio:
Recebo agora a resposta do Luis Martins, mas que não responde a coisas essenciais sôbre o meu “caderno” azul. Sou obrigado porisso a lhe pedir estes esclarecimentos. (...).
Mas e o “urgente” me der espaço de um mês, já poderia acrescentar aos ensaios sobre folclore a documentação nova que ajuntei sobre os seus temas, depois de publicados.
Esta carta lhe será entregue pelo Zé Bento, e você responda a ele verbalmente essas três perguntas:
1 – Máximo de dias que tenho para entrega dos originais (Conforme o tempo optarei por uma por outra, das duas composições escolhidas por vocês).
2 – (...)”.

- Pág. 360 – última página da Carta Testamento, Testemunho, diário, desabafo, etc, etc, de Paulo Duarte a Mário de Andrada em 1970 – Final do livro:

“Rua Guarará, setembro, 1970

Mário:

Ontem foi um dia de saudade íntima. Sempre tenho dias de saudades de você, mas ontem, era diferente. Ela não veio atoa, sugerida por qualquer coisas que nos trocava, de repente, sem a gente esperar, como das outras vezes. Foi provocada. (...).

(...). Pág. 360:
“Almoçávamos ou jantávamos só, ou conversávamos sós ou com o Zé Bento, raramente com mais ninguém. (...). conversávamos só ou com o Zé Bento. (...)”.

Objetivo:

Sinceramente? Achei que na entrevista do Zé Bento ao Roniwalter Jatobá, Edsel Britto e ao Milton Andrade, ele agiu com simploriedade. Creio que o caráter do Zé Bento era ainda do rol de caráter que foi sucumbido pela sociedade moderna, onde não existe mais a fidelidade inerente da amizade e nem mais a liberdade de dois seres desfrutarem-se de um relacionamento mais íntimo e sincero, principalmente se levarmos em consideração o fato, como aqui, entre os dois, Mário e Zé Bento, um empregador e o outro empregado. Um relacionamento empregador e empregado, hoje em dia, normalmente termina com a presença de um terceiro elemento, um advogado ou um promotor. Zé Bento foi um secretário: compromissado, fidedigno, zeloso, discreto, responsável e amigo.
Independente da entrevista fui buscar passagens da vida do Mário onde a pessoa do Zé Bento aparece repentinamente e desvanece com a mesma rapidez. Iniciei por Paulo Duarte: “Mário por Ele Mesmo”. Nele, Paulo mostra facilmente que num determinado momento da vida do Mário, principalmente quando do seu exílio no Rio de Janeiro, o nosso queridíssimo Zé Bento manteve-se à frente, não apenas da guarda dos livros do Mário, mas sim, tomou postura compromissada sobre seus assuntos mais particulares, como por exemplo: o pagamento das dívidas, o recebimento de pagamentos de reportagens que Mário escrevia para os jornais, e até mesmo notificando a chegada de algumas correspondências que chegaram para o Mário. Isso ele fazia através de simples bilhetes, apenas mencionando que a carta enviada havia chegado ao destino, como fez com carta do Sabino para o Mário, que será narrado no decorrer deste texto.
Zé Bento, pelo menos para mim, lendo, pesquisando e procurando saber de mais detalhes, foi um daqueles homens “achados” pelo Mário. Não foi sorteado como num bingo onde o número que caiu da roleta era correspondente ao do Zé Bento. Refiro-me no sentido de “pessoa”, “ser humano”, que pela sua pouca idade quando Mário o chamou para trabalhar, teve sua formação, ou melhor, Mário completou o caráter do Zé Bento, sem muito estardalhaço, como um joalheiro preguiçosa e amorosamente lapida dia-a-dia uma pedra preciosa até transforma-se numa jóia raríssima e única. Pessoalmente, tenho essa idéia quando estudo Mário e o Zé Bento entra na história. E foi tão magnificente a atitude do Mário, que não permitiu que Zé Bento o visse morrer. Pode parecer, para alguns, que estou cometendo um excesso poético ou até pieguice, mas comparo a atitude do Mário em relação ao Zé Bento com a do meu pai, que permaneceu em estado de pré-coma durante 27 dias - e eu sempre ao seu lado. Bastou apenas alguns minutos até acertar o carro no estacionamento, quando voltei... ele já estava morto. Ou seja, segundo meus próprios princípios e deduções, Mário queria tão bem ao Zé Bento que não lhe permitiu participar dessa hora tão marcante e que provoca tristimania permanente, a hora da morte.
O Zé Bento serviu até mesmo como um “pombo correio”. Existe um bilhete da Oneyda Alvarenga ao Mário, provavelmente de dezembro de 1940, que implica Zé Bento como uma pessoa a quem se podia confiar, discretíssimo e que guardava segredo:

“Mário,
me faça o favor de ler a carta que escrevi ao Boggs (ela estava se referindo ao folclorista norte-americano Ralph Steele Boggs) sobre o caso do material folclórico e veja se está bem assim. (...). Me telefone dando a sua opinião ou, o que me parece melhor, escreva um bilhete e mande pelo Zé Bento. Abraços. Oneyda”.
(Cartas: Mário de Andrade – Oneyda Alvarenga. Editora Livraria Duas Cidades – 1ª Ed. São Paulo, 1983 – Pág. 303).

No livro Mário de Andrade – Cartas a Murilo Miranda: 1934/1945 – Editora Nova Fronteira – 1ª Ed. 1981, RJ., encontramos algumas passagens onde o Zé Bento é mencionado. Na página 67, um episódio fantástico: 27 de fevereiro de 1941, Mário escrevia uma longa carta para Murilo Miranda. De repente, Mário interrompe o assunto que dissertava e escreve:

“Interrompi a carta porque chegou a filharada, Zé Bento, Luís Sáia, tratar de negócios do Serviço do Patrimônio. (...)”.

Na página 70, desse mesmo livro, numa carta datada de 5 de março de 1941 ao Murilo, Mário é hilariante e sarcástico:

“Murilo meu, aqui vai carga pesada de coisas, tenha paciência comigo. Primeiro tenha paciência com o sr. meu secretário, este mui ilustre Zebetinho cabeça de água. Estive hoje arrumando as Acadêmicas e vi que o tal fez uma confusão danada, pediu números que eu já tinha e se esqueceu de dois números. Só me faltam agora os números 4 (quatro) e 5 (cinco)”.

Mais adiante, página 111, em carta datada de 29 de maio de 1942, Mário escreve:

“Murilo,
(...).
Porque você me mandou desta vez só dois números da Acadêmica? Eu distribuía sempre os que vinha ao Sáia, à Oneida, ao Zé Bento e outros que se interessam pela revista e a lêem todinha. Ou mande direto a eles ou me mais exemplares”.

Na página 150, Mário inicia uma carta a Murilo Miranda fazendo uma revelação, que achei importante cravar aqui, mesmo não tendo ligação direta com o assunto pauta deste texto, mas é uma revelação, pelo menos ao Murilo. Depois, nessa mesma carta, Mário refere-se ao Zé Bento, isso na página 151. Vejamos:

- Pág. 150:

“S. Paulo, 24-VII-43

Murilóide,
lhe escrevo à máquina, porque recebi a minha Manuela do conserto, aliás limpeza, e ela está que é uma felicidade. Manuela é a minha Remington, comprada nem sei mais quando ali por 1920 e que até agora está perfeitíssima. Se chama Manuela em honra do Manuel, meu maninho”.

- Pág. 151 – continuando:

“(...). O que sei por ele (Luís Sáia) é que serão poucos os colaboradores, pois não se trata duma homenagem apologética, mas dum estudo sobre mim. E os colaboradores, em que o próprio Sáia foi excluído, assim com o Zé Bento e a Gilda, foram escolhidos entre gente capaz de fazer crítica por já ter provado essa capacidade. E o que fez, e é certo que você não tem razão de se zangar, pense bem”.

- Págs. 169/170, do Cartas a Murilo Miranda, após descrever uma longa discussão, isso em carta datada de 31 de julho de 1944, Mário mostra-se por inteiro, apesar de contrariado, sempre preservou seus amigos mais íntimos, entre eles o Zé Bento:

“S. Paulo, 31-VII-44

Murilo
(...).
E si sei de alguma coisa, pois tudo foi organizado à minha revelia e continua sem nenhuma espécie de participação minha (basta dizer que na tradução de um só pensamento com terminologia técnica de folclore, no estudo do Roger Bastide, eu cheguei quando discutiam, mas propuseram a frase em francês, eu sabia como traduzir, mas me bateu uma tal vergonha que não pude dizer, me calei, que se arranjassem!) si sei do pouco e não prestada bem atenção ao que contavam, foi porque o Zé Bento, meu secretário, se recusou terminantemente a oferecer fotos e coisas da minha bibliografia, e com razão, pois era contra qualquer ética profissional. E daí foi a bagunça, uma semana detestável de discussões com os outros e comigo mesmo. E cada vez mais me arrependo de ter cedido (e si não cedesse, saía da mesma forma e está claro que eu não ia brigar com alguns dos meus melhores amigos, com que eu ficava então!) mas me arrependo”.

Finalizando a participação do nome do Zé Bento nas cartas de Mário a Murilo Miranda, na página 175, em carta datada de 27 de outubro de 1944, Mário deixa claro que Zé Bento estava fazendo falta, pois ele (Zé Bento) estava no Rio de Janeiro:

“S. Paulo 27-X-44

Murilo
(...)
Você pede resposta da carta anterior. Está claro que lhe mandarei cópia das cartas da Cecília sobre o caso da Rosa. Aliás creio que é só uma, a da recusa do nome. A seguinte é só uma notinha mandando o soneto. Mas o Zé Bento está no Rio, fazendo exames no Dasp, e as minhas cartas desde 41 não estão catalogadas, procurar é impossível, só ele mesmo quando chegar e reassumir o posto de secretário. A secretária que o substituiu não tem tempo, trabalha pouco e tem já serviço muito. Aliás estou nessa melancolia surda de precisar imaginando em ter um secretário mais cotidiano, que trabalhe mais horas para mim, é o diabo”.

No magnífico livro Mário de Andrade: Exílio no Rio, de autoria do jornalista carioca Moacir Werneck de Castro, Editora Rocco, 1ª Edição – 1989 – RJ, cuja capa estampa o óleo sobre tela de 1923, “Retrato de Mário de Andrade”, de Anita Malfatti – onde o autor relata o período do escritor Macunaímico no Rio de Janeiro, narra também duas passagens importantes sobre o Zé Bento na vida do Mário, como segue:

- Pág. 23, Primeira Parte “Exílio no Rio”, em Rotina Carioca:

“Providências de arrumação da casa encheram os primeiros dias do transplantado. Divertia-se comprando artigos domésticos, roupa de cama, travesseiro, talheres, vassoura, lata de lixo e o indispensável veneno contra baratas. Precisava mandar vir de São Paulo uns poucos móveis, livros (uma pequena parte da vasta biblioteca, o mais necessário), tapetes e objetos de decoração, para tornar habitável o apartamento. O secretário José Bento Faria Ferraz, o Zé Bento, ia anotando de lá as remessas. De uma vez foram mandados sete quadros (os que mais gostava, entre os quais o seu retrato por Segall e A Família do Fuzileiro Naval, de Guignard, e a Colona, de Portinari), duas estatuetas, uma dúzia de copos de cristal, uma máquina para banhos de luz, cinco almofadas, um pijama de seda”.

Já no final desse mesmo livro, foram editadas algumas cartas que Mário, após retornar do Rio, escrevera para o Moacir Werneck de Castro. Não consegui “ainda”, descobrir se algumas dessas cartas foram manuscritas e o Zé Bento datilografou ou foram ditadas pelo próprio Mário para que o Zé Bento datilografasse diretamente. Mas existe uma, datada de 11 de março de 1944, parece-me que teve a participação do Zé Bento, como pode ser verificado no final da carta, onde consta uma observação do Zé Bento. Essa carta é longa, onde Mário não deixa de dar algumas broncas, mas inicia a carta homenageando o jornalista:

- Pág. 219:

“S. Paulo, 11-III-44

Mohacir (com h aspirado)

O h vai em homenagem aos seus 29 anos, puxa como você está velho! E envelhecido, talvez caducando. Pelo menos quando diz e garante na sua carta que não sido mesquinho nem sectário no que tem escrito sobre o assunto em relação à literatura”.
(...).

No final dessa carta (Pág. 221), aparece a seguinte descrição logo abaixo da assinatura do Mário:

“O Mário manda avisar que vai na Semana Santa pro Rio.
Zé Bento”


No Livro: “Remetente: Mário de Andrade – Destinatário: Fernando Sabino – Cartas a um Jovem Escritor – Editora Record – 3ª Ed. RJ – 1981 – Pág. 120, está editada uma mini-missiva, ou um bilhete, Zé Bento para Fernando Sabino:

“S. Paulo, 2 de maio de 1944

Sr. Fernando Sabino

Em nome de Mário de Andrade, acuso o recebimento de “A Marca”, e comunico-lhe que o mestre segue para o Rio, no primeiro avião de sábado, da VASP.
Pede-lhe o favor de ir esperá-lo no aeroporto.
Cordiais Saudações
José Bento Faria Ferraz
Secretário – Part”.

Outra interferência do secretário Zé Bento no trabalho do Mário de Andrade, está descrito no livro A Lição do Guru (Cartas de Mário de Andrade a Guilherme Figueiredo – 1937-1945) – Editora Civilização Brasileira – RJ – 1ª Ed. 1989. Na Pág. 29, uma pequeníssima missiva de Zé Bento a Guilherme Figueiredo:

“S. Paulo, 15,3,941

Sr. Guilherme Figueiredo

Escrevo-lhe em nome de Mário de Andrade para solicitar de V.S. o envio de um exemplar com dedicatória, fechado, de seu romance ’30 anos sem paisagem’, para figurar em sua biblioteca, ao lado do exemplar aberto.
Caso seja possível, é favor manda-lo para sua residência em S. Paulo, à rua Lopes Chaves, 546.
Subscrevendo-me cordealmente, apresento-lhe meus cumprimetos,

José Bento Faria Ferraz
Secretário Particular

Uma observação importante que encontrei nas pesquisas: Zé Bento não foi apenas um secretário e guarda-livros de Mário. Existe uma narrativa de Flávia Camargo Toni, organizadora do livro A Música Popular Brasileira na vitrola de Mário de Andrade – Sesc-Senac-SP, com apoio do IEB – 1º Ed. 2004, na pág. 26, que mostra a eficiência e a eficácia de Zé Bento na execução dos seus trabalhos para com Mário de Andrade, acompanhando o mestre desde os seus primeiros movimentos após o despertar:

“O professor José Bento Ferraz, que, na juventude, foi aluno e secretário de Mário de Andrade, lembra-se do mestre, quando feliz, principalmente no tempo fecundo do Departamento de Cultura, cumprindo uma espécie de rito matinal. Acordava cedo e, ao se barbear, colocava um disco na vitrola. O secretário punha-se ali aguardando o início das tarefas e, às vezes, podia observá-lo fazendo anotações nas capas de seus discos”.

CONCLUSÃO:

Para concluir esse pequeno e simples estudo sobre o professor, secretário particular e amigo de Mário de Andrade, José Bento Faria Ferraz, o Zé Bento, não poderíamos de deixar de inserir sua participação na composição dos álbuns de recortes da coleção jornalística do Mário. Dois álbuns pretos cobrem o período de 1918-1935 e o segundo deles, rotulado por seu dono “Recortes IV”, reúne a maior parte das crônicas que publicou no Diário Popular, tem início com “Táxi”, em abril de 1929 a 10 de julho de 1932. Como afirma em depoimento o professor e secretário Zé Bento, os álbuns de Mário foram organizados em dois períodos ou momentos. Primeiro, as crônicas dispostas segundo sua rigorosa cronologia e caprichosamente coladas, seria trabalho do próprio cronista entre 9 de abril de 1929 a 13 de dezembro de 1931, provavelmente realizado par e passo com a publicação e cobrindo as 101 páginas do álbum. A seguir, uma interrupção de três anos e a segunda etapa que tem início em 1935, quando José Bento, torna-se secretário particular de Mário. É um jovem ainda sem experiência; vai colando os recortes à medida que aparecem, sem critérios de classificação. Então, o conjunto de crônicas do “Diário Nacional” sobre, em Recortes VI, um entremeio de críticas de arte e entrevistas, oriundas de outros periódicos entre 1933 e 1935, dispostas fora de ordem cronológica.


QUEM FOI JOSÉ BENTO FARIA FERRAZ?

José Bento Faria Ferraz nasceu em Pouso Alegre, Minas Gerais, em 30 de outubro de 1912 e faleceu em 17 de março de 2005, em São Paulo. Atuou pelo Departamento de Cultura de São Paulo, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Teve ainda destacada participação como professor da Escola de Artes Plásticas de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, entre os anos de 1960-1970. Articulista de diversos jornais e revistas, deixou significativa contribuição como ensaísta, poeta, cronista e historiador.

DEPOIMENTO DE ZÉ BENTO SOBRE MÁRIO DE ANDRADE

(Parte do depoimento de José Bento Faria Ferraz sobre o Movimento Modernista em 1922, quando se comemorava o Cinqüentenário da Semana de Arte Moderna)

(...)
No que se refere especificamente a Mário de Andrade, seu papel no Movimento foi amplo, vanguardeiro, consciente e deliberado, com vistas a imprimir novos rumos ao estudo dos problemas ligados ao nacionalismo cultural, concebido a cultura numa significação larga que abrangesse a Sociologia, a Etnologia e Etnografia. Com esse propósito ele desenvolverá uma pesquisa admirável no sentido de valorizar as manifestações culturais da alma popular. O sentido nacionalístico da obra andradiana constitui um tema complexo, cuja abordagem requer uma reflexão, que escapa ao objetivo deste depoimento. Não é de hoje que, em sentido amplo, os críticos e ensaístas literários se debruçam sobre esse tema caracterizador de uma literatura. (...). Ao analisar a obra andradiana é preciso enfocá-la não somente no âmbito do quadro dos princípios estéticos que presidiram à formação intelectual de seu autor, mas principalmente no que ele entendia como literatura utilitária, pois seu pensamento básico era de que a arte tinha que servir.
Foi um homem determinado e de princípios éticos. Voluntarioso, consciente da obra que tinha a realizar, confessa em um de seus poemas:
“E enropei de acerba seda o arlequinal do meu dizer”, exclamando a seguir: “Eu fiz de minha vida um rasgo matinal”, e em tom profético: “sou daqueles que sabem o próprio futuro/ E quando a arraiada começa, não solto as rédeas do dia/ não deixo que siga pro acaso, livre das minhas vontades”, confessando finalmente a Carlos Drummond de Andrade: “Sei o que quero, sei o que faço e pra onde vou”, isto porque: “Eu trago na vontade todo o futuro traçado”.
Este saber querer e fazer contrariando toda glória fácil, é uma constante que centraliza o ponto de partida de sua vasta produção intelectual, toda ela dirigida no sentido de dar uma identidade ao Brasil, e que passa a ser o fio condutor de toda sua obra expresso em suas palavras ditas em 1924: “Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo o sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade”. E, para dar essa alma a seu País, Mário de Andrade deformou sua obra de maneira consciente e resoluta e de “camisa aberta ao peito” enfrenta todas as incompreensões e dificuldades, pois tinha aquela convicção expendida mais tarde por Roger Bastide, a de que “é sempre difícil abandonar preconceitos e etnocentrismos”, principalmente se levarmos em conta o meio provinciano e acadêmico da São Paulo de 1922.
Assim aparelhado e fortalecido, parte em busca dos princípios primordiais responsáveis pela formação da alma nacional. E ao justificar seu trabalho de pesquisador e coletor das riquezas populares, traduzidas nos cantos e na poesia popular, nos instrumentos, nos ex-votos, observa: “Recolhendo e recordando estes cantos, muitos deles tosquíssimos, precários às vezes, não raro vulgares, não sei o que me segredam, que me encho de comoções essenciais e vibro com uma excelência tão profundamente humana, como raro a obra erudita pode me dar. Não sei que apelo tradicional me leva, que coincidência de afeto, de corpo, de esquecimento de mim; sei, mas é que em vão reconheço este e outro defeito nos cantos. Eles me comovem mais que nada e eu me identifico com eles, numa Einfuhlung perfeitíssima. Necessária. Como devem ser necessários todos os nossos gestos humanos”. Nestas palavras graves, responsáveis, eu vejo, eu adivinho, eu amo, toda uma plataforma de ações que Mário de Andrade desenvolverá através da Discoteca que irá criar. É essa comunhão perfeitíssima e necessária com a alma popular que faz com que ele entenda e admire e ame o som rústico de um violino, feito por um instrumentista do sertão nordestino, o canto aberto e rasgado, cheio de síncopes e de neumas dos catimbós e dos cocos, da voz plena e vibrante e ligeirinha de seu maior amigo, o coqueiro Chico Antonio, pois “do fundo das imperfeições de tudo quanto o povo faz, vem uma força, uma necessidade que, em arte, equivale ao que é a fé em religião”. Isso é que pode mudar o pouso das montanhas. Justamente esta força profunda, inconsciente do canto popular, a meu ver, advém do caráter sagrado que o povo imprime em suas relações mais puras com as forças superiores da vida, com entidades divinas em que acredita. Tudo para o povo é puro, tudo é para ele uma hierofania, como nos ensina Mircea Eliade, uma manifestação de realidades sagradas. E é isto que nós, com a empáfia de letrados, de civilizados brancos não entendemos, dando de ombros, com desprezo, para estas manifestações que são mensagens mais puras, água da fonte que escorre cristalina do inconsciente coletivo dos tempos imemoriais.
(...).
Sua obra toda guarda um parentesco íntimo com a alma popular, onde o pensamento ilógico – que é sempre lógico na ótica das camadas populares iletradas – constitui a base de suas manifestações, de suas metáforas, de seu simbolismo. Mesmo o “brilho inútil das estrelas”, caracterizador de Macunaíma tem um sentido profundo, de uma lógica não cartesiana que necessita ser entendido e examinado seriamente, extirpando dele quaisquer traços anedóticos e superficiais, pois para a alma popular tudo tem um fundo religioso de verdade, de beleza e de amor.
Mário de Andrade parte para sua aventura, para a sua viagem maravilhosa em busca do Brasil, onde num trabalho arqueológico, estuda, à exaustão, a literatura colonial à procura dos traços primeiros de nossa formação como povo. Busca no Romantismo essas constantes e continuando a aventura se lança de corpo e alma na colheita e análise dos fatos populares. (...).
Toda a obra de Mário de Andrade é um vasto “livro de amor”, por isso que imprimiu indelevelmente nela a marca de sua sensibilidade, de seu espírito crítico apaixonado. Tudo o que fez foi feito com paixão em busca das raízes profundas de nossa nacionalidade.
Sua obra vasta e complexa deverá ser analisada com rigor, dentro de um espírito crítico construtivo, pois o escritor foi um escritor difícil – como uma vez se definiu – sem concessão ao epidérmico, ao gozo fácil. Seu pensamento é caprichoso, denso por demais, marcado por decorrências temáticas, ora de fundo harmônico constituído de acordes lindíssimos, ora melódicos em que a linha toma aspectos tempestuosos e conflitantes, em dado momento, em outro, segue plácida e lírica feito água de nascente. E, ainda por vezes, toma o jeito de uma escritura polifônica de espírito contrapontístico em que as vozes, os temas, se sucedem, se chocam, dialogam entre si, lembrando uma tocata e fuga de seu grande mestre Johann Sebastian Bach, aquele mesmo Bach que no pequeno órgão de Mário, localizado junto à janela de seu estúdio, pacificava-lhe a alma cheia de morte, de morte, de morte, esta morte que desejava amar com o mesmo engano com que amou a vida... Torna-se necessário ir a fundo no pensamento andradiano, para usufruir de suas riquezas e citando Lanson, a propósito de Rabelais, digo, faz-se mister “quebrar o osso” dessa obra ampla e generosa de Mário de Andrade, a fim de sugar o que ela tem de mais substancial, de mais íntima, à procura do sentido universal e misterioso que ela oculta, toda metáfora e sutileza. E beleza. E quem for em busca desse sentido,encontrará uma paixão ardente e irrefreável de Mário de Andrade pelas manifestações da alma popular densa de mistério, de religiosidade, de riqueza interior e de amor.

FONTES DE PESQUISA:

– ANDRADE, Mário. Táxi e Crônicas no Diário Nacional – Estabelecimento de Textos, Introdução e Notas de Telê Porto Ancona Lopes – Editora Livraria Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976 – SP;
– ANDRADE, Mário. Cartas a Murilo Mendes (1934/1945) – Editora Nova Fronteira – 1ª Ed. 1981 – SP.;
– ANDRADE, Mário. A Lição do Guru (Cartas a Guilherme Figueiredo) – 1937/1945 – Editora Civilização Brasileira – 1ª Ed. 1989 – RJ.;
– ANDRADE, Mário. Cartas a Um Jovem Escritor – Remetente: Mário de Andrade; Destinatário: Fernando Sabino – Editora Record – RJ, 3ª Ed. 1981;
– ANDRADE, Mário e ONEYDA Alvarenga. Cartas. Editora Livraria Duas Cidades – SP, 1ª Ed. 1983;
– D.O. LEITURA (13/149) – São Paulo/Outubro de 1994 – Págs. 13/14 – Matéria organizada por Luiz Toledo Machado – Doutor em Literatura Brasileira da USP), Depoimento de José Bento Faria Ferraz;
– DUARTE, Paulo. Mário de Andrade Por Ele Mesmo – Editora Hucitec, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977 – SP. – Segunda Edição corrigida e aumentada, com prefácio de Antônio Cândido;
– REVISTA MEMÓRIA - Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo – São Paulo. 1992;
– TONI CAMARGO, Flávia (Org). A Música Popular Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade – Ed. Sesc – Senac – SP – 2004, com apoio do IEB – Instituto de Estudos Brasileiros;
– WERNECK DE CASTRO, Moacir. Mário de Andrade – Exílio no Rio. Editora Rocco – RJ. 1ª Ed. 1989.


(Luiz de Almeida: Estudo efetuado para as Oficinas Literárias da Exposição Retalhos do Modernismo – 2008)