POEMAS NATALINOS DE MANUEL BANDEIRA
Manuel Bandeira
foi um dos poucos poetas que deixou mais de um poema com o tema: “Natal”. O Retalhos do Modernismo traz seis dos seus poemas com essa
temática, deixando fora o “Alegria de
Nossa Senhora” (uma composição inspirada no texto de oratório do poema de
uma monja carmelita, como mencionado no aparte do próprio poema), por não estar
inserido exclusivamente na temática, como também os poemas natalinos traduzidos
pelo poeta.
Nos poemas Natal Sem Sinos, Versos de Natal e Natal,
encontramos o poeta se retratando e traçando paralelos. Em Versos de Natal, por exemplo, Bandeira dialoga com o espelho - deixando
subtendida a imagem do eu interior que o espelho não retrata, levando o leitor
refletir a vida e tudo que construiu de sustentáculo desde a infância para toda
sua existência. O poeta atrai o leitor a apoderar-se da infância.
Em Natal Sem Sinos, assim como em todos os
poemas natalinos, Bandeira deixa evidenciado o eu lírico, induzindo o leitor na
“comunhão lírica” do quotidiano e das lembranças de fatos vivenciados desde a
infância. Vale ressaltar o colóquio de Gilda e Antonio Cândido na Introdução de
Estrela da Vida Inteira, José Olympio
Editora, RJ, 1988, p. lxii: “(...). O caráter acolhedor do seu verso importa em
atrair o leitor para essa despojada comunhão lírica do quotidiano (...)”.
O objetivo desta
postagem não é a análise dos poemas, mas simplesmente disponibilizá-los, em
conjunto, para os diletos leitores deste Blog. Espero ter contribuído para que
todos possam ler e refletir sobre a temática natalina. No final da postagem
poderão encontrar o link de outra postagem do Retalhos (2009), com o texto O Peru de Natal, de Mário de Andrade.
Feliz leitura. Feliz Natal.
Luiz de Almeida
Canto de Natal
O nosso menino
Nasceu em
Belém.
Nasceu
tão-somente
Para
querer bem.
Nasceu sobre as palhas
O nosso
menino.
Mas a mãe
sabia
Que ele
era divino.
Vem para sofrer
A morte
na cruz,
O nosso
menino.
Seu nome
é Jesus.
Por nós ele aceita
O humano
destino:
Louvemos
a glória
De Jesus
menino.
Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Belo Belo. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 168.
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Versos de Natal
Espelho,
amigo verdadeiro
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
(1939)
Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Lira dos Cinquent’ano. José Olympio
Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 145.
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NATAL
Penso em
Natal. No teu Natal. Para a bondade
A
minh’alma se volta. Uma grande saudade
Cresce em
todo o meu ser magoado pela ausência.
Tudo é
saudade... A voz dos sinos... A cadência
Do rio...
E esta saudade é boa como um sonho!
E esta
saudade é um sonho... Evoco-te... Componho
O
ambiente cuja luz os teus cabelos douram.
Figuro os
olhos teus, tristes como eles foram
No
momento final de nossa despedida...
O teu
busto pendeu como um lírio sem vida,
E tu
sonhas, na paz divina do Natal...
Ó minha
amiga, aceita a carícia filial
De
minh’alma a teus pés humilhada de rastos.
Seca o
pranto feliz sobre os meus olhos castos...
Ampara a
minha fronte, e que a minha ternura
Se torne
insexual, mais do que humana – pura
Como
aquela fervente e benfazeja luz
Que
Madalena viu nos olhos de Jesus...
(Clavadel,
1913)
Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – A Cinza das Horas. José Olympio Editora,
15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 41.
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PRESEPE
Chorava
o menino.
Para mãe, coitada,
Jesus pequenito,
De qualquer maneira
(Mães o sabem...), era
Das entranhas dela
O fruto bendito.
José, seu marido
Ah esse aceitava,
Carpinteiro simples,
O que Deus mandava.
Conhecia o filho
A que vinha neste
Mundo tão bonito,
Tão mal habitado?
Não que ele temesse
O humano flagício:
O fel e o vinagre,
Escárnios, açoites
O lenho nos ombros,
A lança na ilharga,
A morte na cruz.
Mais do que tudo isso
O amedrontaria
A dor de ser homem,
O horror de ser homem,
- Esse bicho estranho
Que desarrazoa
Muito presumido
De sua razão;
- Esse bicho estranho
Que se agita em vão;
Que tudo deseja
Sabendo que tudo
É o mesmo que nada;
- Esse bicho estranho
Que tortura os que ama;
Que até mata, estúpido,
Ao seu semelhante
No ilusivo intento
De fazer o bem!
Os anjos cantavam
Que o menino viera
Para redimir
O homem - essa absurda
Imagem de Deus!
Mas o jumentinho,
Tão manso e tão calado
Naquele inefável,
Divino momento,
Ele bem sabia
Que inútil seria
Todo o sofrimento
No Sinédrio, no horto,
Nos cravos da cruz;
Que inútil seria
O fel e o vinagre
Do bestial flagício;
Ele bem sabia
Que seria inútil
O maior milagre;
Que inútil seria
Todo sacrifício...
Para mãe, coitada,
Jesus pequenito,
De qualquer maneira
(Mães o sabem...), era
Das entranhas dela
O fruto bendito.
José, seu marido
Ah esse aceitava,
Carpinteiro simples,
O que Deus mandava.
Conhecia o filho
A que vinha neste
Mundo tão bonito,
Tão mal habitado?
Não que ele temesse
O humano flagício:
O fel e o vinagre,
Escárnios, açoites
O lenho nos ombros,
A lança na ilharga,
A morte na cruz.
Mais do que tudo isso
O amedrontaria
A dor de ser homem,
O horror de ser homem,
- Esse bicho estranho
Que desarrazoa
Muito presumido
De sua razão;
- Esse bicho estranho
Que se agita em vão;
Que tudo deseja
Sabendo que tudo
É o mesmo que nada;
- Esse bicho estranho
Que tortura os que ama;
Que até mata, estúpido,
Ao seu semelhante
No ilusivo intento
De fazer o bem!
Os anjos cantavam
Que o menino viera
Para redimir
O homem - essa absurda
Imagem de Deus!
Mas o jumentinho,
Tão manso e tão calado
Naquele inefável,
Divino momento,
Ele bem sabia
Que inútil seria
Todo o sofrimento
No Sinédrio, no horto,
Nos cravos da cruz;
Que inútil seria
O fel e o vinagre
Do bestial flagício;
Ele bem sabia
Que seria inútil
O maior milagre;
Que inútil seria
Todo sacrifício...
Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Belo Belo. José Olympio Editora, 15ª
edição, Rio de Janeiro, 1988 – pp. 182/183.
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NATAL
SEM SINOS
No pátio a noite é sem
silêncio.
E que é a noite sem silêncio?
A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos
Do meu Natal sem sinos?
Ah meninos sinos
De quando eu menino!
Sinos da Boa Vista e de Santo Antônio.
Sinos do Poço, do Monteiro e da Igrejinha de Boa Viagem.
Outros sinos
Sinos
Quantos sinos
No noturno pátio
Sem silêncio, ó sinos
De quando eu menino,
Bimbalhai meninos,
Pelos sinos (sinos
Que não ouço), os sinos de
Santa Luzia.
(Rio, 1952)
E que é a noite sem silêncio?
A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos
Do meu Natal sem sinos?
Ah meninos sinos
De quando eu menino!
Sinos da Boa Vista e de Santo Antônio.
Sinos do Poço, do Monteiro e da Igrejinha de Boa Viagem.
Outros sinos
Sinos
Quantos sinos
No noturno pátio
Sem silêncio, ó sinos
De quando eu menino,
Bimbalhai meninos,
Pelos sinos (sinos
Que não ouço), os sinos de
Santa Luzia.
(Rio, 1952)
Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Opus 10. José Olympio Editora, 15ª
edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 199.
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A
ANUNCIAÇÃO
Seis meses passados sobre
A angélica anunciação
Do nascimento de João, Santo filho de Isabel,
Baixou o arcanjo Gabriel
À Galiléia e na casa
Do carpinteiro José
Entrou e diante da virgem
Desposada com o varão
- Maria ela se chamava -
Curvou-se em genuflexão.
Dizendo com voz suave
Mais que a aura da manhã: "Ave,
Maria cheia de graça!
Nosso Senhor é contigo,
Tu bendita entre as mulheres".
E ela, vendo-o assim, turbou-se
Muito de suas palavras.
Mas o anjo, tranquilizando-a,
Falou: "Maria, não temas:
Deus escolheu-te, a mais pura
Entre todas as mulheres,
Para um filho conceberes
No teu ventre e, dado à luz,
O chamarás de Jesus;
O santo Deus fá-lo-á grande,
Dar-lhe-á o trono de Davi,
Seu reino não terá fim".
E disse Maria ao anjo:
"Como pode ser assim,
Se não conheço varão?"
E, respondendo o anjo, disse-lhe:
"Descerá sobre ti o Espírito
Santo e a virtude do Altíssimo
Te cobrirá com sua sombra;
Pelo que também o Santo
Que de ti há de nascer,
Filho de Deus terá nome,
Com ser filho de mulher,
Pois tua prima Isabel
Não concebeu na velhice,
Sendo estéril? A Deus nada
É impossível". O anjo disse
E afastou-se de Maria.
Como no extremo horizonte
A primeira, desmaiada
Celagem da madrugada,
Duas rosas transluziram
Nas faces da Virgem pura:
Já era Jesus no seu sangue,
Antes de, infinito Espírito
Mudado em corpo finito,
Se fixar em forma humana
na matriz santificada.
Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – A Estrela da Tarde. José Olympio
Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – pp. 212-214.
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No link abaixo: “O Peru de
Natal”, de Mário de Andrade, postado em 2009:
http://literalmeida.blogspot.com.br/search?q=o+peru+de+natal
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