sábado, 7 de março de 2009

LUÍS ARANHA: POETA MODERNISTA BISSEXTO

LUÍS ARANHA:
NAS TEIAS DO MODERNISMO
(Luiz de Almeida)

Luís Aranha - Foto de 1928 - (Acervo da Família).


Se perguntarmos aos paulistas, aos paulistanos, como também aos estudantes de literatura:

- Conhecem Luís Aranha? O Luís Aranha Pereira?
Com toda certeza teremos como resposta:

– Quem? Luís Aranha? Qual mesmo o outro sobrenome? O que esse tal faz na vida?
- Deixa. Esquece.

Creio que somente os que estudam ou estudaram Literatura Nacional e as obras de Mário de Andrade, Sérgio Milliet, José Lino Grunewald, Cassiano Ricardo, Wilson Martins, Mário da Silva Brito, Alfredo Bossi, Francisco Alambert – e aqueles que recentemente tiveram contato com o trabalho organizado por Nelson Ascher e Rui Moreira Leite, saberão responder. Poderia, para complicar um pouco mais, colocar mais nomes nessa interrogativa, em substituição ao de Luís Aranha, tais como: “Tácito de Almeida”(
1), “Rui Ribeiro Campos” (Nascido na cidade de Santos - SP, em 1898 e que faleceu em Paris, em 1963), “Antônio Alcântara Machado” (?). – E estou mencionando somente nomes de paulistas. Se mencionasse, por exemplo: “Ronald de Carvalho”, “Raul Bopp”, “Renato Almeida”, talvez tornassem as respostas ainda mais complicadas. Todos os mencionados e os por mim esquecidos são os literatos mais injustiçados da primeira fase modernista. Os lembrados são: Mário e Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Sérgio Milliet, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo (nem tanto), Lima Barreto e João do Rio (este pelos cariocas, talvez) e todos da segunda fase do modernismo: Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima (outro que também, nem tanto), Cecília Meireles, Vinícius de Morais, etc. Enfim, é assim mesmo o processo. Uns: celebérrimos. Outros: esquecidos e injustiçados, como é o caso do nosso personagem e tema deste tópico: LUÍS ARANHA, o Dr. Luís Aranha Pereira.
Sobre Luís Aranha, o próprio Mário de Andrade, no ensaio elaborado em 1932: “Luís Aranha ou a Poesia Preparatoriana”, na Revista Nova n.º 7, ao tentar explicar o motivo pelo qual Luís Aranha “largou a arte pra que ela não o devorasse”, diz:

“(...). Faz justo dez anos que emudeceu. E estudando-o agora, numa obra que embora pequena, é completa em si, ao mesmo tempo que nos culpo do esquecimento em que o deixamos, (...)”.

Para os que não sabem: Luís Aranha foi um poeta. Participou ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922. Escreveu pouco (catalogados apenas vinte e seis poemas). Sobre seus poucos poemas, Mário de Andrade o definiu assim:

“Luis Aranha faz a poesia preparatoriana. Essa é a sua grande originalidade. Note-se: não estou dizendo que ele cantou a poesia dos exames de preparatórios. Isso não seria de grande proveito, apenas um assunto poético a mais. A originalidade, a contribuição curiosíssima de Luís Aranha está em ter realizado o estado lírico da psicologia do preparatoriano. Luís Aranha é o poeta ginasial por excelência, o único poeta ginasial que conheço. (...) Não é tanto a avidez de saber o que distingue esse ginasialismo, porem o estado pernóstico do rapaz que aprende e gosta logo de praticar o que aprendeu. A poesia dele se torna um popurrí de noções livrescas, (...)”.
(Fragmentos do ensaio de Mário de Andrade: “Luís Aranha ou a Poesia Preparatoriana”, já mencionado acima).
Em outra ocasião, Mário de Andrade chegou afirmar que Luís Aranha, em 1922, talvez sob influência de Guilherme de Almeida, já produzia Haicais, podendo ser encontrados no Poema Giratório que, ainda segundo Mário de Andrade, não se trata de um poema de haicais, mas entremeado por alguns deles.

Para não ficar discorrendo aqui colocações, como é um personagem desconhecido da maioria, vamos direto para a Biografia (por sinal, fraquíssima, mas foi o que consegui até o momento e também com ajuda do livro de Nelson Ascher, que estarei comentando no bojo deste texto).

BIOGRAFIA
1901 – 17 de maio, filho de Maria de Barros Aranha e Dr. Antonio Veriano Pereira (advogado, fundador da Campanha Paulista de Seguros, juntamente com outros amigos), nasce Luís Aranha Pereira, na cidade de São Paulo;
1909/1910 – Internado com escarlatina. Estudou no Colégio dos Irmãos Maristas até 1919;
1919 – Trabalhou como balconista na Drogaria Bráulio, na Rua São Bento;
1920 – Conhece Mário de Andrade. Começa a escrever seus poemas;
1921 – Continuou tendo contato com os futuros modernistas da Semana de Arte Moderna;
1922 – Participa ativamente da Semana de Arte Moderna, nos Festivais de Fevereiro. Após a Semana, continua em contato com os principais modernistas e participa da Revista Klaxon. Foi nesse mesmo ano que iniciou o curso de direito no largo São Francisco. Publica, em Junho, na Revista Klaxon n.º 2, pág. 7, o poema “O Aeroplano”. Em Agosto, na Revista Klaxon n.º 4, pág. 11, publica o poema “Paulicèa Desvairada. Em Outubro, na Revista Klaxon n.º 6, págs. 3 e 4, publica o poema Crepúsculo. E no número duplo da Revista Klaxon, n.º 8/9, em Dezembro de 22 e Janeiro de 23, págs. 18 e 19, publica “Projectos” ;
1923 – Continuou colaborando com a Revista Klaxon até o último número – como mencionado acima;
1924 – Mário de Andrade faz menção ao poeta, em “A Escrava que não é Isaura” (Considerada talvez a primeira menção ao nome de Luís Aranha após as suas publicações na revista Klaxon;
1926 – Formou-se em Bacharel. Sérgio Milliet, no jornal “Terra Roxa”, talvez tenha sido o primeiro a publicar artigo propriamente dito sobre o poeta Luís Aranha. Em 1932, Milliet viria republicar o artigo, com algumas alterações, no seu volume “Terminus Seco”;
1929 – Nomeado por concurso (obteve o primeiro lugar) para o Ministério das Relações Exteriores. Serviu, nos anos seguintes, em Portugal, Itália, Vaticano, Venezuela, Chile, Alemanha, Japão e Ceilão;
1932 – Teve alguns de seus poemas publicados no ensaio “Luís Aranha ou a Poesia Preparatoriana”, de Mário de Andrade, na Revista Nova n.º 7. Esse mesmo ensaio foi publicado em “Aspectos da Literatura Brasileira”, Mário de Andrade, Livraria Martins Editora – São Paulo, com o mesmo título, págs. 47 a 87, em 1943;
1933 – Casa-se com Dulce Lajes;
1934 – Exerceu a diplomacia em Lisboa, até 1936;
1938 – Delegado da delegação brasileira nas conferências panamericanas de Lima e Quintandinha. Conselheiro da delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris; Exerceu a diplomacia em Roma, até 1942;
1942 – Exerceu a diplomacia em Caracas, até 1945;
1943 – Mário de Andrade publica o ensaio “Luís Aranha ou a Poesia Preparatoriana”, em “Aspectos da Literatura Brasileira” – (Ver detalhes em 1932, acima);
1946 – Integrou o Conselho da Delegação Brasileira na Conferência da Paz, em Paris (França). Manuel Bandeira escreve nota introdutória para uma breve seleção de poemas de Luís Aranha na sua “Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos – Ed. Zélio Valverde S.A. – Rio – págs. 115-123”;
1948 – Volta a exercer a diplomacia em Roma, até 1950;
1950 – Exerce a diplomacia em Valparaiso, até 1952;
1952 – Exerce a diplomacia em Hamburgo, até 1958;
1958 – Exerce a diplomacia em Kobi-Osaka, até 1962, encerrando a carreira, por limite de idade, servindo como embaixador no Ceilão;
1959 – Péricles Eugênio da Silva Ramos menciona Luís Aranha no seu ensaio sobre “O Modernismo na Poesia”;
1961 – Na Tese “22 e a Poesia de Hoje”, Cassiano Ricardo ressaltou a importância do poeta Luís Aranha, traçando paralelos entre seus procedimentos e aqueles praticados pelos jovens poetas concretos;
1962 – Na descrição de Nelson Ascher, no livro Cocktails (no final deste texto), na pág. 19, menciona maravilhosamente: “(...) No quadragésimo aniversário da “Semana”, em fevereiro de 1062, Domingos Carvalho da Silva publicaria um artigo que, entre outros temas correlatos, dava ao poeta um destaque inédito, aproximando-o a Maiakósvik (e não a Whitman ou Verhaeren, como se fizera até então) e buscando, no julgamento severo de Mário, uma explicação para seu silêncio. Foi, porém, no mês seguinte que Luis Aranha mereceu sua mais completa reavaliação crítica, obra do poeta e ensaísta José Lino Grunewald, ligado ao grupo concreto. José Lino foi o primeiro autor, desde 1932, a dedicar-lhe todo um ensaio, e sua revisão, trabalho fundamental, seria complementada, dez anos depois, por outro artigo mais abrangente. A tentativa de se determinar, portanto, quem foi seu real redescobridor, é de fato inútil e acadêmica. O poeta foi redescoberto independentemente por vários críticos (todos poetas) sensíveis ao valor de uma obra que a mudança de padrões estéticos começava a tornar legível. (...)”;
1972 – O historiador Mário da Silva Brito incorpora Luis Aranha dentre os modernistas maiores;
1984 – Nelson Ascher, paulistano nascido em 1958, escritor, mestre em teoria literária na PUC-SP., lançou o livro de COCKTAILS – POEMAS DE LUIS ARANHA, pela Editora Brasiliense – SP. O próprio Ascher explica, na página 7, em “Agradecimentos” (na verdade a Introdução, Ascher, a editou com o título: “Uma órbita excêntrica no modernismo” – da página 9 até a 21), que: “Com exceção dos quatro poemas publicados em Klaxon (“O Aeroporto”, “Paulicéia Desvairada”, “Crepúsculo” e “Projetos”), todos os poemas reunidos neste volume provém de um original datilografado, entregue na década de 20 pelo autor a Mário de Andrade. Estes originais foram conservados por Mário e pertencem atualmente ao Arquivo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. (...). A capa do presente volume foi baseada em um desenho do próprio autor, esboçado nos anos 20, no verso de um programa da “Semana de Arte Moderna” e encontrado no arquivo acima mencionado”. (Ver capa do livro ainda no desenvolvimento deste texto);
1987 – 29 de junho: Luís Aranha morre, no Rio de Janeiro.
DEPOIMENTOS E COMENTÁRIOS

De Mário da Silva Brito:- “Luís Aranha Pereira, nascido em São Paulo em 1901, não publicou nenhum livro, mas teve papel de destaque no movimento renovador de 22, tendo estado no palco do Teatro Municipal na agitada noite de 15 de fevereiro. Suas produções apareceram em Klaxon, a famosa revista do modernismo bandeirante. Aproximou-se de Mário de Andrade quando, em 1921, se viu este cercado pelo escândalo, provocado com a publicação de seus versos no corpo de um artigo de Oswald de Andrade: - “O meu poeta futurista”.
“Estava já poeta que extravagava muito da ambiência cultural brasileira, fazendo poemas que às mais das vezes nasciam sob o signo de Whitman e Verhaeren”, escreve Mário de Andrade a propósito dos versos do então moço de vinte anos, que logo abandonaria as sugestões desses modelos “pra sujeitar a sua qualidade poética aos impulsos da exclusiva experiência pessoal”. Passou a praticar a associação de imagens como princípio básico de sua criação poética, aproveitando-se do processo com virtuosidade inigualável. Mário de Andrade acentua que “a originalidade, a contribuição curiosíssima de Luís Aranha está em ter realizado o estado lírico da psicologia do preparatoriano. Luís Aranha é o poeta ginasial por excelência, o único poeta ginasial que conheço. A poesia dele cheira a ginásio. Há nele uma sofreguidão de ajuntar noções aprendíveis de cor que nos dá a imagem palpável dos fins de ano letivo”.
Associacionismo, dinamismo, velocidade, enumeração, apelo ao subconsciente, temas da civilização mecânica, como o túnel, a ponte, o trem, caracterizam a sua obra. Como Rimbaud, abandonou a poesia. Foi seguir a carreira diplomática. Não reuniu em livro as suas tão originais composições esparsas pelas revistas modernistas. Não escreveu mais poesias e não se ouviu mais falar dele. (...)”.
(Brito, Mário da Silva. In: Poetas Paulistas da Semana de Arte Moderna – Antologia – Livraria Martins Editora – 1972 – São Paulo – Páginas 133-134).

De Mário de Andrade:- (Comentário feito sobre o poema de Luís Aranha na revista Klaxon: “Poema Pitágoras”). “Página genial, dum sopro épico raro conseguido em poesia brasileira. Na secura exterior esconde uma tristeza, uma fúria pessoas que range as suas possibilidades, e um amor humano verdadeiro que forneceu ao poeta a imagem do coração – esponja absorvendo a tristeza da terra. O maior dos seus versos”. (Andrade, Mário de. In: Aspectos da Literatura Brasileira – transcrição parcial feita por Mário da Silva Brito em Poetas Paulistas da Semana de Arte Moderna – Antologia – Livraria Martins Editora – 1972 – São Paulo – Página 134).

De José Lino Grünewald:- (Comentando sobre as composições de Luís Aranha) – “Lances de uma técnica jornalística de linguagem, escrevendo poemas em que há trechos que constituem verdadeiras montagens, análogas às do cinema, de retalhos impressionistas em torno de eventos e objetos. Nisso ele está mais próximo de Ezra Pound ou de um Maiakovski do que de Walt Whitman. É poeta que se inspira na civilização industrial, identificando-se com o mundo tecnológico”. (Grünewald, José Lino. Artigos publicados no Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 24/3/1962 e 27/2/1972 - transcrição parcial feita por Mário da Silva Brito em Poetas Paulistas da Semana de Arte Moderna – Antologia – Livraria Martins Editora – 1972 – São Paulo – Página 134).

De Antonio Risério:- "(...) a obra incompleta de Luis Aranha aponta para o futuro. Seus poemas estão entre as criações mais arrojadas que o modernismo produziu em seus disparos iniciais. Um projeto poético inovador, radical, engajado até a medula na criação de uma poesia adequada às novas realidades do mundo urbano-industrial. Aranha foi uma antena captando os signos da modernidade estética e experimentado-os na prática. Para isso, armou-se de temas fundamentalmente urbanos, procurando tratá-los numa linguagem nova. Violentou a sintaxe para captar o atropelo veloz dos eventos modernos. Incorporou à fatura do poema a técnica da redação jornalística, atirando a anotação precisa do repórter no jorro das imagens futuristas. Refez temas líricos, como o da recusa amorosa, a partir de conceitos técnicos, buscando lirificar palavras do repertório científico. Apelou para a estrutura de montagem e a visualidade precisa e insólita do haicai. Adotou o estilo de cortes dos telegramas e chegou mesmo a transcrever num poema, com as modificações necessárias, um boletim médico. Foi, enfim, o nosso poeta futurista. Embora, como todo mundo, negasse publicamente o futurismo." (Risério, Antonio [1978]. Colméias e telégrafos. In: Aranha, Luis. Cocktails: poemas. Pág. 139).

De Wilson Martins:- “Marinetti celebrava os caracteres sinaléticos da modernidade: os bondes de dois andares, os automóveis esfomeados, a beleza da velocidade e os aeroplanos que começavam a cruzar os ares em remígios espantosos. É fácil encontrar as harmônicas e os reflexos de tudo isso na poesia daqueles tempos (mais do que nos nossos, em que todas as novidades se banalizaram), sem excluir, claro está, a de Luís Aranha, na qual Mário de Andrade viu, algo paternalisticamente, uma literatura de ginasiano, sem perceber que ali estava, embora em germe, o verdadeiro mestre do moderno entre nós”. (Martins, Wilson. Escritor e literato, in:- Prosa & Verso, O Globo, 14.12.86).

De Sérgio Milliet:- "É um homem pequenino. Magríssimo. De óculos. Sinais característicos: pomo de Adão excessivamente desenvolvido. Profissão: funcionário do Ministério do Exterior. Assim como há o caso de Rimbaud, há o caso de Luis Aranha. Apareceu com a Semana de Arte Moderna. Viveu em Klaxon. E nunca mais. Felizmente Mário e eu possuíamos alguns versos dele. Versos da primeira fase modernista. Defeituosos graças a Deus. Deliciosos, porém de inspiração. Nossos apesar da técnica francesa. Francesa? Não. Essa técnica pertence a todos. Não deu a Manuel Bandeira sua expressão mais ingênua? Mais pessoal? Não reverteu em liberdade para os do grupo Verde? Então é de todos. Não se analisa um poema de Luis Aranha. Lê-se comovido sua poesia. Cita-se um verso a um amigo. Desvirgina-se um trecho numa página de revista. Não se critica porque é inédito, e que o será provavelmente sempre. É para o nosso gozo íntimo." (Milliet, Sérgio [1926]. Inéditos. In: Aranha, Luis. Cocktails: Poemas. Pág. 107-108).

De Sérgio Milliet:- “(...) Luís Aranha, o poeta do “poema giratório”, que abandonou as musas pela diplomacia, (...)”. (Milliet, Sérgio. Diário Crítico – Vol. I (1940-1943) - Livraria Martins Editora & EDUSP, 2ª Ed. 1981 – pág. 255).

De Sérgio Milliet:- “(...) A meu ver Ismael Nery e Luís Aranha não deveriam ser classificados entre os bissextos. (...). O segundo porque, se encerrou sua carreira de poeta muito cedo, não se dedicou entretanto a nenhuma outra atividade artística ou literária. Foi poeta, exclusivamente poeta, e durante os poucos anos de produção produziu intensamente. Não publicou livros, em verdade, mas colaborou regularmente nas revistas do modernismo. (...)”. (Milliet, Sérgio. Diário Crítico – Vol. III (1945) - Livraria Martins Editora & EDUSP, 2ª Ed. 1981 – pág. 168).

De Francisco Alambert:- (...). “O ano de 1922 marcou ainda o silenciamento voluntário de um dos mais interessantes poetas surgidos no contexto da Semana de Arte Moderna: Luiz Aranha. Esse jovem poeta, celebrado por Mário de Andrade e muitos outros, teve alguns de seus poemas lidos durante a Semana, recolhendo-se depois na carreira diplomática, que seguirá por toda a sua vida. Só muito recentemente os parcos e excelentes poemas que compõem sua obra foram reunidos em livro”. (Alambert, Francisco. In: A Semana de 22 – A aventura Modernista no Brasil. Editora Scipione – Pág. 58 – 2.ª Edição – 1944. Francisco Alambert é Bacharel em História pela PUC-SP; Mestre em História pela USP e Professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense - Moderador do Blog Retalhos do Modernismo).

De Mário da Silva Brito:- Dentre os muitos poetas, nacionais e estrangeiros, divulgados por Klaxon, um merece especial destaque. É Luís Aranha, cuja produção, embora escassa, reflete expressivamente o espírito de 22. Aplicou, entre nós, recursos de composição de tal modo inusitados que afeavam a estrutura poética tradicional. Razão por que Mário de Andrade o considerava autor “que extravagava muito da ambiência cultural brasileira”. Amigo do cantor de Paulicéia Desvairada, Luís Aranha, moço de vinte anos, dele se aproximou quando, em 1921, este se viu envolvido pelo escândalo provocado pelos versos inseridos no artigo O Meu Poeta Futurista, de Oswald de Andrade – escândalo que o promoveu “a lobo-mor da intelectualidade urbana de São Paulo”, para usar palavras do próprio Mário de Andrade (in:- Aspectos da Literatura Brasileira – pág. 51 – Livraria Martins Editora – São Paulo – s/d.).
Luís Aranha não publicou nenhum livro e seus poemas são conhecidos graças à revista Klaxon e ao ensaio Luís Aranha ou A Poesia Preparatoriana, de Mário de Andrade, publicado no número 7 da Revista Nova e depois incluído no livro Aspectos da Literatura Brasileira (1), ensaio em que o exegeta reproduz textos completos ou fragmentos desse poeta que, já em 1922, silenciava sua voz e desaparecia do cenário intelectual para se incorporar ao quadro de funcionários do Ministério do Exterior. Assim como há o caso Rimbaud, há o “caso Luís Aranha” – lembra Sérgio Milliet (In:- Terminus Seco e Outros Cock-tails – Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz – 1923-1932 – Pág. 282).
Fazia “poemas que às mais das vezes nasciam sob o signo de Whitman e Verhaeren”, detecta Mário de Andrade, que também esclarece quais os autores mais lidos pelo poeta: Blaise Cendrars, Max Jacob, Apollinaire e Cocteau, alguns dos quais aparecem citados em poemas de sua autoria. Luís Aranha conhecia também alguns teóricos do bolchevismo.
Esse poeta erigiu como princípio básico de sua criação artística a associação de idéias – “associações de idéias admiravelmente violentadas”, acentua Sérgio Milliet. Associacionismo, dinamismo, “tempestades de imagens”, velocidade, paráfrases, enumeração, paródia, apelo ao subconsciente, caracterizam a sua obra, que evoluiu, em curto espaço de tempo, “dos metros normais e das rimas” ou “de um lirismo conceituoso”, ressaibo de sua fase sonetística, para “os impulsos da exclusiva experiência pessoal”, vindo a alcançar em algumas páginas “um sopro épico raro conseguido em poesia brasileira”, conforme Mário de Andrade.
“José Lino Grünewald, nos estudos que vem dedicando a Luís Aranha, realça-o como um épico do mundo da máquina, da velocidade, dos inventos”, poeta que muitas vezes se vale de “lances de uma técnica jornalística de linguagem”, escrevendo poemas em que há trechos “que constituem verdadeiras montagens, análogas às do cinema, de retalhos impressionistas em torno de eventos e objetos. Nisso ele está mais próximo de um Ezra Pound ou de um Maiakovski, do que de Walt Whitman”. Afirma que Luiz Aranha “foi um poeta de intensa imagética, a fenopéia poundiana”. Além de “rebentar a sintaxe” consuetudinária, de praticar “uma linguagem telegráfica”, de desprezar propositadamente a pontuação – assim adjetivando certos substantivos e operando o desvio semântico de determinadas frases – Luís Aranha também se utiliza dos “recursos de espacialização das palavras e variação tipográfica” e, ainda, da fisiognomonia sonora por aliteração intensa”, como no caso do verso “corisco arisco risca no céu” (In:- Um Poeta Esquecido – Correio da Manhã, em 24/3/1962 – e Um Marco Esquecido: Luís Aranha – Correio da Manhã, em 27/2/1972 – matéria de José Lino Grünewald.).
(...).

(1) – Em Aspectos da Literatura Brasileira, Mário de Andrade publica, como apêndice ao seu estudo, a versão integral do Poema Giratório.

(Brito, Mário da Silva. In:- O Poeta Luís Aranha – Parte da introdução da Coletânea “Klaxon – Mensário de Arte Moderna – fac-símile – co-edição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo – Impresso em 1976, no transcorrer do Cinqüentenário da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais – São Paulo – Livraria Martins Editora).

Manuel Bandeira, em carta escrita em 7 de outubro de 1925, endereçada ao Mário de Andrade, no segundo parágrafo tece elogios ao autor de “Drogaria de Éter”, Luís Aranha. A carta, na íntegra, pode ser lida no livro “Correspondência – Mário de Andrade & Manuel Bandeira”, organizado por Marcos Antonio de Moraes, Editora Edusp, pág. 244:-

"(...).
Não te ofendas com as opiniões do grupinho. Certamente eles não têm intenção nenhuma de te ofender. Acho que não vale a pena dar importância: acho-os fraquinhos, muito fraquinhos, menos Oswald, cuja crítica não tem valor algum porque é toda de parti-pris. Couto sabe pensar, mas não tem temperamento, me parece puramente cerebral. Com franqueza São Paulo – Você, Oswald e Luís Aranha. Há muito tempo andava de expectativa com o Luís Aranha. Não achava graça no que conhecia dele. A sua admiração, porém, e aquele ar de passarinho estupefacto que via na sua casa me impunham respeito. Hoje posso dizer que é um poetão pois li a “Drogaria e Éter” e achei estupendo (alguma influência sua, mas que não desmerece em nada o valor do poema que me pareceu personalíssimo). A propósito, quando estiver com ele, dê-lhe um grande abraço de minha parte”.

NOTAS IMPORTANTES:-

Nota 1 – No livro acima mencionado, Marcos Antonio de Moraes, assim escreve na Nota de Página, de nº 150, pág. 245:
- “Como um novo Rimbaud”, Luís Aranha Pereira (1901-?) se cala após a admirável explosão lírica simultaneísta e rica em associações imagéticas delirantes. Quatro poemas em Klaxon, três poemas de “verdadeiro fôlego poético”: “Drogaria de éter e de sombra (1921)”, “Poema Pitágoras” (1922), “Poema giratório” (1922), um projeto de livro (Cocktails), atiçam a curiosidade de MB, que o inclui entre os bissextos contemporâneos. MA, devota-lhe, em 1932, “Luís Aranha ou a poesia preparatoriana”, longo ensaio em que atribui “a originalidade, a contribuição curiosíssima” do poeta estava na realização do “estado lírico da psicologia do preparatoriano” (hoje, “vestibulando”). “Há nele uma sofreguidão de ajuntar noções aprendíveis de cor que nos dá a imagem palpável dos fins de ano letivo.” (Aspectos da literatura brasileira, p. 59);

Nota 2 – Ainda na pág. 245, Marco Antonio de Moraes, transcreve carta do Mário para Bandeira, constando a mesma data: 7 de outubro de 1925, onde MA, no final da carta (pág. 246), diz ter gostado da opinião de MB sobre Luís Aranha:
“(...).
A carta de você tem outros assuntos que quereria responder. Mas estou com sono vou dormir. Gostei da opinião de você sobre o Luís.”;

Nota 3 – Nesse mesmo livro, pág. 676, em carta data de 7 de agosto de 1944, Bandeira escreve a seguinte carta:

Rio de Janeiro, 7 de Agosto de 1944

Mário

Do Carlos Queirós recebi para você o prospecto que lhe envio.
Mando-lhe um cartão de agradecimento para o Alfredo Mesquita, cujo endereço ignoro.
Vai também para você uma cópia do retrato do Taci. A fotografia original, com a chapa que mandei fazer, serão entregues à viúva por intermédio do Guilherme. Muito obrigado.
Consegui o retrato do Aranha com o sogro (que nunca leu um verso do genro). Acho que a antologia dos bissextos vai ficar bem boa. Já entreguei todo o material ao Múcio Leão para Autores e Livros.
Às pressas um abraço do

Manu.

Nota 4 – A expressão “poeta bissexto” é explicada por Marco Antonio no rodapé da pág. 677, nota n.º 26, da seguinte forma:
- A expressão “poeta bissexto” significa “todo poeta que só entra em estado de graça de raro em raro”, inédito em livro. (Antologia dos poetas bissextos contemporâneos, “Prefácio da 1ª edição”).
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ICONOGRAFIA

Grupo dos Organizadores da Semana de 22: Luís Aranha, de óculos, sentado entre Rubens Borba de Moraes e Tácito de Almeida, atrás de Oswald de Andrade, sentado no chão, primeiro plano.
(Foto Arquivo IEB/USP)


Capa do COCKTAILS – Luís Aranha – Poemas
Organizados por Nelson Ascher e Rui Moreira Leite,
lançado em 1984.

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ALGUNS POEMAS DE

LUÍS ARANHA


POEMA Pitágoras

Meu cérebro e coração pilhas elétricas
Arcos voltaicos
Estalos
Combinações de idéias e reações de sentimentos
O céu é uma vasta sala de química com retortas cadinhos tubos provetes e todos os
Vasos necessários
Quem me quitaria de acreditar que os astros são balões de vidros
Cheios de gases leves que fugiram pelas janelas dos laboratórios
Todos os químicos são idiotas
Não descobriram nem o elixir da longa vida nem a pedra filosofal
Só os pirotécnicos são inteligentes
São mais inteligentes do que os poetas pois encheram o céu de planetas novos
Multicores
Astros arrebentam como granadas
Os núcleos caem
Outros sobem da terra e têm uma vida efêmera
Asteróides asteriscos
Bolhas de sabão!
Os telescópios apontam o céu
Canhões gigantes
De perto
Vejo a lua
Acidentes da crosta resfriada
O anel de Anaxágoras
O anel de Pitágoras
Vulcões extintos
Perto dela
Uma pirâmide fosforescente
Pirâmide do Egito que subiu ao céu
Hoje está incluída no sistema planetário
Luminosa
Com a rota determinada por todos os observatórios
Subiu quando a biblioteca de Alexandria era uma fogueira iluminando o mundo
Os crânios antigos estalam nos pergaminhos que se queimam
Pitágoras a viu ainda em terra
Viajou no Egito
Viu o rio Nilo os crocodilos os papiros e as embarcações de sândalo
Viu a esfinge os obeliscos a sala de Karnak e o boi Apis
Viu a lua dentro do tanque onde estava o rei Amenemas
Mas não viu a biblioteca de Alexandria nem as galeras de Cleopatra
Nem a dominação dos ingleses
Maspero acha múmias
E eu não vejo mais nada
As nuvens apagaram minha geometria celeste
No quadro negro
Não vejo mais a sua nem minha pirotécnica planetária
Rojões de lágrimas
Cometas se desfazem
Fim da existência
Outros estouram como demônios da Idade Média e feiticeiros do Sabbath
Fogos de antimônio fogos de Bengala
Eu também me desfarei em lágrimas coloridas no meu dia final
Meu coração vagará pelo céu estrela cadente ou bólido apagado como agora erra
Inflamado pela terra
Estrela inteligente estrela averroísta
Vertiginosamente
Enrolando-o na fieira da Via-Láctea joguei o pião da terra
E ele ronca
No movimento perpétuo
Vejo tudo
Faixas de cores
Mares
Montanhas
Florestas
Numa velocidade prodigiosa
Todas as cores sobrepostas
Estou só
Tiritante
De pé sobre a crosta resfriada
Não há mais vegetação
Nem animais
Como os antigos creio que a terra é o centro
A terra é uma grande esponja que se embebe das tristezas do universo
Meu coração é uma esponja que absorve toda a tristeza da terra
Uma grande pálpebra azul treme no céu e pisca
Corisco arisco risca no céu
O barômetro anuncia chuva
Todos os observatórios se comunicam pela telegrafia sem fio
Não penso mais porque a escuridão da noite tempestuosa penetra em mim
Não posso matematizar o universo como os pitagóricos
Estou só
Tenho frio
Não posso escrever os versos áureos de Pitágoras !...

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A seguir apenas a primeira parte do Poema Drogaria de Éter e de Sombra
DROGARIA DE ÉTER E DE SOMBRA

DROGARIA
SOCIEDADE ANÔNIMA

Produtos Químicos e Farmacêuticos
Especialidades em artigos para toilette
Perfumarias Finas
Aparelhos e objetos de cirurgia
Importação direta
Atacado e varejo
Preços módicos
Informações gratuitas
As contas são liquidáveis invariavelmente
No fim de cada mês
Vende-se
Livro de Ouro do Veterinário
Manual do Farmacêutico
Formulário de Chernoviz
Tratado de Versificação

Eu era poeta...
Mas o prestígio burguês dessa tabuleta
Explodiu na minha alma como uma granada.
Resolvi um dia,
Incômodo mensal das musas,
Ir trabalhar numa drogaria
E executei o meu projeto.
Processo financeiro dos milionários
norte-americanos
Que via no cinematógrafo:
Multiplicação incessante da riqueza
De ano em ano
Com acumulação dos juros ao capital...
Procriação e desenvolvimento das drogas na prateleira
Pelos métodos científicos moderníssimos...
Prestígio dos comerciantes fortes
Desvalorização crescente da poesia...
Minha musa romântica
Morreu após o seu primeiro parto,
Que foi para a cesta com mal de sete dias.

No centro da cidade,
Triângulo de ouro e sol,
A Drogaria era uma gruta de sombra...
Como na Itália
A gruta do cão
Cheia de ácido carbônico
Na Drogaria o éter tomava conta da atmosfera...
Não obstante,
Minha pituitária se habituou a ele
Como a vista se habitua à sombra...

Armários em toda extensão da casa...
Eu os arrumava na minha inexperiência de empregado novo...
Iniciação.
Oh! Prateleiras da minha mocidade
“Castelo de sonhos” do meu bazar de drogas!
Janelas ogivais correndo sobre trilhos!
Castelãs cheias de rótulos e fórmulas!...
Como era feliz entre vós,
Castelãs que fiáveis
Nos vossos fusos silenciosos
O bordado setíneo das teias de aranha!...

Meu “sonho de ouro”
Contemplação de Urracas namoradas!
Minha cruzada de metal
Oh! Meus cruzados ideais!...

Sabia
O nome a todas as formosas,
Que amava muito mais que vendia mais
Embrulhadas todas em papel de seda,
Mantos de cores nacionais...
Morfina
Cocaína
Benzina
Aspirina
Quina
Sina
Atropina
Examina
Gelatina
Heroína
Fenacetina
Antipirina
Papaína
Exalgina
Digitalina
Aconitina
Estricnina
E tantas outras que não me lembro mais!
(...)

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COCKTAIL

HOTEL RESTAURANTE BAR
A cadeira guincha
Garçon
No espelho “Experimente nosso COCKTAIL”
Champagne cocktail
Gin cocktail
Álcool
Absinto
Açúcar
Aromáticos
Sacode num tubo de metal
É frio estimulante e forte
Cocktail
Cocteau
Cendrars
Rimbaud cabaretier
Espontaneidade
Simultaneísmo
O só plano intelectual traz confusão
Associação
Rapidez
Alegria
Poema
Arte moderna
COCKTAIL PARA UM!
Não; para todos
Vinde encher o copo do coração com o meu cocktail sentimental
Sentimental?!

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CREPÚSCULO

Pantheon de cimento armado
A luz tomba
Refluxo de cores
Mel e âmbar
Há liras de Orfeu em todos os automóveis
Reses das nuvens em tropel
Céu matadouros da Continental
Todas as mulheres são translúcidas
Ando
Músculos elásticos
Andar com a força de todos os automóveis
Com a força de todas as usinas
Com a força de todas as associações comerciais e
industriais
Com a força de todos os bancos
Com a força de todas as empresas agrícolas e as
explorações de linhas férreas
Os capitais amontoados em pilhas elétricas
Forças presidenciais e forças diplomáticas
A força do horizonte vulcânico
As forças violentas as forças tumultuosas de Verhaeren
Sou um trem
Um navio
Um aeroplano
Sou a força centrífuga e centrípeta
Todas as forças da terra
Todas as distensões e todas as liberdades
Sinto a vida cantar em mim uma alvorada de metal
O meu corpo é um clarim
Muita luz
Muito ouro
Muito rubro
Meu sangue
Eu sou a tinta que colore a tarde!

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CONCLUSÃO NECESSÁRIA

Não poderia concluir este texto sem mencionar o artigo: “Sem Essa, Aranha”, de autoria da livre-docente em Literatura Brasileira na UNESP – Instituto de Letras de Assis, Sra. Maria Alice Faria. Não sei qual jornal publicou o referido artigo, pois recebi apenas um recorte, sem nenhuma referência, mas concluí ter sido escrito em 1984, onde Maria Alice menciona o lançamento do Cocktails (sem mencionar o nome do autor: Ascher) – mas vale como registro importante, pois o artigo é excelente. Conjeturo também que a autora, inteligente e intencionalmente, tenha se utilizado do título do filme “Sem essa, aranha” (1970), do cineasta Rogério Sganzerla, levando os leitores desavisados e pouco atentos aos poetas modernistas, assanharem-se e, lendo seu artigo iniciassem, mesmo que induzidos subliminarmente, buscarem pelos textos do poeta Luís Aranha. O artigo da Maria Alice Faria é deleitoso. Por ser muito extenso, transcrevo apenas os quatro parágrafos finais, cujo subtítulo é: Timidez e Anacronismo.

“(...).

TIMIDEZ E ANACRONISMO

Numa visão história da literatura brasileira, não há como se chegar a juízos absolutos do tipo do de José Lino Grunewald, ao afirmar que a poesia de Luís Aranha é “uma épica da civilização industrial”. Se, por exemplo, encararmos a Paulicéia Desvairada do ponto de vista estritamente da literatura brasileira, ela representa efetivamente uma renovação literária em confronto com a literatura praticada nessa época no Brasil. Colocada dentro do contexto mais amplo da vanguarda européia, a Paulicéia é uma proposta de inovações tímida e mesmo anacrônica. O mesmo se poderá dizer de Luís Aranha, se conhecermos de perto os poetas de vanguarda francesa (para só ficar neles), devorados pelo jovem paulista, segundo o testemunho de Mário de Andrade e Sérgio Milliet.
São fontes diretas de Luís Aranha, que se serve dos mesmos processos poéticos utilizados à saciedade por escritores franceses de segunda linha e diluidores de um ou outro poeta maior, ainda pouco conhecido como tal, aqui apontados e lidos avidamente por Mário de Andrade e seus amigos. Nesta perspectiva ampla, a poesia, de Luís Aranha é uma miscelânea de tendências, temas e estilos variados, inclusive distanciados no tempo, alguns até anacrônicos, misturando processos que vão de Verhaeren a Cendrars, o todo acondicionado no molho de crepuscularismo brasileiro, estudado por Norma S. Goldstein em Do Penumbrismo ao Modernismo (Ática, 1983).
Se, entretanto, encaramos os 26 poemas publicados pela Brasiliense dentro do contexto literário brasileiro, não há como não se dar conta, em primeiro lugar, da precedência de Luís Aranha sobre os nomes consagrados do Modernismo, quanto à experimentação de processos renovadores de nossa poesia. Em segundo lugar, estão evidentes a desenvoltura e espontaneidade com que ele se utilizou de técnicas de vanguarda que o cauteloso Mário de Andrade não quis ou não soube experimentar naquele momento; que Oswald de Andrade levaria ainda algum temo para tentar; e que Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida nunca conseguiriam dominar. Assim, não me parece descabido pensar-se que, conscientemente ou não, tenha havido por arte dos escritores mais velhos e já conhecidos, atitudes de desencorajamento do jovem Luís Aranha, sem dúvida precursor de todos eles. Se poderia até mesmo arriscar a opinião de que o estudo de Mário de Andrade, “Luís Aranha e a Poesia Preparatoriana”, constitui-se numa castração definitiva das veleidades poéticas do seu jovem protegido.
Portanto, não tomaria Luís Aranha como um gênio incompreendido agora descoberto, mas como um elemento importante para a avaliação da nossa acanhada vanguarda de 1920. O essencial, a meu ver, é ficar-se com os pés na terra em relação à nossa literatura – “pobre e fraca”, mas “a que nos exprime”, no dizer de Antonio Cândido. E trabalhar no sentido de se levantarem dados para uma compreensão serena de nossos movimentos literários sem cair na tentação do ufanismo, praga oriunda de um complexo de inferioridade centenário, que destrói a credibilidade de parte de nossa crítica desde o Romantismo. Ou que, na melhor das hipóteses, revela sua ingenuidade, ao nos colocar no centro de movimentos literários nos quais até agora tivemos apenas participação periférica”.

FONTES PESQUISADAS:

- Alambert, Francisco. In: A Semana de 22 – A aventura Modernista no Brasil. 2ª Ed. Editora Scipione – São Paulo, 1944;
- Andrade, Mário de. In: Aspectos da Literatura Brasileira. 5ª Ed. – Livraria Martins Editora – São Paulo, 1974;
- Aranha, Luís; Ascher, Nelson (org.). In: Cocktails Poemas. 1º Ed. – Editora Brasiliense – São Paulo, 1984;
- BANDEIRA, Manuel. Luis Aranha. In: Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos. 2ª Ed. Revisada e Aumentada. Rio de Janeiro: Org. Simões, 1964.
- Batista, Marta Rossetti. & Lopez, Telê Porto Ancona. & Lima, Yone Soares de. In: Brasil: 1º Tempo Modernista – 1917/29 – Documentação. Instituto de Estudos Brasileiros da USP – São Paulo, 1972;
- Bosi, Alfredo. In: História Concisa da Literatura Brasileira. 3ª Ed. Editora Cultrix Ltda. – São Paulo, 1997;
- Brito, Mário da Silva. In: Poetas Paulistas da Semana de Arte Moderna – Antologia – Livraria Martins Editora – São Paulo, 1972;
- Coutinho, Afrânio. In: A literatura no Brasil. Rio de Janeiro, Livraria São José Editora, 1959.
- Duarte, Paulo. In: Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo. Hucitec/Secretaria Municipal de Cultura, 1985.
- Faria, Maria Alice. In: Sem essa, Aranha. (Fonte desconhecida);
- Milliet, Sérgio. In: Diário Crítico – Vol. I (1940-1943). 2ª Ed. – Livraria Martins Editora & EDUSP – São Paulo, 1981;
- _________. In: Diário Crítico – Vol. III (1945). 2ª Ed. – Livraria Martins Editora & EDUSP, 1981;
- Revista klaxon – Obra publicada em co-edição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Impressão em 1976, pelo método offset, com filmes fornecidos pelo Editor – Livraria Martins Editora, feita pela Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais S.A. – São Paulo. Introdução de Mário da Silva Brito, contendo as 8 (oito) edições do Mensário Klaxon (Maio de 1922 – Dezembro de 1922 & Janeiro de 1923).
- Texto do Acervo da Biblioteca da Exposição RETALHOS DO MODERNISMO - 2009 - (Luiz de Almeida)