sábado, 26 de novembro de 2011

SÉRGIO MILLIET (FOTO INÉDITA)

SÉRGIO MILLIET

O Blog RETALHOS DO MODERNISMO conseguiu foto inédita de Sérgio Milliet. Fiel aos seus objetivos primeiros, posta cópia da referida foto para o conhecimento dos seus seguidores e para o deleite de todos os amantes da literatura nacional, leitores de Sérgio Milliet e também do nosso grande romancista Erico Veríssimo - ambos na foto. Êxtase.
Flagrante (s/ data) com a presença de SÉRGIO MILLIET, quando da visita do escritor Érico Veríssimo à sede da União Brasileira de Escritores (UBE), São Paulo. (Da esquerda para a direita): Ibiapaba Martins, Oliveira Ribeiro Neto, Henrique L. Alves, Érico Veríssimo, SÉRGIO MILLIET e Raimundo de Menezes.
(Foto original: Acervo da Biblioteca do Blog e Exposição RETALHOS DO MODERNISMO)

Para a foto não ficar solitária nas páginas do RETALHOS, transcrevo parcialmente texto do Sérgio Milliet evidenciando obras de Érico Veríssimo, datado de 20 de Dezembro de 1951, editado no Vol. VIII (1981) do Diário Crítico de Sérgio Milliet, pelas editoras Martins & amp; Edusp. (Luiz de Almeida).
Dezembro, 20 - Não me arrisco ainda a emitir uma opinião sobre a trilogia de Érico Veríssimo. – “O tempo e o Vento”. Surpreendeu-me agradavelmente o primeiro voluma (O Continente) e não me desilude o segundo (O retrato).
O que me parece caracterizar a parte inicial da trilogia é a forma sinfônica do romance. Em “O Continente” os cento e cinquenta anos da historia da constituição de duas famílias e da criação da cidade de Santa Fé assinalam o arcabouço dentro do qual se desenvolve o “alegro” da vida turbulenta e brilhante do Capitão Cambará. As variações numerosas e os diversos “movimentos” se conjugam de modo da dar-nos uma peça literária rica e sugestiva. Quanto ao miolo da obra, tem-se, paralelamente ao desejo de revelar ao leitor as raízes da atualidade social rio-grandense, a intenção de fixar alguns tipos humanos específicos em conflito fecundo. (...).
Em “O retrato” passa-se da sinfonia ao concerto, com os “tutti” inicial e final e o solo biográfico do dr. Rodrigo Cambará, bisneto de seu homônimo do primeiro volume. Essa vida agitada, e por momentos apaixonantes, desenrola-se, em seus pormenores, de 1909 a 1915, desde a campanha civilista, portanto até a Grande Guerra. Entretanto, graças aos trechos dos principio e do fim, amplia-se a biografia até a queda de Getúlio Vargas, com a sugestão de ter o herói participado da Revolução de 30 alçando-se a uma posição politica elevada em rápida e feliz ascensão. (...).
Passando da analogia musical para a analogia pictórica perceberíamos na obra de Érico Veríssimo uma intenção visível de realizar um afresco histórico-social em forma de trip-tico, que nos conduzisse da colonização, que nos conduzisse da colonização açoriana do sul ao predomínio do Rio Grande na politica atual, tudo se explicando pelo desenvolvimento econômico da região e pela formação moral, temperada nas guerras e revoluções da fronteira. (...).
A maior qualidade de Érico Veríssimo é o dom de interessar. Seu romance apaixona. Leem-se de um folego as 600 paginas de “O retrato”. Ora a curiosidade do leitor inteligente não se desperta sem motivo a este, nessa alentada trilogia está na veracidade do enredo de par com a humanidade das personagens. À exceção dos três ou quatro heróis a quem o autor encomendou seus sermões políticos e filosóficos, todos os outros são indivíduos de carne e osso, estudados minuciosamente em sua psicologia e cujas ações não a contradizem.
 (Milliet, Sérgio. Diário Crítico de Sérgio Milliet – Vol. VIII. Introdução de Antônio Cândido. 2ª Ed. Martins & Edusp - São Paulo, 1981. Pp. 132/134).

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

SÉRGIO MILLIET

  SÉRGIO MILLIET
E A ARTE MODERNA

Sérgio Milliet
(Foto do Acervo da Exposição Retalhos do Modernismo) 

Dia 9 de novembro lembramos a morte de um dos grandes intelectuais brasileiro: Sérgio Milliet (escritor, ensaísta, crítico, articulista, pintor, desenhista, etc.), acontecida em 1966, na cidade de São Paulo. Talvez o termo “lembramos” não seja a esperada expressão da verdade, pois não vimos, mais uma vez, uma “notinha” na mídia nacional. Infelizmente. Na França sim. Vários jornais e sites não deixaram de mencionar algo sobre Serge Milliet. Aqui, parece que já estamos habituados com os “esquecimentos” da nossa mídia, principalmente quando o envolvido pertence a qualquer área das artes (nacional). Se Milliet não fosse brasileiro, “talvez” a imprensa nacional tivesse lembrado. E não posso deixar de mencionar que aqui no Brasil temos especialistas em Sérgio Milliet: Francisco Alambert, Lisbeth Rebollo, Regina Campos e Silvia Quintanilha – bastaria os mandatários da mídia brasileira (se tivessem um mínimo de interesse cultural) buscarem os resultados das pesquisas desses intelectuais, com certeza, editariam grandes matérias a respeito de Sérgio Milliet. Bem, deixa pra lá. Vamos permanecer nos objetivos do Retalhos e descrever algo mais sobre Sérgio Milliet e concluir com algumas das suas “considerações sobre artes plásticas”.
Veja sobre Sérgio Milliet aqui no Retalhos:
O foco escolhido para esta postagem é o Sérgio Milliet voltado para a arte moderna brasileira. É importante mencionar que Milliet teve uma participação ativa nas artes plásticas nacionais, não como pintor e desenhista, mas como ensaísta, crítico, instrutor e realizador. O artista plástico Aldemir Martins, em “Artes Visuais”, jornal Folha de S. Paulo, edição de 2 de dezembro de 1979, menciona:
  “(...) tudo o que nós devemos a Sérgio é a nossa formação extracurricular, ou seja: nós éramos semi-alfabetizados e o Sérgio nos proporcionava o contato com a informação sobre arte, além de se responsabilizar por outros aspectos de nossa carreira (contas, fiadores, etc.)”.
  Ele marcou a vida cultural paulistana. Foi amigo de Mário de Andrade e teve um relacionamento afetuoso e profissional com todos os artistas e intelectuais dos anos 20, 30 e 40. Teve um envolvimento direto com a questão cultural, principalmente nos que diz respeito às artes plásticas. O primeiro acervo público de arte moderna brasileira foi idealização por Milliet para a Biblioteca Municipal de São Paulo (*). Ligado ao Departamento de Cultura, junto com Mário de Andrade na qualidade de Diretor da Divisão de Documentação Histórica e Social desde 1935, seria em sua gestão junto à Biblioteca Municipal, o principal incentivador na criação de instituições que sedimentassem o discurso artístico modernista.
  Em 22 de julho de 1938, lamentava a ausência, em São Paulo, de uma instituição pública que se preocupasse com a pesquisa e a documentação das artes plásticas paulistanas, como mencionou no O Estado de São Paulo:
  - “A ausência de um Museu de Arte Moderna em São Paulo faz-se duramente sentir. Se este existisse na nossa capital (...) talvez não ficasse sem registro permanente o esforço notável dos pintores e escultores da atual geração brasileira”. (*).
  Ao assumir, em 1943, a direção da Biblioteca Municipal, Sérgio Milliet apresentou um projeto de arquivo e documentação de arte sobre papel – similar ao das melhores bibliotecas europeias e norte-americanas – dando início, assim, a um acervo de desenhos e gravuras originais que pudessem ser guardados em pastas, permitindo o fácil acesso a pesquisadores e historiadores de arte. (*).
  Em 1945, Milliet começou a pintar e a fazer portraits – charges, em São Paulo. Em 25 de janeiro, inaugura na Biblioteca Municipal de São Paulo a Seção de Arte. Conforme afirma João J. Spinelli, no O Olhar de Sérgio Sobre a Arte Brasileira: “(...). A partir desta data, Sérgio Milliet e Maria Eugênia Franco, sua fiel colaboradora, formaram uma coleção de desenhos, gravuras e pinturas, fundamental, até hoje, para o estudo e a compreensão da história das artes visuais no Brasil. Desde o início, com cuidados museográficos, estes dois visionários organizaram exposições didáticas sobre os principais movimentos artísticos, facilitando aos artistas e ao público em geral o entendimento das transformações estéticas ocorridas na primeira metade deste século. //Além da criação do primeiro acervo público de arte moderna brasileira, Sérgio Milliet facilitou o acesso dos usuários a livros, revistas e álbuns de arte. Palestras, debates, cursos, recitais e exposições transformaram a Biblioteca no primeiro grande centro cultural do país”.
  Em 1946, comemorando seu primeiro ano de existência, a Seção de Arte organizava a "Exposição de Desenhos Originais de Artistas de São Paulo". No texto de abertura da mostra, não assinado, especificavam-se os propósitos da instituição: "Nesta exposição de desenhos dos artistas de São Paulo, novos alguns, outros já consagrados, não existe somente, um estímulo à sua arte. Existe também o desejo de tornar pública esta coleção, de propriedade da Seção de Arte da Biblioteca, para que ela possa ser vista, a qualquer momento, depois de retirada desta vitrine, por todos aqueles que não sabiam de sua existência, em nosso acervo. Obedecendo ao caráter didático e informativo, que vêm sempre tendo as nossas exposições, os desenhos foram dispostos numa ordem aproximada, cronológica do aparecimento dos artistas, em nosso meio".
  Essa exposição contou com obras dos seguintes artistas: Aldemir Martins, Aldo Bonadei, Alfredo Rizzotti, Alfredo Volpi, Anita Malfatti, Antônio Bandeira, Antônio Gomide, Bruno Giorge, Cândido Portinari, Carlos Prado, Clovis Graciano, Djanira da Motta e Silva, Emiliano Di Cavalcanti, Enrico Bianco, Ernesto de Fiori, Fayga Ostrower, Fulvio Pennacchi, Gastão Worms, Joaquim Lopes Figueira, José Pancetti, Lívio Abramo, Lothar Charoux, Marcelo Grassmann, Maria Leontina, Mário Zanini, Manuel Martins, Milton Dacosta, Mick Carnicelli, Oswaldo Goeldi, Otávio Araujo, Paulo Rossi Osir, Quirino da Silva, Raphael Gavez, Renina Katz, Tarsila do Amaral, Waldemar da Costa, dentre outros.
  "Milliet era uma pessoa extremamente curiosa. Estava sempre atento ao trabalho dos novos poetas, dos novos pintores. Tinha um olhar de caleidoscópio (...)”. Foi assim que a pesquisadora Regina Maria Salgado Campos definiu quando apresentou o pensamento de Milliet em sua tese de doutorado no Departamento de Letras Modernas, em 1990.
  Antes de concluir este texto com algumas considerações de Milliet sobre artes, não seria demais enfatizar: “Sérgio Milliet teve uma participação ativa nas artes plásticas nacionais”, e poucos sabem que ele foi um dos participantes da organização do Museu de Arte Moderna (1948-49), como também foi dele a Bienal, em 1951. Como crítico deixou vasto material que necessita ser mais bem explorado. Apesar de todo seu esforço e entusiasmo nas suas considerações sobre artes plásticas, Quirino da Silva deixou o seguinte depoimento sobre Milliet:
  "Desde que passou a pintar, seu conceito sobre pintura se modificou. A tal ponto compreendeu o problema pictórico que o seu primeiro gesto foi afastar-se da crítica de artes plásticas. Aos seus amigos íntimos, mormente pintores, dizia repetidas vezes: Se soubessem como é difícil pintar, não escreveriam tanto sobre pintura. (...)”. (in HOMENAGEM a Sérgio Milliet. Apresentação de José Geraldo Vieira e Quirino da Silva. São Paulo: MAM, 1969).
 CONSIDERAÇÕES (INATUAIS)
DE SÉRGIO MILLIET:
As considerações que seguem foram retiradas (parcialmente) da edição de “Os Cadernos de Cultura”, do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, direção de José Simeão Leal, Caderno nº 107, publicado pelo Departamento de Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1957: “Considerações Inatuais”, Sérgio Milliet.
(Preservada a ortografia original).
- A sinceridade em arte vale na medida em induz o público a acreditar nela e a sentir.
- Inútil esteticamente, o assunto era para o leigo uma ponte de acesso à pintura. Demolida a ponte, o público se desarvora e deserta as salas de exposição. Ora, poderá viver uma arte sem público?
- Uma obra de arte que não atinja ao imponderável é uma obra morta, em que pesem suas qualidades.
- Em arte não há feio, há expressão e equilíbrios.
- A neurose do pintor moderno, não é dele e sim da época.
- Nunca se pintou tão bem, nunca houve maior consciência técnica. Mas a pintura carece de uma razão de ser efetiva. E mais a figurativista do que a abstrata.
- O leigo começa por apreciar a Renascença, e só alcança Picasso quando percebe que ele usa a mesma linguagem que os pintores do século XV.
- No verdadeiro paisagista as figuras são também campos, casas, céus.
- Definir a paisagem brasileira pela luz, seria o mesmo que classificar o brasileiro pela cor da pele.
- Falta à jovem pintura aquele “plus” que caracterizou os grandes do passado.
- Decoração quer dizer convenção, estilização, repetição de soluções, linguagem acessível, esquematismo.
- O cubismo do decorativo com o anedótico acarreta a pobreza da matéria, o automatismo do desenho, a perda sensibilidade na cor, a monotonia da própria execução técnica.
- Certas soluções da pintura moderna talvez nos penetrem mais a inteligência do que o coração. (...).
- Toda obra de arte é abstrata enquanto obra de arte e somente porque exibe de maneira mais ou menos feliz elementos abstratos que nos impressionam. Um poema não vale literariamente pelo seu tema: vale pelos ritmos e metáforas, pela musicalidade, pela invenção sintática. Da mesma forma um quadro ainda que do Renascimento ou da fase mais realista, pós-romântica, se classifica entre as obras de arte não pelo assunto mas pela expressão de suas linhas, pela harmonia de seu colorido, pelo valor de sua geometria.
- O grande artista permanece grande mesmo nos seus desvios doutrinários. Porque ele é grande apesar da doutrina. Não pelas teorias da escola mas pelas soluções plásticas de sua pintura.
- Quem melhor julga um retrato como obra de arte é quem menos conhece o retratado.
- O leigo nem sempre compreende, em virtude de seu condicionamento artístico rígido, que pode haver boa pintura com mau desenho e vice-versa. Tais técnicas independem em parte uma da outra e a ignorância do desenho não implica no desconhecimento das leis pictóricas.
- A boa pintura provoca sempre uma excitação dos sentidos: dá vontade de comer, de cheirar, de tocar.
- O bom desenho bole com a imaginação, com a inteligência, com o sonho.
- Desenho não ser caligrafia. Desenham bem os bons alunos da Escola de Belas Artes? Que importa! Arte é expressão.

NOTAS:

(*) Spinelli, João J. In: O Olhar de Sérgio Sobre a Arte Brasileira, Edição da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, 1992, págs. 7-8.

FONTES:

- Amaral, Carlos Soulié do. Sérgio Milliet, um intérprete da cultura brasileira. O Estado de S. Paulo, 24 out. 1998.
- Guerra, Ana Maria Bezerra & Spinelli, João J. O Olhar de Sérgio Sobre a Arte Brasileira. Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, SP. 1992;
- Milliet, Sérgio. Considerações Inatuais. Os Cadernos de Cultura. Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura. Edição nº 107, Departamento de Imprensa Nacional – RJ, 1957;
- http://www.usp.br/jorusp/arquivo/1998/jusp445/manchet/rep_res/opiniao.html;
- Sérgio Milliet - O Estado de São Paulo, junho de 1961. http://www2.uol.com.br/franciscorebolo/imprensa/inventiva.htm.