
Mário de Andrade - Amazonas - foto arquivo IEB/USP
Todas as vezes, no entanto, que Mário viajou, que saiu da sua São Paulo querida, fatos importantes e também pitorescos aconteceram na sua vida. Neste texto pretendo narrar um caso (ou "causo") que pode ser classificado de “pitoresco”, “hilário”, quando ele esteve no Pará em 1927, principalmente por ter acontecido com ele – e mais ainda, pela resposta que ele deu ao episódio, que será narrado no extado e de acordo com a formatação que foi dada neste texto.
Antes dessa narrativa, um resumo simplificado de algumas “saídas” do nosso Mário de Andrade da sua Paulicéia:
1) Nas férias de julho de 1905, muito provavelmente, tem seu primeiro encontro com o mar, viajando para Santos a convite de parentes. A lembrança fica na crônica “O mar”, escrito em 12 de julho de 1932 no Diário Nacional – conforme descrito no Táxi e Crônicas no Diário Nacional – Livraria Duas Cidades – SP, 1976 – página 541:
- Mas fazer o quê?
- ... ver o mar.
- ... então vamos.
E assim constantemente, ninguém sabendo, feito os amantes clandestinos, vou pra Santos ver o mar.
A primeira vez que vi o mar, não me esqueço. (...)
2) Em 1913, após a morte do irmão Renato, - Pio Lourenço Correa, o Tio Pio, casado com Zulmira, sobrinha de Maria Luísa, leva Mário para sua fazenda, localizada no município de Araraquara, São Paulo.
3) Em 1916, - Conclui seu voluntariado com o Serviço Militar, em novembro, realizando manobras em Gericinó (RJ).
4) Em Junho de 1919, primeira viagem a Minas Gerais, passando pelas cidades históricas, quando encontra a obra barroca de Aleijadinho e visita Alphonsus de Guimaraens, poeta simbolista de sua admiração.
5) Em outubro de 1921, viaja para o Rio de Janeiro e, em casa do poeta Ronald de Carvalho, localizada na Rua Humaitá, 64, e lá conhece Manuel Bandeira. Conhece Villa-Lobos. A viagem de Mário de Andrade para o Rio de Janeiro teve a finalidade de divulgar o poema “Cenas de Crianças” e os versos de “Paulicéia Desvairada”, ainda em manuscrito.
6) Em 1924 realiza a histórica "Viagem da Descoberta do Brasil", Semana Santa dos modernistas e seus amigos, visitando as cidades históricas em Minas, juntamente com os modernistas Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e seu filho Nonê (Oswald de Andrade Filho), D. Olívia Guedes Penteado, Paulo Prado, René Thiollier, Gofredo da Silva Telles e o poeta francês Blaise Cendrars.
7) Em 1926, férias na “chacra” de Tio Pio, isto é, na Chácara da Sapucaia, em Araraquara. Primeira versão de Macunaíma, entre 16 e 23 de dezembro; a segunda, entre a última data e 13 de janeiro. O título não traz o aposto; os capítulos são dezessete, seguidos pelo epílogo. De acordo com o índice do primeiro momento, o capítulo final tinha por título “Torre Eiffel”. Dezembro: Férias em Araraquara.
Te tudo que nos transmitiu, naquelas sessões memoráveis do terraço, guardamos sobretudo a imagem aterrorizadora do gigante Piaimã, que, como vou relatar, não nos apresentou como o duplo de Venceslau Pietro Pietra. Impulsionado pela nossa exaltação, nosso pavor crescente, o nervosismo de nossos apartes, ia fazendo alterações sucessivas no relato e incorporando-as, divertido, à nossa experiência local. Ora, aconteceu que meu pai atravessava um período tenso e perigoso, mantendo com um sitiante da redondeza, de nome Arinari, uma disputa por causa de caminhos. Todas as vezes que se preparava para ir à cidade, nós o víamos pôr o revólver na cintura e avisar minha mãe que, se encontrasse por acaso a passagem bloqueada, não responderia pelo que pudesse acontecer. (...).
Mário nos encontrou nessa atmosfera de presságios e, como era levemente sádico com as crianças, em vez de atenuá-las, explorou-a para curtir melhor a nossa reação. Uma tarde em que provavelmente nos encontrou mais motivados e receptivos, não se conteve: demorou-se na caracterização diabólica do terrível gigante e quando este já havia assumido aos nossos olhos a malvadeza absoluta do INIMIGO, perguntou com voz cavernosa: “E vocês sabem quem era afinal o gigante Piaimã?” Esperou uns segundos, correu os olhos pelo nosso pavor deliciado e, como ninguém conseguisse responder, concluiu sinistro: “O gigante Piaiamã era o ASINARI!”. Para nós quatro que o ouvíamos, Maria com dez anos, Carlos com oito, eu com seis, Fernando com quatro, foi a emoção mais violenta de nossa infância”. (...).
8) 1927 - Primeira viagem do Turista Aprendiz, ao norte, entre maio e agosto. A 7 de maio, Mário parte de São Paulo para encontrar-se com os companheiros no Rio e juntos tomarem o vapor “Pedro I”, do Loide Brasileiro. No dia 13 de maio, partem do Rio de Janeiro a chamada “Comitiva da Rainha do Café” – D. Olívia Guedes Penteado, Paulo Prado, Mário de Andrade, Margarida Guedes Nogueira (Mag), sobrinha de D. Olívia, e Dulce do Amaral Pinto (Dolur), filha de Tarsila do Amaral. A excursão percorre grande parte da Amazônia, chegando a Iquitos e Nanai no Peru e à fronteira da Bolívia. Durante a viagem Mário escreve o diário do Turista Aprendiz, mas não o publica em vida (edição póstuma em 1977). O diário, as fotos da viagem e as legendas testemunham a repercussão da viagem em Macunaíma. Mário tinha um propósito nessas suas viagens: “conhecer o povo brasileiro”. D. Olívia era a Rainha do Café. Todas as cidades do Norte-Nordeste, onde tinham sido projetadas as paradas do vapor Pedro I, os políticos locais receberam essa mensagem:
- Dr. Mário de Andrade, secretário da Rainha do Café.
Desta vez arrebentei, porque arrebentei!
- Mas... eu não sou secretário de Dona Olívia...
- Mas!... o Sr. não veio na companhia dela, então!
- Sim... somos muito amigos, viemos...
- Então o Sr. está fazendo a viagem por sua conta!!!
Nem era possível zangar com o homem, tal o pasmo dele, vendo alguém que não era uma rainha enfarada e decerto meia maluca, andar passeando por aquelas paragens. (...)”.
Após esse acontecimento, eis aqui o ponto planejado deste texto, e que pode ser definido como “pitoresco” na vida de Mário de Andrade:
UMA CARTA
Sr. redator d’O ESTADO DO PARÁ
Li hoje no seu excellente jornal as saudações amáveis que essa redacção dirigiu á exma. sra. Guedes Penteado e seus companheiros desta viagem pelo valle amazônico. Venho lhe trazer os nossos agradecimentos muito sinceros.
O texto acima, como já mencionado, era a temática principal deste texto. O objetivo, principalmente para quem estuda e – ou pesquisa a vida do autor macunaímico, e mesmo para quem está tendo contato pela primeira vez, é deixar cravado que “realmente” a vida de Mário de Andrade foi mesmo “trezentos, trezentos e cinqüenta, e sessenta e setenta e...
Somente para concluir, Mário ainda deixaria sua Paulicéia em:
- 1929: Em junho, conferencista disputado, fala em Piracicaba sobre a música brasileira
- 1934: Em janeiro “estação de águas”, viaja para Lindóia – estado de São Paulo. Faz conferência sobre o assunto na Sociedade Felipe de Oliveira, do Rio; trabalho com os documentos recolhidos na viagem ao Nordeste.
- 1938: Em 27 de junho, transfere-se para o Rio de Janeiro. Com a ditadura (“Golpe Fascista”, diria Paulo Duarte) implantada em 10 de novembro de 1937, em maio, é demitido do Departamento de Cultura, em 12 de maio), regressando a São Paulo somente em fevereiro de 1941.
- 1942: Realiza, a convite da Casa do Estudante do Rio de Janeiro, em 30 de abril, a conferência “Movimento Modernista”, no salão do Itamarati.
- 1944: Em setembro, viagem a Belo Horizonte para conferências.
- 1945: dia 25 de Fevereiro, deixa São Paulo... para sempre.
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