Na primeira semana de fevereiro do corrente ano, tive a honra de conversar com a jornalista e Poeta MARIA THEREZA CAVALHEIRO, onde falamos do nosso dia-a-dia, das pesquisas e estudos literários, do Blog Retalhos e, logicamente de: GUILHERME DE ALMEIDA.
Passados alguns dias após essa conversa, recebi da minha nova amiga uma porção de recortes de jornais e xerox de textos escritos por Ela sobre Guilherme de Almeida, encaminhados através de uma missiva apaixonante e que, dentre outros assuntos, me autorizou transcrever todo esse material jornalístico aqui no RETALHOS.
É um material imenso, mas inédito na Net, provocando assim: “orgulho e honra” para o autor deste Blog. Apesar de tornar dificultosa a digitação, obedeci rigorosamente a grafia original dos textos, exatamente como escritos e editados. Para as postagens não obedecerei somente as datas originais das publicações, pois escolhi postar aqui no Retalhos pelas temáticas, como também inserir algumas imagens que não fazem parte dos textos originais da Autora. E a primeira postagem é como se fosse um diário. Longa, eu sei, mas de um significado descomunal, onde a Poeta consegue transmitir com um sentimento amabilíssimo sua amizade e convivência com o Poeta Guilherme de Almeida.
Luiz de Almeida
Nota:
O artigo da Poeta Maria Thereza Cavalheiro intitulado: “GUILHERME DE ALMEIDA: O POETA DE SÃO PAULO”, transcrito a seguir, foi editado em três números sequentes do jornal D.O. Leitura – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em 1989: Partes I, II e III, sempre com o mesmo título, nas edições: n.º 88, de 8 de setembro – p. 4/5; n.º 89, de 8 de outubro – p. 4/5 e n.º 90, de 8 de novembro – p. 6/7).
GUILHERME DE ALMEIDA:
O POETA DE SÃO PAULO
Durante muitos anos, Guilherme de Almeida foi o mais popular poeta paulista, principalmente na fase que coincidiu com a Revolução de 32. Sua obra é apresentada nesta vasta pesquisa, em que se encontram revelações inéditas ou atos muito pouco conhecidos da vida do Príncipe dos Poetas Brasileiros.
Maria Thereza Cavalheiro
Maria Thereza Cavalheiro entrevistando
Guilherme de Almeida (Foto Reprodução)
Falar de Guilherme de Almeida, meu padrinho literário, representa para mim uma volta ao passado, um relembrar de fatos que muito de perto me disseram respeito. Quando se tem contato com uma figura incomum, e com certa freqüência, impossível não lembrar o que mais nos falou à sensibilidade, e o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” deixava, em todos os que dele se aproximavam, uma impressão muito forte, motivada também pela simplicidade com que sabia ser grande, pela humildade com que realizava obras marcantes.
Guilherme de Almeida era de grande fidalguia de trato. Foi, durante toda a vida, um cultor de nossas tradições e de nossa História. Personalidade de destaque dos meios intelectuais e sociais, ampliou o patrimônio cultural do País com suas obras. Sua atividade era múltipla: poeta, jornalista, cronista, tradutor, além de desenhista e profundo conhecedor de cinema. Seus livros, entre poesia e prosa, literatura infantil, traduções e peças de teatro, somam mais de setenta volumes. O próprio Poeta não sabia dizer o número com precisão.
Conhecia várias línguas (incluindo o latim e o grego), rendia verdadeiro culto ao idioma pátrio, e tudo quanto escrevia tinha a marca da perfeição. Inovou na poesia e na prosa, imprimindo, a tudo, o seu próprio e inconfundível estilo. Deixou, para a posteridade, lindos poemas cívicos do Brasil e de São Paulo, que bem demonstram seu grande amor pela nossa terra, e, particularmente, pelo nosso Estado – ele que foi um dos heróis de 32.
Guilherme de Andrade e Almeida nasceu a 24 de julho de 1890, em Campinas, SP, terra de sua mãe, Angelina de Andrade Almeida, e onde seu pai, Estevam de Araújo Almeida – jurisconsulto, filólogo e professor de Direito – era Promotor Público.
Foi batizado em Limeira-SP, onde a família se encontrava, fugida do surto de febre amarela que se alastrava em Campinas. Passou alguns anos em Araras e em Rio Claro, no interior paulista; nesta última cidade transcorreu a infância do Poeta. Aí estudou no colégio de sua tia Anninha – Anna de Almeida Barbosa de Campos. Em 1902, a família veio para São Paulo e, ano seguinte, o menino Guilherme contraiu tifo e febre amarela; passou muito mal, teve perda de memória, mas depois se recuperou plenamente. Guilherme de Almeida costumava dizer que havia nascido aos doze anos de idade, e foi quando passou a fazer os primeiros versos, no que foi estimulado pelo pai, possuidor de bela biblioteca.
O Poeta teve vários irmãos, alguns falecidos prematuramente. Dentre estes, um também se dedicou à poesia: Tácito de Almeida, nascido em 14-7-1899 e falecido em 3-9-1940, que usou o pseudônimo de Carlos Alberto de Araújo. Tácito não chegou a reunir em livro os seus poemas, muitos dos quais estampados na publicação modernista Klaxon (nome tirado de uma buzina espalhafatosa), de que ele e o famoso irmão foram também fundadores.
Guilherme de Almeida fez o curso secundário nos seguintes estabelecimentos de ensino: Ginásio de Campinas, antigo “Culto à Ciência”; Ginásio São Bento, na Capital paulista; Ginásio Diocesano de São José, internato em Pouso Alegre-MG; e, finalmente, Ginásio N. S. do Carmo, também de São Paulo. Neste último, formou-se em Ciências e Letras em 1907; depois, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1912. Durante algum tempo chegou a advogar com o pai, mas a sua vocação mais alta eram as Letras, a que se dedicou toda a vida, especialmente após seu casamento com Belkiss (“Baby) Barrozo do Amaral, da sociedade carioca, em 3 de setembro de 1923. Passou então a residir no Rio de Janeiro, e retornou a São Paulo em 1926, por ocasião da morte de seu pai. O casal teve um filho, Guy Sérgio Haroldo Estevam Zózimo Barrozo de Almeida, nascido em 29-8-1924.
Em um de nossos primeiros encontros com Guilherme de Almeida, contou o Poeta como conhecera a interessante Baby, cearense de Quixadá, mas radicada no Rio desde pequena. Ele começou a receber cartas de uma moça, que não se identificava, escritas em um francês perfeito, numa bela caligrafia. Com a troca de correspondência, que se foi amiudando, o Poeta pediu-lhe um retrato. Ela então lhe enviou não um, mas, de cada vez, o pedaço de um, sempre de fotos diferentes, para que ele próprio construísse a imagem dela. Então ocorreu o lançamento de um livro do Guilherme, a que a jovem compareceu. Quando ela se aproximou para o autógrafo, sem que nada se dissessem, o Poeta teve a certeza de que aquela era a sua correspondente especial. Houve entre ambos uma paixão fulminante, que os levou ao casamento.
E essa impressão de já se conhecerem Guilherme de Almeida transmite muito bem no poema “Decepção” (Acaso), que assim termina:
“Agora sou feliz: sou teu. Mas – ah! – no meio desta felicidade, um só bem não me veio e nem mo podes dar, por mais que tu me dês:
- É uma surpresa do encontro, o gosto do imprevisto, o inesperado, a sensação do nunca visto...
Porque eu nunca te vi pela primeira vez!”
Foto (Reprodução) de Baby antes do casamento
DUAS VEZES ACADÊMICO
Guilherme de Almeida foi eleito para a Academia Paulista de Letras em 1928, onde, na vaga de seu pai, ocupou a Cadeira n.º 22, por este fundada, cujo patrono é João Pereira Monteiro Júnior. Foi empossado em 31 de julho de 1929 e saudado por Spencer Vampré.
Em 1930, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Amadeu Amaral, Cadeira n.º 15, sob invocação de Gonçalves Dias, fundada por Olavo Bilac. Foi empossado em 21 de junho do mesmo ano, e Olegário Mariano, o “Poeta das Cigarras”, fez a réplica ao seu discurso.
Em 16-6-58, sucedendo a Olegário Mariano, Guilherme de Almeida foi eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, por consagradora votação, em concurso patrocinado pelo Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, pela seção “Escritores e Livros”. Contou-nos o Poeta que, na ocasião, concedeu mais de trezentas entrevistas, pronunciou mais de quarenta discursos, recebeu mais de duas mil e quinhentas cartas... O Poeta sempre amou muito sua cidade natal, com a qual disse ter cometido uma injustiça: quando eleito “Príncipe”, aceitara homenagens de vários cantos do Brasil, mas não tivera tempo de ir receber, até aquele momento, in loco, os aplausos de seus conterrâneos, o que aconteceu em 1962. O Diário do Povo, de Campinas, organizou à época uma grande homenagem ao Poeta, e o convite oficial partiu do então prefeito Miguel Vicente Cury. Blagueur como era, Guilherme de Almeida relatou-nos a história de um cidadão que disse que “não é preciso perguntar a um campineiro se ele é de Campinas: se o é, vai logo dizendo; se não é, por que humilhá-lo?”
O concurso para eleição do “Príncipe dos Poetas Brasileiros” foi promovido por três vezes, pela revista Fon-Fon, fundada por Mário Pederneiras, também poeta, e eleitos, sucessivamente, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano. Com a morte deste último e o desaparecimento da revista, seu diretor, Ary Sérgio da Silva, transferiu ao Correio da Manhã os direitos literários do concurso.
Na ocasião, foram votados cinqüenta e um poetas, e Guilherme de Almeida venceu com 261 votos. Em segundo lugar ficou Manuel Bandeira. Cerca de mil intelectuais de todo o Brasil participaram da escolha, com voto aberto e assinado. Em Estados onde não conhecia ninguém, Guilherme chegou a ser o mais votado, e, para sua mágoa, em São Paulo obteve apenas 80 votos.
A entrega do título ocorreu em 16 de setembro de 1959, durante um jantar oferecido pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, no Palácio das Laranjeiras.
Entre outros títulos, Guilherme de Almeida recebeu os de Cavaleiro da Legião de Honra, da França; Comendador da Ordem do Mérito, da Síria; Comendador da Ordem de Santiago da Espada (Portugal); Comendador da Ordem do Tesouro Sagrado, do Japão; Grande Oficial da Ordem Militar de Cristo, de Portugal; Grande Oficial da Coroa da Romênia; Oficial da Ordem das Artes e das Letras, da França. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; do Seminário de Estudos Galegos de Santiago de Compostela (Espanha); da Unión Cultural Universal, do Alcácer de Sevilha (Espanha); do Instituto de Coimbra (Portugal). Recebeu a Medalha de Ouro e Diploma de Primeira Classe aos Beneméritos da Escola de Cultura e da Arte, da Itália. Outra mágoa do Poeta: nenhuma condecoração brasileira.
Guilherme de Almeida participou da Revolução Constitucionalista de 1932, quando serviu no Batalhão da Liga da Defesa Paulista, que se bateu em Cunha-SP. Dirigiu o Jornal das Trincheiras, distribuído aos soldados até no próprio campo de batalha. Ao final do Movimento, foi preso e exilado; permaneceu um ano na Europa. Em 22-12-32, foi recebido com todas as honras na Academia das Ciências de Lisboa, cidade onde há uma rua com seu nome, uma avenida na Freguesia do Ó e um viaduto na Liberdade.
Exerceu vários cargos públicos em São Paulo: foi Promotor Público interino em Mogi-Mirim (1914); Secretário da Escola Normal do Brás (1923/54); Secretário da Escola Normal Padre Anchieta (1923/38); Chefe da Divisão de Expansão Cultural do Departamento Municipal de Cultura (1938/41); Oficial de Gabinete do Interventor Fernando Costa (1941/43); Secretário do Conselho Estadual de Bibliotecas e Museus (1943/48). Chefiou a Missão Cultural do Serviço de Cooperação Intelectual do Ministério do Exterior, que foi a Montevidéu (Uruguai), para a inauguração da Herma a Olavo Bilac (1937). Presidiu a Comissão do IV Centenário de São Paulo (1954). O Poeta foi também Presidente da Associação Paulista de Imprensa (1937/39).
A convite do Poeta Amadeu Amaral, Guilherme de Almeida ingressou no O Estado de S. Paulo em 1916; na volta do Rio retornou a esse jornal (1926). Aí, assinou-se “G” como crítico de cinema, com a coluna “Cinematógrafo”; “Guy”, na coluna “Sociedade”. Assinou-se ainda “G. de A” e “G.A”. Como “Urbano”, assinou a seção “Pela Cidade”, no Diário Nacional (1927). Deixou O Estado de S. Paulo e passou a diretor da Folha da Manhã e da Folha da Noite (1947/57), onde escreveu “Ontem, Hoje, Amanhã” (crônicas). Fundou o Jornal de São Paulo (1945), do qual depois se afastou (1947). Aí publicou “Folhinha” (crônicas). Retornou a O Estado de S. Paulo (1957). Na Rádio Cruzeiro do Sul realizou dois programas semanais: “Momentos de Poesia” e Preview da Semana”, este de crítica de cinema.
O PRIMEIRO LIVRO
A primeira pessoa, além dos familiares, a ler os versos do livro de estréia de Guilherme de Almeida, Nós, terminado em 1916, foi o poeta santista Vicente de Carvalho, que, dentre 54, fez uma seleção de 33 sonetos para publicação. Na oportunidade, Guilherme trabalhava em O Estado de S. Paulo, onde estreitou seu conhecimento com outro poeta, Amadeu Amaral, que o entusiasmou a publicar o livro.
Nas oficinas daquele jornal, fora inicialmente impressa uma plaquete com seus versos, de que houve uma leitura pública dia 16-9-1916, por Júlio César da Silva, no Salão de Recepção do mesmo órgão informativo, então localizado na Praça Antônio Prado. Curiosamente, também num dia 16 de setembro, quarenta e três anos depois, Guilherme de Almeida receberia o título de “Príncipe dos Poetas Brasileiros”.
Nós foi lançado em 6-6-1917, com a tiragem de 1.015 exemplares. Corrêa Dias, artista recém-chegado de Portugal, fez, no Rio, as ilustrações para o livro, as suas primeiras realizadas no Brasil. O nome do Poeta aparece aportuguesado: d’Almeida. O livro foi impresso também nas oficinas de O Estado de S. Paulo, pela sua Seção de Obras, sob a direção de Heitor Schultz. Custeou a edição, a título de presente, um amigo do pai do Poeta, de quem era companheiro de escritório: o Dr. Francisco Morato. O custo da edição foi de 1.400$0000.
Houve um mal que veio para bem: o crítico Antonio Tôrres, em A Noite, do Rio, fez, sobre o livro, um comentário negativo, sob o título “Bacillus liricus”, o que chamou a atenção de todos para o poeta estreante, logo defendido e elogiado por Medeiros e Albuquerque, João Ribeiro, Osório Duque Estrada e outros. Seus versos passaram a ganhar as folhas dos jornais e revistas, e nunca mais deixaram de ser transcritos e declamados. Nós mereceu, da imprensa brasileira e portuguesa, cerca de 1.200 críticas.
Guilherme de Almeida contou-nos que uma de suas primeiras grandes emoções como poeta foi quando, andando em um bonde que subia a Av. São João, viu seu livro, Nós, nas mãos de um rapaz modesto, vestido de macacão, que o lia embevecido.
A SEMANA DE 1922
Divulgou o Movimento com a conferência “Revelação do Brasil pela Poesia Moderna”, que fez em Porto Alegre, Recife e Fortaleza. Na Semana, apresentou duas “canções gregas”: “A galera” e “Os discóbulos”.
Sobre Guilherme de Almeida, disse Tristão de Athayde (Jornal do Brasil, 7-8-69): “Embora sempre fiel a esse culto da forma, que o aproximava em sua geração de um Martins Fontes, revelou especialmente no seu segundo livro, A Dança das Horas, de 1919, até hoje para mim sua obra-prima, uma leveza de tato que o tornava autêntico rendeiro de arabescos versificados”.
“Nesse mesmo ano, Manuel Bandeira publicava Carnaval e a poesia de ambos abandonava os velhos rumos parnasianos e sonetistas, para enveredarem por caminhos novos que Laforgue ou Antônio Nobre haviam pronunciado do outro lado do Atlântico. E se preparavam, por aqui, no subsolo de uma revolução prestes a estalar. Foi o que se deu em 1922”.
E assim termina o artigo: “O modernismo o seduziu por solidariedade à nova geração que Menotti Del Picchia arrancara da melancolia e do convencionalismo. Não havia nele nenhuma vocação revolucionária como nos demais da Semana. Mas havia uma vocação poética irreprimível. E um antiburguesismo visceral. Talvez por isso, iria evoluir do dandismo ao tradicionalismo”.
Mas como atesta o acadêmico Ledo Ivo (O Estado de S. Paulo, 27-6-71), Guilherme de Almeida “afirma uma propensão ou vocação de heterodoxia que o situará, não só naquele momento de confianças e fervores desatados e desabridos, mas ao longo de todo o hoje provecto Movimento Modernista, como uma figura à parte, e abastecida em sua própria singularidade humana e lírica”.
“Talvez mais do que nenhum outro dos participantes da Semana de Arte Moderna, Guilherme de Almeida viveu o drama da conciliação estética do novo com o velho, da fôrma com a forma, da tradição com a invenção, da rotina e do automatismo das receitas com o clamor da criatividade. Destoando da quase totalidade de seus companheiros de geração, ele sabia seus gregos e latins – era portador de uma formação humanística que, pelo peso exemplar, o convidava às fidelidades e referências mais diversas. (...) Guilherme de Almeida impôe à fase inaugural do modernismo (e de resto a todo o movimento) o selo inconfundível de seu virtuosismo. Ao contrário de seus pares, não o seduzem a chacota, o poema-piada, o prosaísmo que não se dessedenta na fonte do ritmo e da musicalidade. Moderno, seu jogo poético não se arreda de certa gravidade (...). Por mais paradoxal que isso possa parecer, as canções gregas de A frauta que eu perdi (1924) marcam sua adesão ao movimento, o que não deixa de possuir a sua fímbria de malícia. Nessas canções, Guilherme de Almeida, sob a conpulsão do clima intelectual da época, despe-se do seu envoltório parnasiano e passa a lidar com timbres novos ou rejuvenescidos que possuem algo de matinal – como se seus versos límpidos e flexíveis estivessem cobertos de orvalho. (...)”.
“A década de 20 haverá de ser, em sua obra, de uma esplêndida integridade. (...) E na maior parte dos poemas que Guilherme de Almeida elaborou nessa ditosa época de otimismo e experimentações salientam-se todas as suas qualidades ou virtudes de poeta e versificador que, na crista de uma vanguarda, encontra os pretextos para dedicar-se às fabricações poéticas mais bizarras. Conhecedor dos sistemas métricos avoengos, prazia-lhe remoçá-los e moldá-los às demandas de seu estágio de criatividade. Nos cancioneiros medievais ele foi buscar as assonâncias, jungindo as rimas imperfeitas e primitivas do nosso alvorejar poético ao seu obstinado e ledo empenho de perfeição. O poma em forma de pirâmide (‘Estância VII – Sobre a ambição’) que tanto se salienta no lirismo fronteiriço do Livro de Horas de Sóror Dolorosa também se inscreve nessa pauta de captação experimental das antigualhas. É um poema figurativo. Vários dos nossos simbolistas o tinham praticado, tentando a reprodução gráfico-poética de taças, cruzes e outros objetos. Na França, Apollinaire publicara em 1918, pouco antes de morrer, o seu Callgrammes, cuja maior zona de impacto eram os poemas figurativos ou ideogramas e caligramas, nos quais palavras ou versos são dispostos de modo a figurar utensílios, sentimentos ou movimentos. Era o fundo mergulho da vanguarda no milenar passado poético. Elegias em forma de cruz, cantos em forma de altar ou poemas reproduzindo objetos figuram em velhos pergaminhos da época do Baixo Império Bizantino. E, quatro séculos antes de Cristo, o poeta Simias de Rhodes fabricara uma poesia figurativa, formando um machado, um ovo, um par de asas...”.
Diz Cassiano Ricardo na matéria “Guilherme de Almeida e suas Antecipações” (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 19-7-69): “O imagismo de Guilherme em Meu é, de todos os de 22, o que também mais se aproxima do ideograma, base da tentativa visualista dos nossos dias, pela ‘civilização da imagem’”.
O poeta Péricles Eugênio da Silva Ramos, atual Presidente da Academia Paulista de Letras, em sua obra Poesia Moderna (São Paulo), Melhoramentos, 1967, pp 89-90), observa:
“Virtuoso da expressão, Guilherme de Almeida é poeta capaz de fazer seu verso acompanhar e servir com exatidão a idéia que tenha em mente, com os matizes e tonalidades que bem entenda. Tanto é capaz de dar a idéia da antiguidade grega, como do português medieval ou quinhentista; e ainda versifica com sabor modernista ou moderno, segundo suas inclinações do momento. Logo ao estrear, em 1917, com Nós, o poeta chamou a atenção da crítica, não só pela segurança e qualidade de sua expressão, como por seu tom pessoal. Mário de Andrade, mais tarde, apontaria essa inconfundibilidade, e ainda certos recursos utilizados pelo poeta, como o dos parênteses na poesia ‘Os Meus Olhos’, de Soror Dolorosa, para exprimir a simultaneidade dos sentimentos. Ligado a Oswald de Andrade, com quem publicou um volume de peças teatrais em 1916 (Théatre brésilien: Leur Ame – Mon Coeur Balance) e a Sérgio Milliet (de quem em 1921-1922 chegou a traduzir artigos para o português e que dele traduziu versos para o francês), participou da Semana de Arte Moderna e do grupo de Klaxon; colaborou também na revista Estética, em cujo n.º 1 publicou o poema ‘Velocidade’, velocidade essa também sugerida pela disposição gráfica dos versos. Com exuberante colorido modernista, publicou Meu e Raça, livros nos quais se fazia presente a ‘precisão de nacionalidade’ que então se alastrava pelo Brasil. Depois disso, continuou poetando incessantemente, mas segundo diretrizes díspares: já escreveu sonetos camonianos, haicais e composições que se diriam saídas dos romanceiros peninsulares. Versátil e hábil, é capaz de ser romântico, parnasiano, simbolista ou moderno, ad libitum, e demonstra ser um dos mestres da palavra, cujas virtualidades explora com aguda sensibilidade, na direção que pretende. As impressões que ele deseja provocar são sempre transmitidas à custa do artifício, isto é, da arte de lidar com as palavras, pois nele a inteligência solicita e guia a sensibilidade. Isso é claramente visível em A Frauta Que Eu Perdi, onde os epítetos e a seleção vocabular colaboram para reforçar a impressão da Antiguidade, ou em Meu, livro do qual a natureza se reduz e se organiza em estampas, em quadros que o poeta prefixa arbitrariamente, humanizando-a ou colocando-a em situações e atividades de pessoa. (...)”.
A última entrevista de Guilherme de Almeida, pouco tempo antes de seu falecimento, foi concedida a uma jovem estudante, Maria Aparecida Marcondes Valério, do Instituto Mackenzie (Diário de S. Paulo, 20-7-69), e eis, na palavra do próprio Poeta, como se iniciou a Semana de Arte Moderna em São Paulo:
“Com um grupo de amigos, de idéias avançadas para a época, Di Cavalcanti, o grande talento, viera do Rio, expor seus quadros na sala de uma editora, que pertencia a Jacinto da Silva, que havia editado vários livros meus. Foi um sucesso a exposição; resolvemos fazer reuniões naquela sala e Di perguntou ao Jacinto: ‘que tal iniciarmos um movimento de coisas modernas que incluam além dos quadros, música, arquitetura, escultura... um movimento que revolucione a arte, as letras...?’”.
“Eu topei logo, e devo dizer que Di foi pai e mãe da idéia do movimento que se iniciava, de finalidade puramente moderna. Fomos conversar com Paulo Prado, que era uma espécie de protetor das nossas belas letras, muito primárias ainda. Queríamos abrasileirar o que é nosso, combatendo desde logo o que certos poetas diziam, por exemplo: ‘manhã de abri, manhã primaveril’. Como? Isto é na Europa, pois as manhãs de abril aqui são de outono e não de primavera”.
“Paulo Prado chama Graça Aranha do Rio e nos reunimos na casa de dona Olívia Guedes Penteado. A comissão responsável pelo movimento aqui em São Paulo éramos eu, Di, Mário de Andrade, Sérgio Milliet e outros que foram aderindo. Do Rio vieram, além do Di, Ronald de Carvalho, Renato de Almeida e outros. Concordamos em fazer um salão de arte moderna, uma Semana de Arte Moderna; seria no Municipal, e o conseguimos por intermédio de René Thiollier. Teve início no dia 11 de fevereiro... Nas galerias expusemos quadros, esculturas, o palco foi aberto para concertos, eu recitei. Guiomar Novais tocou, convidamos o Villa-Lobos do Rio. Era grande a nossa audácia. Anita Malfatti também figurou com dois quadros seus que se tornaram célebres: ‘A estudante russa’ e ‘O homem amarelo’. Di Cavalcanti apresentou quadros bem modernos e eu dizia: ‘é preciso escandalizar, é preciso escandalizar...’. Flávio de Carvalho iniciava-se em Arquitetura, e, na Escultura, Victor Brecheret, esse grande! O Estado de S. Paulo, no qual eu já trabalhei, franqueou uma seção livre nos seguintes termos: ‘Fica franqueada esta coluna a quem quiser responder a esses inconscientes mocinhos que estão querendo mudar a arte brasileira’. A indignação era geral. Ronald de Carvalho foi vaiado nas escadarias do Municipal quando dizia estrofes de ‘Toda a América’. Renato de Almeida, presenciando o fato, não queria acreditar... eu tive a audácia de ler uma canção grega para provocar protestos, as vaias choviam em nossa direção. Éramos novos, impulsivos, embora sem costeletas e cabelos cumpridos, mas rigorosamente construtivos. Esse era o espírito geral dos que pugnavam pela renovação da arte no Brasil”.
O acadêmico Menotti Del Picchia, em conversa com a autora deste trabalho, observou uma vez que certos rapazes da Semana também faziam brincadeiras: escreviam coisas absurdas para se divertirem quando alguém as “entendessem”... E, ao contar isso, incluiu-se entre eles.
Conheci Guilherme de Almeida em 1944, aos meus quinze anos de idade, quando sua sobrinha, Anna Maria, filha de Marco Aurélio de Almeida (depois casada com o advogado Clementino S. de Castro Floripes), então minha vizinha na Rua Honduras, em São Paulo, levou ao famoso tio meus primeiros versos, em que se incluíam várias trovas. Com louvores, que muito me enalteceram, veio-me um convite: para visitar o Poeta em seu escritório, em cima da Confeitaria Vienense, na Rua Barão de Itapetininga, na Capital paulista, onde estive numerosas vezes, primeiro só para haurir de sua palavra, e, anos depois, para entrevistá-lo para o jornal onde passei a trabalhar.
Guilherme de Almeida foi a primeira pessoa a reconhecer-me poeta, e isso de maneira muito coloquial. Estávamos em conversa animada quando, às tantas, ele proferiu: “Nós poetas...”. A menina de quinze anos sentiu-se envaidecida e confiante a prosseguir na Poesia.
Em 1957, quando me iniciava no jornalismo, colaborando em A Gazeta, viria a fazer a primeira entrevista formal com o grande Poeta. Realizávamos então a campanha “Vamos vestir São Paulo de flores” (a primeira no gênero), com Roberto Fontes Gomes, Gumercindo Fleury e Ângelo Rinaldi. Guilherme de Almeida foi um dos primeiros nomes lembrados, na série de mais de cinqüenta depoimentos por mim colhidos no decorrer da campanha.
Ao publicar meu primeiro livro, Antologia Brasileira da Árvore, em 1960, solicitei, timidamente a Guilherme de Almeida algumas palavras sobre a obra, e o fiz por sugestão de Adelino Ricciardi, meu editor (Ed. Gr. Bartira). O Poeta disse-me que em duas semanas leria os originais; no entando, dois dias depois, o resultado foi a belíssima página – “Utilidade e Beleza” – que o Poeta escreveu. Contou-me que, por ficar muito entusiasmado com o assunto, escrevera a apresentação do livro durante a noite. Esse era, aliás, o seu período preferido de escrever: “Fico mais inteligente à noite” – dizia.
Curiosamente, quando eu cursava Direito na Universidade Mackenzie, durante uma Festa da Árvore realizada em setembro de 1969, presente o Vice-Governador Antônio Rodrigues Filho, reconheci as palavras proferidas por um coro de jovens: era a famosa página, sem o final, que se referia ao meu livro. Então, procurei a professora que o havia ensaiado, para que não deixasse de aludir ao autor daquela página em outras apresentações. Mas foi para mim muito emocionante ouvir a declaração das palavras de abertura do meu livro, na Faculdade em que eu estudava.
Em 1974, quando lancei a Nova Antologia da Árvore, sob os auspícios do editor Orlando Vicente (Livr. Ed. Iracema, em co-edição com a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo – livro que teve o apoio do Governador Laudo Natel), reproduzi, à guisa de prefácio, a mesma página escrita por Guilherme de Almeida, e fiz um depoimento sobre o Poeta quando da reinauguração da Casa Guilherme de Almeida, a convite de sua diretora Maria Ignez de Oliveira Sampaio, ocasião em que a fita simbólica foi descerrada por Laudo Natel. Foi este justamente que promulgou a Lei 337, de 10-7-74, a qual instituiu o Hino Oficial do Estado de São Paulo, com letra de Guilherme de Almeida: o poema “Hino dos Bandeirantes”.
Antes, muitos outros poetas cívicos foram escritos pelo Príncipe dos Poetas Brasileiros. Em 1960, compôs a famosa Prece Natalícia a Brasília, uma de suas mais belas páginas, que leu na inauguração da nova Capital (21 de abril), a convite do Presidente Juscelino, quando foi orador oficial das festividades.
Chamado “Poeta da Revolução”, compôs, à época do Movimento de 1932, muitos poemas engrandecendo São Paulo, entre outros “Moeda Paulista”, “Marcha Soldado”, “Oração ante a Última Trincheira”, e, na volta do exílio, escreveu o conhecido “Nossa Bandeira”. Esse poema foi composto por Guilherme de Almeida de um só fôlego, dia 2-11-34, ao tomar ciência de que o Presidente Getúlio Vargas pretendia vedar aos Estados o uso de insígnias próprias, o que se concretizou na Carta Constitucional de 10-11-37. Os símbolos regionais foram restaurados em 1946.
Em março de 1944, fez a letra da “Canção do Expedicionário” musicada por Spártaco Rossi.
Em 1967, escreveu o “Cântico Jubilar para o Advento da Rosa de Ouro”, musicado pelo Padre Dr. José Geraldo de Souza, comemorativo da outorga dessa insígnia, em 15 de agosto do mesmo ano, à Basílica Nacional de Aparecida, por S.S. o Papa Paulo VI.
A “Canção da Polícia Militar do Estado de São Paulo”, composta pelo Cel. da Reserva Alcides Jácomo Degobbi, ex-diretor do Corpo Musical da então Força Pública do Estado, com instrumentação do Capitão Maestro PM Nélson dos Santos, foi inspirada nos versos “Cento e Trinta de Trinta e Um”, de Guilherme de Almeida.
O Poeta havia programado publicar um Hinário, mas não chegou a fazê-lo.
Estava sempre atento a coisas nossas, e, por sua iniciativa e sob sua supervisão, foi restaurada a “Casa do Bandeirante”, hoje “Casa do Sertanista”, por ele inaugurada em 1955.
AMOR AOS CÃES
Muitas outras vezes encontrei Guilherme de Almeida, depois também para colher notícias para a coluna social que Maria Sílvia Montenegro e eu fizemos para A Gazeta, de 12/61 a 11/62.
O Poeta gostava de conversar, e sempre tinha muito a dizer. Ele amava as flores, as crianças, as aves, os cães. Nos pequenos nadas descobria motivos de grande inspiração. Tinha preferência por pequineses. Disse-nos certa vez, de sua grande mágoa ao perder um de grande estimação: sentiu-se um “dono sem cão”. Mas, na primavera de 1960, fora presenteado com outro pequinês, cujo pedigree ascendia aos canis da Rainha Vitória. Estava entusiasmado com a nova aquisição. Ao referir-se ao platine-blond do novo reizinho, falou em “uma gota de mel num raio de sol”. De patas brancas, seus longos pêlos sugeriam-lhe a imagem de “um mandarim com luvas demasiado longas”. Era o Ling-Ling, que estaria a seu lado até o último momento da vida.
O Poeta fazia, como hobby, ele mesmo, os seus cartões de Natal, e desenhava também caricaturas.
Vestia-se impecavelmente, à moda tradicional. Era um emotivo, mas seu ar parecia sempre sereno. A voz, porém, era rouca, nervosa. Falava quase rápido. Recebia muitas visitas em seu escritório, e muitos telefonemas. Tinha sempre uma palavra de estímulo para os jovens. Esclarecia, aos que o procuravam, sobre dúvidas a respeito de poemas e autores. Tinha boa memória; sabia todos os seus versos de cor. Nunca demonstrava impaciência ou mau-humor, e dava à imprensa todo o tempo necessário.
AS ÁRVORES
Guilherme de Almeida começou a fazer versos muito cedo. O primeiro soneto, aos seus quatorze anos, sob influência de Anthero de Quental, tinha a morte como tema. E o poeta adolescente foi castigado pelo vigilante da turma, um seminarista, mais velho, por estar escrevendo poesia, e marcando o ritmo com os dedos na carteira, na sala de estudos do Ginásio Diocesano de São José, em Pouso Alegre.
Seu primeiro poema publicado, porém, chamava-se “O Eucaliptus”, e saiu estampado em 1909, quando já calouro, em um jornal da Faculdade de Direito do largo de São Francisco, o Onze de Agosto, sob o pseudônimo de “Guidal”.
Em entrevista que nos deu para A Gazeta (28-9-59), o próprio Poeta observou: “Sempre tive paixão pela árvore. Ela tem sido o leit-motiv de meus poemas...”.
E apanhou alguns de seus livros na estante. Mostrou-nos várias poesias sobre árvore, muitas já nossas conhecidas: “Em A Dança das Horas, chamo a uma criatura ‘Meu lindo galho de salgueiro’. Narciso é todo dedicado a uma flor. Em Nós, digo:
Outono. As folhas tombam ao sol poente...
Num espreguiçamento de folhagem,
maio boceja pensativamente,
na tristeza intinita da paisagem.
Folhas soltas ao vento: solto à aragem,
vai meu último sonho à amiga ausente...
Inutilmente as árvores reagem,
e eu reajo também inutilmente!
E sinto, árvore triste e abandonada,
que já branqueja meu cabelo preto, que
amarelecem árvores na estrada...
Que o vento vai levar, rumo diverso,
do último galho e do último soneto
a última folha e o derradeiro verso!
Em Simplicidade, no poema “As árvores da rua”, o Poeta lamenta a poda das árvores:
Cortam-lhe galhos, coitadinhas!
Não lhes dão tempo de flori-los!
Fazem-nas todas iguaizinhas,
como as meninas dos asilos...
Todos os seus livros têm muitos e belos poemas sobre as árvores e as flores. Em Suave Colheira, “A saudade das folhas” e “Spleen” são repassados de ternura. Em A Dança das Horas, lemos ainda “A árvore nua”, “Flor de asfato” e “Chove em silêncio”. Nesta, o Poeta diz, na penúltima estrofe:
Descabelada, a tarde chora, viúva
do sol: e, sempre meigas e pacientes,
as palmeiras entendem os seus pentes
entre os cabelos de cristal da chuva.
Em Meu, várias poesias falam também de palmeiras, bananeiras, acácias floridas, alvas magnólias, girassóis, folhas amarelas, como “Arco-íris”, “Mormaço”, “Astronomia” e “Noite de Natal”. Em Nós, são freqüentes os “gerânios na janela”...
Sobre sua árvore predileta, disse-nos Guilherme de Almeida:
“Aprendi a conhecer as estações pelas árvores e o ensinei aos poetas brasileiros. Principalmente os plátanos da Praça da República ligam-se, desde então, à minha meninice e à minha juventude. O plátano é a minha árvore preferida... Ela sofre no nosso clima o que sofre no seu clima nativo. Em A Dança das Horas (“Exaltação dos sentimentos”), fixei em poesia as estações:
O Outono despe os plátanos,
tecendo ao longo da alameda,
Uma complicação de talagarça...
Maquinalmente entendo
O olhar vadio: um turbilhão de seda
foge, num passo elástico de garça.
Prosseguiu o Poeta: Em “Na cidade da Névoa”, são ainda os plátanos o motivo constante:
Na Cidade da Névoa um triste abril desfolha
os plátanos da rua. Um tédio longo e lento
desce numa neblina e friamente molha
a desanimação do pardo calçamento.
Observou ainda que seu discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras foi todo construído sobre o tema “Árvore”. E esclareceu:
“Na árvore da poesia brasileira, Gonçalves Dias, apegado à terra, é a raiz no tronco. Olavo Bilac, pela sua exuberância, pelo seu esplendor, pelo seu verbalismo e sensualismo, é a floração e o colorido. Amadeu Amaral é o fruto. É a poesia do pensamento. E eu, junto a essa árvore, que sou? O simples caminhante que repousa um pouco à sombra dela, e passa, e vai-se embora, só pela glória de passar...”.
Ninguém concordoria com o Poeta... Guilherme de Almeida ficará através de todas as gerações. Seu canto está imortalizado nos poemas que sempre distribuiu às mancheias para nosso encantamento e dos que ainda virão. E sabemos que, em réplica ao seu discurso, o Poeta Olegário Mariano observara que “Guilherme de Almeida é o uirapuru da árvore da poesia, é o Orfeu da floresta...”.
Inquirido sobre sua flor preferida, Guilherme de Almeida evocou a beleza das orquídeas, “que poderiam ser um símbolo do Brasil, representando o que temos de mais nobre, como a flor-de-lis na França, que é um lírio estilizado”. Falou da beleza dos ipês, da originalidade da flor de maracujá. Lembrou então Fagundes Varella... Mas, e a flor preferida? Não nos enganáramos em observar a motivação constante da rosa em muitos de seus poemas: em A Dança das Horas, “Rosa da Pérsia” e o próprio poema que dá nome ao livro; em A frauta que eu perdi, “A rosa”, “As três mulheres”, “Myroméris”; em Meu, “A flor de cinza”; em Encantamento, “Canção ingênua”; em Poesia Vária, “Romance da rosa singela”. Em Simplicidade, pergunta o poeta no início do poema:
Simplicidade... Simplicidade...
Ser como as rosas, o céu sem fim,
a árvore, o rio... Por que não há de
ser toda gente também assim?
Guilherme de Almeida confirmaria ainda seu amor pela rosa seis anos mais tarde, quando da publicação de Rosamor, um livro dedicado à sua flor predileta.
OS HAICAIS
Há de se registrar um fato importante. Guilherme de Almeida foi um dos primeiros poetas brasileiros a escrever haicais. E os publicou em livro em Poesia Vária, lançado em 1947. Eu tinha então dezoito anos e fiquei encantada com os poemetos. Na festa de aniversário de sua sobrinha Anna Maria (10-9-47), disse ao Poeta do meu entusiasmo pelos seus haicais. E ele contou, muito indignado, que muitas pessoas, incluindo críticos, estavam dizendo que ele havia feito “charadas”.
Podemos entender, assim, perfeitamente, porque Guilherme de Almeida deu título aos seus haicais e criou um tipo de rima específica para essa composição poética. Os “haicais guilherminos” passaram a ser elaborados por bons haicaistas, entre os quais se destacam Cyro Armando Catta Preta, de Orlândia-SP, e o saudoso José Fernandes Soares.
Sabe-se que o haicai japonês é composto de três versos de cinco, sete e cinco sílabas respectivamente, sem rimas e sem título, com temas ligados à natureza. Ao transpô-lo para a nossa língua, Guilherme de Almeida rimou o primeiro com o terceiro verso, com tônica na segunda e na sétima sílabas poéticas. Dessa forma, como bem disse Sérgio Milliet na apresentação de Poesia Vária (3ª. ed. Cultrix), Guilherme de Almeida “nacionalizou o haicai” e “estabeleceu uma forma nova”.
E não é só isso. Temos para nós que Guilherme de Almeida assim procedeu para tornar o haicai mais acessível ao gosto do nosso povo, mais fácil de ser aceito. Em nada procederiam comentários de que Guilherme de Almeida não conheceria as regras do haicai. Ao contrário, ele as conhecia, e muito bem. Na mesma entrevista que nos concedeu, relatou:
“Havia um grupo de poetas japoneses, antigamente, que se reunia à Rua da Liberdade. Assisti a muitos dos seus encontros. Faziam Jogos Florais: era dado um tema (lembro-me de que um deles foi ‘brisa da primavera’) e uns dois ou três poetas apresentavam os seus haicais. Compõe-se o haicai de dezessete sílabas, e podemos defini-lo como ‘uma anotação poética e sincera de um momento de elite’. Não é poesia de amor: é de estação. O haicai é como um verbete de dicionário. E deve ser, antes de tudo, espontâneo: o haicai é obtido como quem pega um inseto em vôo. Se escapar, escapou, e não se consegue mais fazê-lo. Porque deixa de ser sincero. O haicai se impõe. É ele que vem a nós. Pois bem: uma vez, com surpresa minha, notei que o tema dado era sobre o jacarandá. Surgiu então uma querela: discutia-se a época de sua florescência, indispensável à composição do haicai, que é, como se disse, antes de tudo, uma poesia de estação. Com maior espanto meu, um dos japoneses tirou do bolso um dicionário botânico brasileiro em japonês, para esclarecer a dúvida. Pois a poesia japonesa é uma poesia botânica, e os conhecimentos botânicos são indispensáveis ao poeta... Passei também a fazer haicais, que eram traduzidos por um intérprete, após passar uma ‘prova’, que todos julgaram. A poesia, no Japão, é obrigatória. Não importa a profissão do indivíduo. Recordo-me que um dos componentes do grupo era agricultor, outro marceneiro, outro fazia serviços domésticos”.
CARIDADE
Desfolha-se a rosa:
parece até que floresce
o chão cor-de-rosa.
JANEIRO
Jasmineiro em flor.
Ciranda o luar na fazenda.
Cheiro de calor.
CRIADOR E RECRIADOR
Para Guilherme de Almeida poesia era, sobretudo, “ritmo no sentir, no pensar e no dizer”. Manuel Bandeira proclamou-o o maior artista do verso em língua portuguesa.
E tanto manejava o verso rimado como o branco. Embora fizesse uma poesia de palavras, nunca abusou delas. Era contido, exato, preciso. Jamais usou de palavras supérfluas, de rimas forçadas. Toda a sua poesia tem o toque da perfeição, da genialidade.
Esse mesmo espírito de exatidão predomina em suas recriações. Guilherme de Almeida demonstrava uma “repugnância invencível” pelas palavras “tradução” e “versão”, e preferia outras expressões, mais legítimas para com o seu labor: “recriação”, “reprodução”, “recomposição”, “correspondência” e, principalmente, “transfusão”, conforme deixou claro no prefácio de Poemas de França e no posfácio de Flores das “Flores do Mal” de Beaudelaire.
Neste último, em que recompôs em português vinte e um dos sonetos baudelaireanos, o Poeta declarou: “... No meu processo de recriação, não há propriamente luta de poeta contra poeta, de um contra outro idioma, e sim uma automática justaposição, passiva conformação, espécie de entente cordiale, de tácita e recíproca sujeição”.
“Daí porque não houve imposições de escolher, nem conflito no transfundir – talvez o mérito único desta obra: o da bem simples sinceridade”.
Ao final, Guilherme de Almeida confessa seu “estremado amor à língua pátria”, o seu “enamorado enlevo por esta dócil, versátil, capacíssima língua nossa, de pequeno curso e grandes recursos, que tão bem sabe dizer, e de que tanto mal se diz”.
A seguir, o livro traz ricas notas do Poeta sobre a reprodução realizada, que bem demonstram o seu profundo conhecimento da língua francesa e do idioma pátrio, como mestre lapidar da palavra.
Assim era Guilherme de Almeida como recriador, e, se em alguma tradução cometia algum tipo de aparente deslize era de modo propositado, para ser mais fiel ao próprio original.
JUBILEU DE POESIA
Guilherme de Almeida, pelos seus cinqüenta anos de Poesia, foi homenageado em 4 de junho de 1968, pela Câmara Municipal de São Paulo, em sessão solene presidida por Manoel de Figueiredo Ferraz. Na oportunidade, foi saudado por João Carlos Meirelles, autor da proposição para aquela homenagem.
O Poeta declamou então seu “Soneto XXXII” (“Quando a chuva cessava e um vento fino”), e lembrou que, exatamente cinqüenta anos antes, ao encerrar-se o ano da publicação de seu primeiro livro, ali mesmo estivera, recebido pelo prefeito Washington Luiz Pereira de Souza (que depois foi Presidente do Estado e Presidente da República), para tratar dos retoques finais do brasão das armas do Município.
Também o Governador do Estado, Roberto de Abreu Sodré, em 19-6-68, prestou homenagem ao Poeta, pelo seu cinqüentenário de poesia. Na oportunidade, um medalhão de bronze, com a efígie de Guilherme de Almeida, esculpida por Galileu Emendabile, foi entregue pelo Governador ao Presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, para ser colocado na “Sala do Príncipe dos Poetas”, na Academia Brasileira de Letras, onde já se encontravam os medalhões dos outros “Príncipes” – Olavo Bilac, Olegário Mariano e Alberto de Oliveira. Guilherme de Almeida recebeu a mesma medalha de ouro.
Na ocasião, disse o Presidente da ABL: “Guilherme de Almeida é um poeta paulista, brasileiro, universal. É por sua universalidade que é entendido e compreendido em sua poesia onde quer que haja almas sensíveis à beleza”.
Certa vez, em entrevista ao escritor Raimundo de Menezes (que em 19-3-70 viria a sucedê-lo na Cadeira nº 22, na Academia Paulista de Letras), declarou o Poeta: “às vezes, um verso que me vem, legítimo, dá-me uma emoção muito mais ‘sensacional’ do que aquela que eu sentiria no momento de me ver coroado para ser rei, ou martirizado para ser santo” (Folha da Manhã, 2-10-55).
Mas Guilherme de Almeida marcou também sua presença literária como magnífico cronista que sempre foi. Suas crônicas, nunca reunidas em livro, eram “pequenos poemas em prosa”, no dizer do acadêmico Luiz Martins: “Mestre incomparável era ele – e desde os seus primeiros livros demonstrou que o era”, pois sabia “extrair do quotidiano o mistério da poesia”.
(Até o último parágrafo acima: foi editado no jornal “D.O. Leitura – São Paulo, n.º 89, p. 4/5. Na sequência, Parte (III), a última, editada no jornal mencionado, de n.º 90, de 8 de novembro, p. 6/7 daquele mesmo ano).
Entrevistei formalmente Guilherme de Almeida outra vez, e então para que abordasse mais um de seus assuntos favoritos, a heráldica. Foi ele o responsável por muitos brasões de nossas comunas. O Poeta ocupou a cadeira n.º 29 no Colégio de Consulta Heráldica e Genealógica do Rio de Janeiro. Para ele, heráldica era “poesia pura”, uma “floresta de símbolos”.
Destacamos alguns de seus ensinamentos (A Gazeta, 25-1-62):
“Heráldica é arte e ciência ao mesmo tempo”. A palavra vem de herald, que quer dizer “arauto”. Brasão é um distintivo que o guerreiro geralmente escolhia para si mesmo, a fim de se distingüir dos outros. Ele o sugeria ao rei e este o agraciava com o título e o brasão. Todos os brasões eram registrados na Cortes.
Quanto menos figuras contiver o brasão, mais nobreza indicará. Devemos levar em conta que o primeiro escudeiro o fez em ouro, o segundo em prata; a seguir, usaram-se escudos cada um em uma cor. Quando se esgotaram as divisões, vieram as subdivisões, as ‘peças honrosas’ com a cruz dentro do brasão. Mais tarde, as figuras, crescendo em detalhes, teriam sempre necessária a diferenciação. Por isto, os escudos mais simples caracterizam nobreza tradicional, de onde a assertiva: ‘chi ha piu ha meno’.
O escudo pode obedecer a três formatos: o seminítico ou francês, que é o ideal; o que se arredonda na base, a exemplo dos brasões portugueses; e o gótico, que é uma ogiva invertida. Seja qual for o formato, deve obedecer à proporção de sete módulos de largura por oito de altura. Essa área é absolutamente intocável. O mais perfeito é o francês. Porque se enquadra rigorosamente dentro da regra.
A gramática heráldica mesma foi fixada através de um Tratado de Crollalanza, que determinou os princípios invariáveis para a confecção de um escudo. Assim, em heráldica existem somente dois metais: o ouro e a prata, e quatro esmaltes: verde (a que se chama ‘sínople’), azul (‘blau’), vermelho (‘goles’) e preto (‘sable’). Não se pode nunca aplicar metal sobre metal nem esmalte sobre esmalte. Das regras ditadas por Crollalanza, essa é a mais primária.
Existem a heráldica de família, que se refere à nobreza hereditária, e a de domínio, que diz respeito aos escudos de países, estados, cidades, vilas, etc. Todas as armas de família levam em cima a coroa ou o capacete, quando se trata de titular, ou, ainda, simplesmente, o ‘timbre’: uma das figuras ou outro pormenor tirado do brasão. Hoje, não temos mais brasões de família, pois estamos em República. Outrora, esses brasões eram dados por carta régia, registrados no chamado Armorial. Atualmente, os brasões de domínio são propostos nas Câmaras municipais e, se aprovados, sancionados pelos prefeitos e estabelecidos por ato, decreto ou lei.
Lê-se um escudo ao contrário: a esquerda em lugar da direita e vice-versa, pois deve ser visto como do peito do cavaleiro. Usamos, em heráldica, os termos em latim: dextra e sinistra. Todas as figuras no brasão, dentro ou fora dele, animal ou pessoa, devem olhar a dextra; se tiverem movimento para a sinistra significa bastardia. Os animais têm de estar em sua posição mais nobre: o leão, rompente; a águia, volante; o cão, passante. Na descrição, é preciso dar, também, os atributos do animal: cor do casco, da língua, das garras.
Na idealização de um escudo, deve-se dividi-lo, mentalmente, em três terços: o primeiro, a que se chama ‘chefe’; o segundo, ‘centro’; e o terceiro, ‘ponta’. O ‘chefe’ representa a cabeça do cavaleiro (o pensamento); o ‘centro’, o coração (sentimento), e a terceira ‘ponta’, os pés (ação).
Aquele que compunha brasões era chamado antigamente “rei d’armas. Guilherme de Almeida foi, assim, um “rei d’armas”, responsável, entre outros, pelos seguintes brasões: de São Paulo, Embu, Petrópolis, Brasília, Volta Redonda, Londrina, Guaxupé. O desenho de muitos foi confiado ao talento de Renato Zamboni, que procurou interpretar com fidelidade o pensamento do Poeta. Vários emblemas foram feitos também em mútua colaboração: para a Bolsa de Cereais, o Instituto de Cardiologia, o Centro de Estudos Históricos Afonso de Taunay e outros.
Guilherme de Almeida também trabalhara em estreita colaboração com o paulista José Wasth Rodrigues, nascido em 1891 e falecido em 1957. De parceria com esse artista, realizou o brasão para a cidade de São Paulo, e, juntos, entre trinta e seis concorrentes, saíram-se vitoriosos em um concurso encetado pelo Município. No escudo, o braço armado, empunhando uma espada batalhante, a que está presa a bandeirola de quatro pontas que ostenta a Cruz de Cristo, içada em acha de armas, comemora toda epopéia do Bandeirismo: o desbravamento pelo machado dos pioneiros, os quatro pontos cardeais. Foram usadas duas cores: prata, do metal, e vermelho, do esmalte, a traduzir audácia e altivez. O brasão traz, em cima, coroa mural de ouro, com torres, e tem como suportes dois ramos de café frutificados. A divisa Non ducor duco significa “Não sou conduzido, conduzo”. Todos os lemas que o Poeta utilizava em suas composições eram da própria autoria; nunca fez uso de frases feitas.
Em 8-3-1917, o prefeito Washington Luiz baixou o Ato Municipal 1.057, instituindo o brasão de armas da cidade, o qual foi restabelecido pela lei 3.671, de 9-12-47, do prefeito Paulo Lauro.
Guilherme de Almeida foi o idealizador do emblema do aristocrático São Paulo Clube, criado com o fim de manter as tradições paulistas e o de confraternização de seus membros. Contou-nos o Poeta que procurara resumir, em um único símbolo, a genealogia e a história paulista, e fez um timbre representado por um leão rompente encarnado com uma espada batalhante de prata a dextra. Explicou-nos na ocasião: “Temos dois fundadores em São Paulo: João Ramalho, o nosso Patriarca, que deu o primeiro paulista filho de Bartira, sua mulher, e Martim Afonso de Souza, o Colonizador, que trouxe para cá quatrocentos homens de estirpe, que aqui se radicaram e de quem nós todos descendemos. Ora, o brasão de armas de Ramalho e de Martim Afonso apresentavam o leão rompente, e nada melhor que essa figura para sintetizar a história de São Paulo”.
Pouco tempo antes de sua morte, Guilherme de Almeida projetou a nova bandeira da cidade de Brasília, cujo brasão havia feito em 1960.
O Poeta era um enamorado de vitrais, que assim definia: “... Velha arte heráldica e litúrgica, a santa arte do vidro e do estanho, da luz e da cor – único mister do obreiro que aos nobres era dado exercer, porque era arte de Fé Cristã”.
Guilherme de Almeida deu assistência a Conrado Sorgenicht Filho na parte heróldica e histórica de vitrais, destacando-se na Capital paulista, os portentosos 34 painéis de sete metros de altura, resumindo a História do Brasil e o desenvolvimento histórico dos dois povos irmãos, executados por aquele vitralista para o Salão “Padre Manuel da Nóbrega”, do Hospital São Joaquim, da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência de São Paulo, sobre o qual, na inauguração festiva, observou, em seu discurso:
“Assim, é este Salão Nobre um translúcido e colorido relicário a guardar, como um todo unido no tempo e no espaço, Portugal e Brasil”.
O Poeta colaborou nos brasões das primeiras cidades brasileiras e nos dos donatários das capitanias, e redigiu os dísticos desses vitrais, que se inserem entre os mais importantes, de caráter cívico, do mundo, e aos quais Pedro Calmon denominou de “Epopéia das Raças”, em conferência pronunciada no próprio Salão, em 1962. O Salão foi inaugurado em 1955, pelo Primaz de Portugal, o Cardeal Cerejeira, que procedeu à bênção dos vitrais”.
Há de se lembrar que Guilherme de Almeida, em 1960, foi o presidente de honra das comemorações do V Centenário da Morte de Dom Henrique, em Portugal.
O brasão de armas de São Paulo, criado por Guilherme de Almeida, figura na grande rosácea da Catedral de São Paulo, circundado de orquídeas e passifloras (flores de maracujá), na fachada principal do templo, vitrais esses também de Conrado, que executou ainda as janelas da Capela do Santíssimo e da abside.
Coube a Conrado Sorgenicht Filho, também ex-comandante, gravar em mármore, no Monumento-Mausuleu dos Heróis de 32, a “Oração ante a última trincheira”, de Guilherme de Almeida, lida pelo Acadêmico Paulo Bonfim por ocasião do sepultamento do “Poeta de São Paulo”, quando disse também versos próprios.
A MORTE DO POETA
Mesmo nos últimos tempos de vida, Guilherme de Almeida não deixava de ir à redação de O Estado de S.Paulo para o convívio com seus companheiros de muitos anos e também para apanhar sua correspondência. Em uma dessas vezes, vaiu de dentro de uma das cartas um brilhante: dizia a missivista que era a cristalização de uma lágrima ao ler um de seus poemas.
Por fim essas visitas se foram escasseando, até cessarem por completo. Guilherme de Almeida faleceu de uremia, à 3h56m do dia 11 de julho de 1969, treze dias antes de completar setenta e nove anos de idade, em sua casa na Rua Macapá. O Poeta manteve-se lúcido até próximo ao desenlace, e despediu-se carinhosamente de sua esposa. Não quisera ir para o hospital, preferindo a companhia da família, do médico Dr. Francisco de Moura Coutinho (que firmou o atestado de óbito) e de seu pequinês Ling-Ling, que ficou aos pés do leito durante toda a enfermidade do dono. Um ano depois, o cachorro, que passou a um estado de melancolia e até grunhia pela falta do Poeta, morreu também, e foi enterrado no quintal da casa, com lápide de mármore de Carrara.
Pouco antes de falecer, o Poeta posara para o escultor Ihye Gilbert. E coube ao escultor Luiz Morrone tirar o molde em gesso para a máscara mortuária.
Ás 8h30m do dia de sua morte o corpo foi transportado, por um carro do Corpo de Bombeiros, com escolta de lanceiros da Força Pública, para a Academia Paulista de Letras, onde foi velado. O sepultamento, com honras militares, se deu às 11h do dia seguinte, e seus despojos se encontram no Monumento-Mausoléu aos Heróis de 32, no Parque do Ibirapuera. O Poeta foi o primeiro constitucionalista a ser sepultado nesse local e ocupa o espaço dedicado aos grandes heróis do Movimento de 1932.
Ainda a 9-7-69, Guilherme de Almeida pedira à esposa que hasteasse em sua casa a bandeira paulista, como todos os anos.
O governador Abreu Sodré foi um dos que carregaram o esquife. Foi decretado luto oficial por três dias. Durante o enterro, ouviu-se a Canção do Expedicionário, pela Banda do 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna, onde o Poeta servira. Os veteranos de 32 compareceram portando capacetes. Dom Agnelo Rossi, Cardeal-Arcebispo de São Paulo, fez a encomendação. A missa de corpo presente foi rezada pelo Capelão Eliseu Murari.
Pela morte de Guilherme de Almeida, o governador Abreu Sodré, em julho de 1969, concedeu, por decreto, uma pensão mensal à viúva.
Guilherme de Almeida tinha premonições, acreditava na transmissão de pensamento, na mediunidade. Guardava, também, algumas superstições; pelo primeiro contato que tinha no seu dia, mesmo por telefone, adivinhava se a jornada seria boa ou má. Em várias declarações à imprensa, sempre demonstrou acreditar na imortalidade da alma e ter serenidade diante do grande mistério. Tinha particular devoção por Nossa Senhora da Luz e, em outubro de 1970, sua esposa ofereceu ao Museu de Arte Sacra uma coroa de prata do fim do século XVIII, em memória do Poeta, para com ela ser coroada a santa. No quarto de dormir do casal, havia um genuflexório. Na parede, uma Cruz, vinda de Jerusalém.
À beira do seu túmulo, falou o poeta Menotti Del Picchia em nome da Academia Brasileira de Letras. O poeta Oliveira Ribeiro Neto, então presidente da Academia Paulista de Letras, assim finalizou sua oração:
“Silêncio! Calem-se os tambores. Ajoelhai-vos todos, que na estrada de luz surge a Musa de Anchieta, a Virgem Maria, Tupan Ci Porangetê, a Mãe de Deus Formosíssima, que estende a mão divina ao Poeta que vacila. É Nossa Senhora da Porta do Céu, que lhe entrega as Chaves do Reino. Silêncio! A Academia Paulista de Letras se prosterna. De joelhos, São Paulo; de joelhos, Brasil”.
CASA GUILHERME DE ALMEIDA
Desde a morte do Poeta, Baby de Almeida passou a nutrir um sonho: transformar a casa onde residiam por tantos anos em um museu. O secretário de Cultura, Esportes e Turismo do Estado, Pedro de Magalhães Padilha, sugeriu ao governador Laudo Natel a desapropriação da casa do Poeta, a qual pertencia à viúva e ao único filho do casal, Guy. Concomitantemente à desapropriação, promoveu a Secretaria as incursões necessárias para aquisição do acervo contido no imóvel.
O processo levou cerca de sete anos, de 1970 a 1977, quando o governador Paulo Egydio formalizou a compra. A cerimônia de inauguração foi dia 13-3-79 pelo secretário de Cultura do Estado, Max Feffer.
Baby de Almeida mudou-se para perto da casa onde residiu com o marido, para poder sempre visitá-la. Em setembro de 1988, após longa enfermidade, foi juntar-se ao Poeta no mundo das estrelas.
Na casa Guilherme de Almeida, tudo se encontra no mesmo lugar em que o casal deixou: móveis, pratarias, porcelanas, objetos pessoais, livros, peças de arte, cerca de oitenta pastas com documentos e manuscritos, placas e medalhas, quadros – com muitos retratos do Poeta e da esposa, feitos por pintores famosos: Di Cavalcanti, Flexor, Rey Júnior, Lasar Segall, Wagner de Castro, Noemia Cavalcanti, Quirino da Silva, Gobbs.
A casa compõe-se de três pavimentos e um subsolo, com 360,83 m2 de área construída, e foi edificada em 1945; nela o casal residiu a partir de 1946. Está localizada nas imediações do Pacaembu, Rua Macapá, 187 (...).
Na casa há uma varanda, com rede, onde o Poeta descansava. Torcia pelo São Paulo Futebol Clube. Gostava de assistir à televisão, e o fazia em uma pequena sala ao lado do quarto duplo, de dormir, onde se vê a cama do casal, com dossel, feita por escravos mineiros. Mas seu lugar preferido era o sótão, de 5x4m, com paredes à prova de som, onde passava a maior parte do seu tempo, a escrever. Escrevia versos a mão, sempre a tinta; usava máquina só para artigos jornalísticos. E gostava de saborear açúcar enquanto trabalhava. No sótão há um curioso lavabo, com tampo de madeira que o fecha, servindo de mesinha. Há muitas fotos de amigos, a máquina antiga, papéis cheios de anotações, até um calendário a marcar o ano do desenlace do Poeta. Duas janelas se abrem para cada lado do sótão, de onde se divisa a cidade. Guilherme de Almeida dormia pouco, gostava de escrever até de madrugada, com janelas abertas, cigarros e uísque – a única bebida que apreciava.
A Casa Guilherme de Almeida é um monumento vivo em memória do Poeta. Mas, de toda a forma, Guilherme de Almeida é presença permanente. Foi um mago da Literatura, todo inteligência e coração. São Paulo amará para sempre o seu Poeta, o Poeta do Brasil. Nosso “Príncipe”, nosso Herói.
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Maria Thereza Cavalheiro:
- Paulistana da gema, Poeta, Jornalista, Ensaísta, Contista, Cronista, Trovadora, Tradutora, Ecologista, Conferencista e Advogada, escreveu, entre outros: Antologia Brasileira da Árvore (1960) – Ed. Bartira; Poema da Cidade Azul (1963) – Ed. Cupolo; Nova Antologia Brasileira da Árvore (1974) - (Livr. Ed. Iracema, em co-edição com a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo); Colombina e Sua Poesia Romântica e Erótica (1987) – Ed. Scortecci; Estrelas e Vaga-lumes (1988) – Ed. Scortecci; Segredos do Bom Trovar (1989) – Ed. Scortecci; Relâmpagos (1990); Encontros e Desencontros (1992) – Ed. Scortecci; Cabeça de Mulher (1998) – Ed. Scortecci.
NOTA FINAL: NA PRÓXIMA SEMANA NOVOS ARTIGOS SOBRE GUILHERME DE ALMEIDA. (Luiz de Almeida)
Luiz, vc é parente do poeta?
ResponderExcluirEle foi um grande pioneiro do hai kai. Só isso já bastaria.
Um dia eu li uma matéria sobre a tropicália (dos anos 60) onde um hippie dizia: a Semana de Arte Moderna não foi um papo furado onde esteve metido o Guilherme de Almeida?
kkk, essas coisas não são de hj!
Seja bem-vindo nesse seu retorno .RETALHOS DO MODERNISMO,não pode ficar ausente,pois é um grande esclarecedor sobre as excelentes e inegualáveis obras literárias dos nossos escritores brasileiros.
ResponderExcluirParabéns Luiz de Almeida,saúde e seja muito feliz.
Gostaria de saber se foi esse poeta que o filho morreu e ele publicou um poema que começa assim: Deus oh Deus dos desgraçados ... Se for, por favor envie o poema p/meu e-mail:rafaelfantini1@gmail.com e publiqueó na Internet Agradecemos Eliete Cabral/Rafael Fantini e Oswaldo Rafael Fantini e familias
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