Foto Ilustrativa
Justamente neste
ano que se comemora os 100 anos da famosa exposição de Annita Malfatti, em 1917,
em São Paulo, o IEB (Instituto de Estudos
Brasileiros), da USP, encontra “Diário de Anita Malfatti” que
retrata o início de sua carreira.
Nota 1:
Texto da Reportagem IEB/USP por: Larissa Lopes (em letras pretas) – Em letras
azuis, texto do Blog Retalhos do Modernismo por: Luiz de Almeida.
Em 12 de
dezembro (1917), Annita Malfatti organiza nova exposição em sala térrea cedida
pelo Conde Lara [Antônio de Toledo Lara –
empresário do ramo de café e empreendedor. Nasceu em Tiete (SP), em 21/12/1864
e faleceu em São Paulo, em 20/4/1935], na Rua Libero Badaró, 111, São Paulo
– considerada a primeira exposição de Arte Moderna do Brasil. Expõe 53 obras,
maioria com tendência impressionista, obras realizadas nos Estados Unidos
(1915/16), e outras realizadas em São Paulo (1916/17). Também expos algumas
obras de pintores amigos norte-americanos. Suas obras Annita chocaram o público.
Na primeira semana vendeu oito obras. O catálogo da exposição foi numa folha
impressa com a relação das obras expostas e valores, conforme segue:
Foto Ilustrativa: cópia do livro Anita
Malfatti no tempo e no espaço.
Biografia e estudos da obra. Batista, Marta
Rossetti
– Ed. 34&Edusp (SP), 2006, p. 196.
- Em 20 de
dezembro, Monteiro Lobato publica, na pág. 4, da edição vespertina do jornal O Estado de S. Paulo, o artigo: “A
Propósito da Exposição de Malfatti” (Lobato
transcreveu em 1919 no seu livro “Idéas de Géca Tatú”, Edição da Revista do
Brasil, com o título mais explícito de: Paranoia ou Mistificação? - e subtítulo:
A Propósito da Exposição Malfatti), em Artes e Artistas, artigo em que
condena a mostra com críticas duras e severas. Depois do artigo de Lobato,
várias obras de Annita foram devolvidas. Algumas foram destruídas. Francisco
Alambert, assim descreve:
(...). Na primeira semana, a exposição, realizada numa galeria
da Rua Barão do Triunfo, bem no centro de São Paulo, não causou grande alarido.
foi frequentada por um número razoável de pessoas sendo que muitos quadros
chegara a ser vendidos. Mas no dia 20 de dezembro, quando saiu publicado n'O Estado de S. Paulo o artigo de um
fazendeiro e escritor paulista, Monteiro Lobato, a repercussão foi bombástica.
O artigo intitulava-se “Paranóia ou mistificação?” e
atacava violentamente a exposição, a pintora e, sobretudo, os princípios da
pintura moderna, que o autor repudiava mesmo que, segundo muitos críticos, seus
argumentos demonstrassem apenas que ele nada entendia do assunto.
(...).
Os críticos dos trabalhos de Anita Malfatti, dentre eles
alguns parentes da pintora que se envergonhavam das “extravagâncias” da
artista, uma vez que iam contra a mentalidade conservadora da tradicional
família paulista, passaram também a inflamar a exposição e, em decorrência,
tudo o que se chamava de arte moderna. Pressionados ou não, compradores
devolviam telas, e outros, mais irados, ameaçaram destruir os quadros, que
acreditavam ser uma ofensa à moral, aos bons costumes e à verdadeira arte.
(...).
Alambert, Francisco. A Semana
de 22 - A Aventura Modernista no Brasil. Editora Scipione (História em
Aberto), São Paulo, 1944, 2ª Ed., pp. 36-37.
A exposição de 1917 foi a que serviu para aglutinar os “moços de
22”, dentre eles: Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Brecheret
(1891-1955), Guilherme de Almeida e outros.
Caderno (de
Annita Malfatti) reencontrado em arquivo do IEB traz desde exercícios de
geometria até o relato da primeira exposição da pintora.
Detalhes do Diário de Anita Malfatti
Foto Cecília Bastos/USP Imagens
“Trinta de maio foi sábado e dele
só me lembro quando ao lusco-fusco apareceu Freitas Valle com todos seus
satélites, sendo os principais Zadig e Elpons (…) quando mamãe perguntou se ele
gostava do retrato de Georgina, disse ele – Minha senhora, não se ofenda se sou
franco, mas esse quadro está crivado de erros, o desenho é fraco e é um carnaval
de cores. O valor artístico não tem nenhum”, narra Anita Malfatti em seu
caderno recentemente reencontrado no arquivo do Instituto de Estudos
Brasileiros (IEB) da USP.
O trecho se refere à recepção da
primeira exposição individual da modernista, em 1914, e foi publicado na
biografia Anita Malfatti no Tempo e no Espaço, da
historiadora do IEB Marta Rossetti Batista, em 1985.
Fotos Ilustrativas da 1ª Exposição em 1914
Foto Superior: cópia do livro Anita
Malfatti
– Mestres das Artes no Brasil. Braga-Torres,
Angela.
Editora Moderna, São Paulo, 1ª ed., 2002, p.
14.
Foto Inferior: cópia do livro Anita
Malfatti
no tempo e no espaço. Biografia e estudos da
obra.
Batista, Marta Rossetti – Ed. 34&Edusp
(SP), 2006, p. 87.
Ainda sim, por muito tempo, o
caderno do qual o trecho havia sido extraído não fora achado. O livro era a
única pista da existência de um diário perdido de Anita, cujo paradeiro
permaneceu desconhecido até o início de fevereiro deste ano (2017).
Enquanto analisava a 28ª caixa do
arquivo de Mário e Emilie Chamie, em busca de material para o projeto de
pós-doutorado, o pesquisador Carlos Pires encontrou um envelope destinado a
Marta Rossetti. Nele, havia o caderno de Anita Malfatti, no qual Pires
identificou as passagens que a historiadora havia usado em seu livro.
“O fato de retratar uma situação
muito particular e típica do que acontecia na década de 1910 aqui no Brasil,
relacionada a Freitas Vargas e ao mercado de arte, é um aspecto muito
importante do diário”, argumenta o pesquisador, que pretende analisar a obra
mais profundamente.
No caderno, além do relato sobre
a primeira exposição individual da artista, há também exercícios de geometria,
listas de palavras em alemão e inglês e esboços de desenhos mais livres. “O
caderno é o espaço do talvez”, comenta Elisabete Ribas, chefe do Serviço de
Arquivo do IEB, parafraseando o pintor brasileiro Daniel Senise. “Nele pode
haver uma receita, uma confissão, um momento de drama, e o da Anita é bem
assim. O caderno permite tudo”, explica.
Detalhes do Diário de Anita Malfatti
Foto Cecília Bastos/USP Imagens
Da
teoria ao vernissage
Georgina
(ost): retrato da irmã de Anita
exposto
em 1914 e criticado por Freitas Valle.
Após a morte do pai, de origem
italiana, a jovem artista foi educada pela família materna, de descendência
germânica, que mandou Anita para Berlim, onde estudou arte entre 1910 e o
início de 1914. As primeiras páginas do caderno foram preenchidas nessa época,
com estudos sobre perspectiva, formas geométricas e língua alemã.
Em Berlim, Anita teve contato com
movimentos vanguardistas europeus e foi especialmente influenciada pelo
expressionismo. “Ela foi muito impactada pelo trabalho com a cor, pela explosão
de cores, muito mais do que pelo cubismo, que era um estudo mais voltado para
as formas”, afirma Regina Teixeira de Barros, curadora da exposição Anita
Malfatti: 100 Anos de Arte Moderna, no Museu de Arte Moderna, que comemorou
o centenário da exposição de 1917, a segunda individual de Anita.
Mesmo que inspirada pelo trabalho
expressionista, seus quadros da exposição de 1914 ainda carregavam fortes
referências acadêmicas. “Esse momento é um misto de aprendizado e
experimentação, mas a experimentação dela é muito mais próxima do
impressionismo do que do expressionismo”, explica Regina. “Na exposição de
1914, as pessoas atribuíam a ‘mão pesada’ de Anita — falavam que o trabalho
dela tinha uma força masculina — ao fato de ser uma pintura de quem ainda
estava se iniciando. Esses primeiros trabalhos eram entendidos como exercícios
de pintura e não como uma pintura com pretensão de ter autonomia”, diz.
Homem Amarelo é um dos quadros de 1917
que
mostram o desenvolvimento do
expressionismo
nas obras de Anita Malfatti
Foto:
Reprodução
As críticas, no entanto, não
recaiam apenas em Anita. Em seu diário, a artista se sentia à vontade para
avaliar o que acontecia em seu entorno também. “Ela faz uma análise realmente
crítica da situação da arte, como funciona o mercado de arte, quais são as
pessoas que vão visitá-la na exposição e por que vão visitá-la. Ela expõe isso
de uma forma muito clara, com a qual nós não tínhamos tanto contato, a não ser
pelas cartas que ela escrevia”, explica Elisabete, ao lembrar das muitas
“cartas de pijama” que Anita trocava com Mário de Andrade, sempre muito
francas.
“O que é bonito no diário é que
ela é um pouco mais jovem do que em outros momentos que estão documentados. Ela
é mais inocente, talvez um pouco mais natural”, completa. Um exemplo disso é a
história de como Anita tentou se preparar para o seu vernissage de 1914.
Comprou sapatos novos para a ocasião, mas, ao chegar ao local, ainda os levava
nas mãos. Além disso, a pintora fez questão de pregar ela mesma as telas da
exposição.
“Uma coisa que a gente percebe no
arquivo, no diário e em tantos outros locais, é que ela se dedica muito àquilo
que faz”, analisa Elisabete. Para a pesquisadora, Anita e outros intelectuais
da época “foram pessoas que se dedicaram profundamente, de modo a marcar a área
em que elas atuaram, a mudar um ciclo, a reformular um pensamento, a
representar um povo de uma maneira diferente. No caso da Anita, de uma forma
mais colorida”, conclui.
Passada a estreia no Brasil, no
final de 1914, Anita viaja a Nova York para estudar arte e finalmente consegue
digerir as referências expressionistas que viu na Alemanha. Além disso, começou
a produzir os quadros que fizeram parte de sua segunda exposição individual,
três anos depois de seu début.
“Em 1917, ela tem uma pintura
muito mais gestual, muito mais livre em termos de escolha de cores, que deixam
de ser uma referência ideal e passam a ter uma carga mais psicológica, mais
interpretativa”, descreve Regina. “Além disso, ela tem um afastamento do
espaço, ela deixa de fazer uma perspectiva buscando o tridimensional, a
profundidade. As telas vão ficando mais planas e, na figura humana, ela faz
cortes que são pouco ortodoxos, pouco acadêmicos.”
O diário
perdido
Elisabete
Ribas, do IEB
Foto:
Cecília Bastos/USP Imagens
Ainda não se sabe com certeza
como o caderno chegou até o acervo de Emilie Chamie, mas pesquisadores do IEB
supõem que Marta Rossetti o havia emprestado para que a designer — que
organizou a parte gráfica da biografia de 1985 — pudesse desenvolver um projeto
sobre Anita Malfatti. “Provavelmente ela estava trabalhando num livro com a
Marta, sobre a Anita, e o material iria compor trechos do projeto, mas ela
precisava do original para reproduzir aquilo”, presume Elisabete. Supõe-se que
a pesquisa de Emilie não chegou a ser concluída em razão de sua morte em 2000,
além de não ter conseguido devolver o diário a Marta, falecida em 2007.
De volta ao arquivo, o diário
será incorporado à coleção de cadernos de Anita Malfatti. “Ele, com certeza,
vai completar o conjunto e o conjunto irá completá-lo. São estudos infinitos”,
diz Elisabete.
Fonte: https://jornal.usp.br/cultura/diario-de-anita-malfatti-retrata-o-inicio-de-sua-carreira/
- Acesso em 13/4/2017
Nota 2: O Blog Retalhos do Modernismo está preparando apostila com a "Síntese Biográfica" de ANNITA MALFATTI - que será disponibilizada aqui no Blog.
Luiz de Almeida
Muito interessante seu blog...
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