domingo, 6 de junho de 2010

RELATANDO O POETA "DANTE MILANO"

RELATANDO DANTE MILANO

Dante Milano (Foto Reprodução)
INTRODUÇÃO:PARTE I - DANTE MILANO: O POETA MAIS MODERNO QUE MODERNISTA;
PARTE II – ALGUMAS PALAVRAS SOBRE DANTE MILANO


PARTE I
DANTE MILANO:
"O POETA MAIS MODERNO QUE MODERNISTA"
(Luiz de Almeida)


Dante Milano, até 1948, quando publicou seu primeiro livro “Poesias”, fora considerado poeta bissexto. Amigo de outro nem tanto poeta e tão pouco bissexto, Jayme Ovalle, o poeta de nenhum poema. Ambos foram amigos de Bandeira, de Fernando Sabino, de Jorge de Lima, dentre outros não menos importantes. Dante Milano ainda teve o privilégio das amizades de: Aníbal Machado, Celso Antônio, Portinari, Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Augusto Frederico Schmidt (alcunhado por Manuel Bandeira de “gordinho sinistro”), Di Cavalcanti, Odilo Costa Filho, Olegário Mariano, Paulo Mendes Campos, Ribeiro Couto, Sérgio Buarque e outros mais. Se analisarmos a vida de Milano e Ovalle, facilmente entenderemos os motivos que acorrentaram a grande amizade. Igualmente entenderemos os da amizade com Bandeira. Mas esse é um assunto que não importa no momento, a não ser a simples informação e (não poderia deixar de mencionar) o lado místico e sobrenatural pertinentes aos dois, ou melhor, aos três.
“O Poeta Dante Milano era conhecido e respeitado dentre os artistas, intelectuais e acadêmicos ilustres ou célebres no espaço social literário brasileiro e desconhecido do grande público” - [Assim afirma Alexandre Fernandes Corrêa no seu “O Imaginário do Mal no Movimento Literário Brasileiro do Início do Século XX” (1)]. Até os dias atuais, Dante Milano ainda não recebeu a devida atenção da totalidade da plêiade literária nacional. Poucos são os brasileiros e principalmente os cariocas, que conhecem e enaltecem a pessoa e a obra de Dante Milano. O acadêmico Ivan Junqueira é exceção, grande e ilustre exceção, que conheceu Dante Milano somente em 1979, mas conhecia sua poesia desde 1958, pela edição da Agir. Alexandre Fernandes Corrêa, antropólogo, pesquisador, escritor, carioca, botafoguense, esposo da Psicanalista Adriana Cajado Costa, meu amigo, autor do livro “O Museu Mefistofélico e a Distabuzação da Magia - Análise do Tombamento do Primeiro Patrimônio Etnográfico do Brasil", EDUFMA, São Luis/MA, 2009 – é outro grande conhecedor e admirador do Dante Milano, pois pesquisou Dante, estudou Dante – e continua até hoje nessas tarefas. Sei também que é crescente o número dos leitores e admirados do Dante (ainda bem), mas ainda somos pouquíssimos diante da grandeza desse Poeta. Infelizmente: “Essa falta de conhecimento que o público brasileiro tem a respeito do Dante Milano e da sua obra é culpa do próprio Poeta”. E talvez fosse esse mesmo o seu desejo, pois chegou a dizer certa vez para a esposa Alda Milano: - “Desejo ser um poeta póstumo”. Essa é minha conclusão e posso estar totalmente equivocado, mas creio que estamos em plena costumaria milaniana – e ascendente, mas:
- Pesquisando o pouco que se encontra da vida pessoal de Dante Milano – e lendo, relendo e analisando seus poemas, flui a evidente introspectividade milaniana. Exagerando no adjetivo, mesmo assim, não cometeríamos nenhum impropério ao afirmar que Dante Milano pode ter sido um verdadeiro antropófobo. Na entrevista que o acadêmico Ivan Junqueira concedeu ao escritor Alexandre Fernandes Corrêa (este, já identificado no parágrafo anterior), contribui para que a dedução de Dante Milano ter sido introspectivo e antropófobo transforme-se em afirmativa incontestável. Assim responde Ivan Junqueira:
- “(...)//Dante era um homem muito esquecido e que desejava ser esquecido. (...)//Ele sempre foi recluso. (...)//A gente não deve tomar como base a vida dele para explicar a obra – a vida dele não tem significação nenhuma; era um homem que quase não saiu do Rio de Janeiro... A única vez que saiu foi para visitar Portinari, em Brodósqui. Ficou lá dois dias... Começou a chorar de Saudade do Rio de Janeiro”.
Na verdade, Dante, avesso a qualquer tipo de badalação, manteve também uma postura de “estar à margem” dos acontecimentos e da vida literária, não assumindo nenhuma posição em movimentos e nem se engajando em nenhum cânon literário.
Sobre a figura e a obra do Dante, Sérgio Milliet (1898-1966), em breve análise sobre o poeta e seus poemas no “Panorama da Poesia Brasileira” (Editado pelo Departamento de Imprensa Nacional & Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro, 1952 – 1ª edição, pp. 78/79), menciona:
- “(...)//O poeta é um agonizante que já canta o mundo da morte, incompreensível aos vivos. Por isso não lhe compreendemos as palavras misteriosas. (...)//A poesia triste de Dante Milano reflete esse estado de espírito. É bem de nosso tempo, portanto”. Em outro trecho Milliet deixa escapar a frase: “... a melancolia cheia de pudor do poeta” – Afirmando-nos, em outras palavras, o comentado nos parágrafos anteriores, que Dante, como pessoa, era tão melancólico quanto se desnuda em seus poemas.
Dante Milano viveu “enclausurado” durante 22 anos (1945/1967) no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro, onde foi o seu primeiro Diretor. E deu muita importância, pelo visto, pois manteve uma exagerada discrição tanto da função quanto das suas atribuições. Não existe nenhum depoimento dele a respeito do funcionamento da polícia carioca, por exemplo, das metodologias empregadas para as apreensões dos materiais e outras coisas mais, dos terreiros de macumba, das casas de feitiçarias, etc., que passaram a fazer parte do acervo daquele Museu. Alexandre Fernandes Corrêa, nesse “misterioso” assunto dos trabalhos de Dante no Museu, foi muitíssimo feliz quando afirma:
- “Ao se tentar uma aproximação da subjetividade do poeta Dante Milano, observou-se que ele produziu uma obra particularmente rica em imagens fantasmagóricas e sinistras. Em relação, especialmente, ao aspecto político e ideológico, fica claro, que ele vivia de algum modo uma situação desconfortável e ambígua (itálico meu), já que trabalhava no Ministério da Justiça, na instituição de Segurança Pública (Juizado de Menores) – órgãos burocráticos do aparelho estatal getulista. (...)//Contudo, a proximidade com os aparelhos repressivos autoritários de um Estado protofascista devia causar algum mal-estar, particularmente no auge da perseguição aos militantes comunistas – o que é constatável facilmente na insistente relutância do poeta em expor qualquer comentário sobre esse período de sua vida, (itálico meu). (...)” (1).
Essa “reclusão” do poeta e toda sua dedicação, certamente influenciaram muitíssimo nos seus conceitos e na sua composição literária. Outro determinante, um verdadeiro influxo na vida e obra do Dante, sem nenhuma dúvida, foi o seu envolvimento com as leituras e traduções principalmente de Dante Alighieri, Baudelaire e Mallarmé.
Dante Milano é um Poeta difícil e peculiar. Foi uma pessoa inteligentíssima, apesar das ocorrências da vida o terem conduzido a posturas pessoais, talvez, metódicas e repletas de pragmatismo e conservantismo - deduzo. Gosto da definição do Amauri M. Tonucci Sanchez (2) no seu “Panorama da Literatura no Brasil”, Editora Abril Educação, São Paulo, 1982, p. 55:
- “Dante Milano é, por um lado, um esteta da emoção (a partir de que se podem ver ecos neo-simbolistas em seu texto); por outro, está afeiçoado a apelos surreais: o mundo forma-se de imagens fragmentárias; a vida parece um jogo às vezes melancólico, logo funesto, em que a identidade de coisas e seres não se revela, e teima em não se esclarecer”.
Ao dizer que Milano “é um Poeta difícil”, não digo no sentido literal, mas no sentido de “mistério” ou “misterioso”, inerente na sua pessoa, na sua vida profissional e nos seus poemas. Talvez esteja nesse estado de “mistério” o ideal de Milano, pois foi um homem de costumes e conceitos totalmente exclusivistas – ou não seria melhor dizer: Dante Milano foi um homem de costumes e conceitos totalmente complicados? – Por isso mencionei que Dante Milano é um Poeta difícil, “peculiar”.
Toda essa vida “misteriosa” em nada prejudicou a performance do grande Poeta, escultor, ensaísta, prosador e tradutor, que, apesar de ter apoiado o movimento modernista e ter convivido com Bandeira e Portinari, nele não se engajou e por isso, somente por isso, não foi um modernista defensor da estética dos de 22 (ou não foi considerado um “modernista” por não ter aderido ao chamado Movimento de 22) – mas, como afirma Ivan Junqueira:
- “Dante Milano é um poeta moderno” – mesmo sabendo que Milano fora incluído pelos críticos como integrante da Terceira Geração do Modernismo [1945/1962](3).
Ivan Junqueira tem toda razão. Dante Milano é moderno. Quanto ao enquadramento de Dante ao Modernismo, independentemente do período, prefiro dizer que: “Dante Milano é um Poeta mais moderno que modernista”.
Analisando ou tentando analisar o Poeta Dante Milano, verifica-se que a poeticidade nos seus textos é algo espetacular e que desafia os exegetas mais exigentes e abnegados, pois todos os elementos da expressão milaniana são extremamente belos. O conteúdo repleto de homófonos intui sentidos diversos, complexos, delirantes e reflexivos. É encantador ler. É inebriante estudar e perquirir qualquer poema milaniano, pois são perceptíveis os ritmos, os sons e as imagens que medram de cada palavra e de cada combinação de versículos. Descobre-se em cada poema a correspondência e sintonização explicitas entre o autor, os sentimentos, o tempo e a temática – sem que necessitemos incluir a parição de imagens e significações subliminares, que são derivações sensitivas sincrônicas.
Nesta singela apresentação optei por dissertar sobre esse Poeta chamado Dante Milano, mesmo não ter sido um dos Personagens da SAM e da Primeira Fase do Modernismo, temática predominante do blog RETALHOS DO MODERNISMO. Decidi: tanto pela sua importância como Poeta e também pelo intuito da pesquisa, pelo ineditismo. Enfim, este apanhado sobre Dante Milano não “quebra” a rotina do RETALHOS.
Não enfatizei a vida do Dante Milano no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro, pois prefiro que haja interesse dos diletos leitores pelo fantástico livro do Alexandre Fernandes Corrêa, referido no início do texto. Corrêa é perito nesse assunto. Não alonguei sobre a vida poética do Dante por ser um tema que possa ser abordado com mais perícia por personalidades como o acadêmico e excelso Ivan Junqueira, que conheceu pessoalmente o Poeta. Resta-me apenas atender aos objetivos preliminares e pertinentes ao Blog RETALHOS DO MODERNISMO e: “alertar” e “chamar a atenção” dos diletos e egrégios “seguidores” e “leitores” para o já outrora desconhecido Poeta Moderno “Dante Milano”.

PARTE II

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE DANTE MILANO



Alexandre Corrêa

Alguns leitores poderiam ficar tentados a considerar a idéia de que estão sendo apresentados a um poeta que só mereceria atenção se fosse desculpado pelas suas idiossincrasias e singularidades exóticas ou esotéricas. Na medida em que estamos aqui dando alguma ênfase as suas expressões mais heteróclitas, estaríamos polindo alguma pérola bruta. Longe disso! Mas, isso é certo, não há nenhuma desculpa para justificar a persistência de recalcitrante desprezo pela arte de tão grande artista. Não estamos a culpar o poeta pelas dificuldades de ser entendido, admirado ou contemplado por um público vasto; nem tampouco fazendo o contrário, considerando que sua obra seria excelsa, o povo e suas elites é que seriam ignaros e ingratos. Não, trata-se de outras causas, ou razões, que explicam, ou tentam explicar, esse persistente véu de desconhecimento e obscuridade que ainda recobre a poesia de Dante Milano. Tentaremos oferecer hipóteses menos psicologistas – ou melhor, menos subjetivistas – pois não acreditamos ser mais importante saber da intimidade da vida do poeta, para só assim se poder entendê-lo ou compreendê-lo.
Na verdade, nos parece que Dante Milano vem confirmar uma lenda antiga. Como se diz comumente, o poeta enquanto ‘antena da espécie’, ouve vozes, vê imagens, ou fantasmas, que os seres humanos comuns não veem. E aqui é o caso de levar isso muito a sério. Dante Milano, em vida, ouvia e via coisas que os comuns não viam, e não ouviam, em sua época; o que nem mesmo seus colegas artistas sentiam ou desconfiavam. Como assim? Trata-se de um poeta esquisito, cheio de esquisitices, que só pode ser entendido por gente esquisita? Não, mais uma vez, não! Trata-se de um poeta profundo, metafísico, transcendente, que na sua metafísica peculiar, não sobrenatural, viu mundos e terras e ouviu vozes e sons de vasta iluminação, entre as trevas de um cotidiano obscuro e verdadeiramente sinistro. O mundo que Dante Milano compartilhava com seus contemporâneos, como se sabe, era um mundo sinistro, fantasmagórico e terrível. Os poetas – ao menos os desse tipo que tratamos aqui – sentem esses significados mais subjacentes, que nos escapam comumente. Pode-se dizer que Dante Milano cultivava a introspecção, a melancolia e outras ‘esquisitices’ pessoais (afinal um dos seus lemas favoritos era aquele dos dândis baudelairianos: ‘espantar, sem espantar-se’(1)). Todavia, não se tratava de uma máscara estetizada, com o objetivo de tornar-se conhecido por esse traço narcísico. Não! Dante Milano não queria viver uma vida literária (o que lembra Rimbaud). Em nossa visão, o que a subjetividade do poeta revela, e sua poesia expressa, são conteúdos e significados que nos escapam comumente; se insistimos em ver e sentir o mundo sob o véu da normalidade comum. Como nos lembra Castoriadis, os artistas vêm fantasmas e ouvem vozes, mas os transformam em arte, revelando e trazendo à superfície da vida, sentidos e significados que antes habitavam o magma do imaginário social (2). Dante Milano fez o seu trabalho de poeta: nos trouxe das profundezas – de novo como um grande baudelairiano – as flores do nosso mal. Mas, que mal é esse? Para nós, é o mal das tormentas de um mundo em transformação e de almas despreparadas para viver esses abalos. Sua poesia revela as angústias de seres humanos abalados pela vertigem das transformações da sociedade e da cultura, recém expulsos do mundo tradicional e rural, e sendo lançados na mais atormentada modernização tardia – aquela do início da industrialização e urbanização alucinada do país, nos anos de 1920-30 – e de um mundo entre duas grande guerras fratricidas; como sabemos, tudo isso provocou transtornos profundos na nossa maneira de ver, sentir e pensar. O mundo social-histórico que serviu de moldura e contexto para sua poesia, atravessa transfigurado os versos e sonetos desse grande poeta brasileiro. Para compreender a força de sua literatura consideramos que é preciso compreender o mundo do qual o poeta tirou a matéria de sua grande arte. Aqui, seguimos caminho muito distinto daqueles que creem no mito do ‘gênio artístico’, ou que professam o ‘new criticism’: idólatras do texto ‘sagrado’ (evangelismo exegético). Para nós, a metafísica de Dante Milano é ultra-materialista, isto é, avança sobre o real, ultrapassa a matéria e atinge o significado (as estruturas simbólicas), na sua intangibilidade mais profunda. É o método dos grandes, dos maiores, e também dos mais sinceros e verdadeiros artistas. Por isso, Dante Milano não é um poeta da metáfora fetichizada, mas da metonímia fetichizadora, o hermeneuta do feitiço literário e poético, que abalou as obviedades modistas e pseudo-novidadeiras dos modernistas. Essa ‘mágica’ milaniana foi apurada no tempo em que o poeta dirigiu o Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro e ali, possivelmente, compreendeu as forças mefistofélicas que toda grande arte possui.
Destarte, é com maior satisfação que compartilhamos com Luiz de Almeida do esforço prazeroso de apresentar o poeta Dante Milano a todos que desejem conhecer um momento ímpar da poesia brasileira. Luiz de Almeida presta uma contribuição importante ao incluir em seu Blog, já consagrado, essa homenagem ao grande poeta carioca. Dante Milano, parece, agora se lança numa nova aventura póstuma, tão desejada: a consagração definitiva no panteão da arte literária brasileira.

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Atendendo assim aos objetivos propostos, na sequencia: uma síntese biográfica, depoimentos e quatro poemas. Inserimos alguns dados Culturais e Históricos nessa síntese apenas para facilitar e permitir ao leitor “posicionar” a vida e a obra de Dante Milano no período.

SÍNTESE BIOGRÁFICA (Cultural e Histórica)

Retrato de Dante Milano por Cândido Portinari

(*) Abreviaturas utilizadas na SÍNTESE BIOGRÁFICA:
MD (Dante Milano); MB (Manuel Bandeira); MA (Mário de Andrade); ABL (Academia Brasileira de Letras).

1899 - Dante Milano
, poeta, nasce no Rio de Janeiro, Bairro São Cristovão, em 16 de junho, filho do maestro e violinista Nicolino Milano e de Corina Milano, professora de piano. O seu irmão Atílio Milano, nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de maio de 1897, também foi poeta;
1908 – Morre Machado de Assis;1913 – DM trabalhou como conferente de textos na Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro). Foi também funcionário do Juizado de Menores, no Ministério da Justiça;
1914 – Eclosão da Primeira Guerra Mundial;
1917 – Brasil declara guerra à Alemanha. MA publica seu primeiro livro, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, sob o pseudônimo de Mário Sobral. MB publica o seu primeiro livro, A Cinza das Horas;
1918 – Fim da Primeira Guerra Mundial;
1919 – Cecília Meireles publica sua primeira obra, Espectros;
1920 – DM publica seu primeiro poema, "Lágrima Negra", na revista carioca Selecta. (Ver poema abaixo, mantida a grafia original). Nesse ano, por influência de Álvaro Ribeiro Costa, trabalhou como Recenseador no Anuário Estatístico Brasileiro;



LAGRYMA NEGRA

Aperte fortemente a penna ingratta
entre os dêdos nervosos e trementes,
e os versos jórram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma cataracta!

Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lagrymas de prata
como um collar de pérolas pendentes...

Eu canto o soffrimento, a ancia incontida
de amor, que é a maior ancia desta vida,
- vida a que a Humanidade se condemna!

E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor -- pingo de tinta,
lagryma negra que me cáe da penna
.

1921
– DM trabalha como empregado na Contabilidade da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, emprego que obteve através de influência de Olegário Mariano. Nesse ano iniciou seus trabalhos na Diretoria Geral de Estatística, no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, onde permaneceu até 1924;
1922 – Fevereiro: Acontece a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo;
1924
– DM inicia seus trabalhos na Diretoria de Obras no Arsenal da Marinha;
1926 – 29 de janeiro, MB em carta a MA solicita que envie exemplares do Losango Cáqui para DM. Assim escreveu MB: “(...). Peço que mande dois livros pra estas duas criaturas: Mlle. Joanita Blank – 66, Marienburg – NIMÈGUE HOLANDA – Dante Milano, Rua Piratiny, 55 RIO. Em ambos ponha uma palavrinha: a primeira é a minha discipulinha; o segundo é poeta, te provo mandando a deliciosa farra que ele fez pra mim” (4). 23 de março, MB escreve a MA: “Mário. Não gostei que o Dante tivesse dado o meu madrigal pra Germaninha. Isso me aporrinhou. Agora o mal está feito. Acabei uma carta assim. Depois vi que era um poema e mandei pro Dante com o título de “Madrigal monóstico em ritmo inumerável”. Por caçoada. Mas aquilo deve se chamar “Madrigal Engraçadinho”, não acha?” (5). 12 de abril, MB escreve a MA: “(...). Dante não recebeu o Losango. Minha discipulinha também não acusou recebimento. (...)” (6). 15 de abril, MB escrece a MA: “(...), de tarde fui me encontrar com o Dante pra irmos jantar com o Villa que eu imaginava ainda de cama cheio de ataduras e atamoles, e dei com ele de braço dado com Dante na Avenida. Fomos pra rua Didimo. Lá o Dante puxa um papelzinho do bolso como menino que mostrar ao outro uma bolinha de gude e lê esta coisa incrível de simplicidade (em nossa poesia só o “Minha terra tem palmeiras” pode encostar de longe).

SAUDADES DA MINHA VIDA

“Saudades do tempo,
Do tempo passado,
O tempo feliz
Que não volta mais.

“Deus queira que um dia
Eu encontre ainda
Aquela inocência
Feliz sem saber.

“Mas hoje que eu sei
De toda a verdade
Já não acredito
Na felicidade.

“E quando eu morrer,
Então, outra vez,
Pode ser que eu seja
Feliz sem saber.”

Não é sublime, Mário? (...)” (7). 18 de abril, MA escreve a MB: “Manu. Vivi o seu dia feliz. O poema do Dante é de Dante, um colosso. Parece mesmo certos passos da Vida nova que fossem traduzidos pro ritmo mais brasileiro, impetuoso dentro de muito carinho. É realmente uma maravilha. Não sei como é que o Dante não recebeu o meu livro com dedicatória. Tenho a certeza que mandei assim como mandei também pra aluninha de você. Vou mandar de novo dois exemplares pra você distribuir pra eles. O da Joaninha mando sem restrições. O do Dante não sei como é o Dante e me sinto um pouco fatigado você entregará pra ele se achar que é conveniente entregar, isto é, se existe pra mim a mesma correspondência que existe de mim pra ele, isto é compreensão e integração. Já me pesa dedicar livros pra pessoas em que não vou despertar nenhum eco de amizade e de carinho. De admiração e homenagem não careço, de amizade e carinho, são as únicas razões porque escrevo e aguento este tranco duro e compromido de minha vida literária. Aliás creio que você já deve ter reparado nisso. (...)” (8). 1º de maio, MB escreve a MA enviando o manuscrito “Cordão”, de DM: “(...). Mando-lhe o agradecimento de Dante pela oferta do seu livro. Ficou cheio de dedos pra lhe escrever. Creio que lhe quer bem. Bem – bem querer, não admiração, que de resto existe também. Pra você conhecê-lo melhor, mando-lhe o “Cordão” (devolva-me, não tenho cópia). (...)” (9). “Meio desajeitado, sem arriscar julgamento, Dante Milano agradece Losango cáqui: “[...]Muito obrigado pelo livro que você me mandou. Custou mais veio. Como você vê eu estou na situação difícil de te escrever uma carta em atenção à tua gentileza. O pior é que nesses momentos solenes em que tenho de mostrar que sou um rapaz distinto fico logo com vontade de dizer besteira, besteira pra burro, só pra aporrinhar e acabar logo duma vez com isso.// Os elogios ficam pra depois.// Desculpa essa mistura de tu e você. Foi assim que aprendi a falar.// Mário, esta carta é uma merda, mas é uma prova de amizade.” (27 abr., Arquivo MA, Série Correspondência). Em uma outra missiva, de 21 de Agosto de 1926, Dante Milano arriscará: “Tenho quase certeza que você é meu amigo.” (10). “Além do datiloscrito de “Cordão”, que MA manteve em sua posse, encontram-se ainda no Arquivo do escritor, outros dois poemas de Dante Milano “Pequena história de amor” e “Farra”, todos inéditos em livro. “Saudade da minha vida”, informado por Manuel Bandeira, na carta de 14 de abril de 1926, foi transcrito por MA e guardado em envelope, trazendo sobrescrito o nome do autor.” (11). 4 de julho, MA escreve a MB: “(...). Antes de mais nada: aí vai o “Pai-do-Mato” que você entregará pro Facó publicar no Globo. Prometi pra ele e cumpro a promessa. Ele também prometeu de me mandar uma reprodução do meu retrato tirado na redão. Cobre dele e me mande, faz favor. E ainda quero as direções do Ovalle e do Dante pra escrever agora pra eles. (...)// Não tenho saudades dos dias que passei no Rio porém guardo comoções fundas. Só tenho mesmo desejo de ter você mais perto de mim, o resto não, assim longe como está, está bem. No entanto é certo que sobretudo o Ovalle e o Dante fique gostando deles de verdade. (...) Não se esqueça de me mandar a direção do Ovalle e do Dante. Fiquei querendo bem eles até o fundo do coração” (12). 25 de julho, BA escreve a MA: “(...)// Manda pra mim a carta do Dante pois atualmente será mais fácil: a família dele mudou-se e não sei como é como não é. //Abraços” (13). Em 25 de Agosto, MB escreve a MA: “(...). Villa fez mais uma seresta sobre versos do Dante. Ficou uma delícia. (...)” (14);

1927 – DM deixa a Diretoria de Obras no Arsenal da Marinha e inicia seus trabalhos na 2ª Vara de Órfãos e Sucessões, no Ministério de Justiça e Negócios Interiores. Pela influência de Aníbal Machado, inicia seus trabalhos no Juizado de Menores – Escrevente de Juramentado também no Ministério de Justiça e Negócios Interiores. 24 de abril, MB escreve a MA: “(...)// Li o Amar com delícia (...)//. Os exemplares que encontrei no Rio, entreguei-os ao Dante, que os leu logo e passou logo ao Ovalle. Dante gostou muito. (...)” (15);
1930 – DM inicia sua colaboração no suplemento "Autores e Livros", de "A Manhã" e do "Boletim de Ariel". Em outubro, Washington Luís é deposto e Getúlio Vargas ascende ao poder, onde ficará até 1945. MB publica Libertinagem. Drummond de Andrade estréia com Alguma Poesia;
1931
– 22 de maio, MB escreve a MA: “Rio de Janeiro, 22 de maio: 
// Mário. // Ontem tive ocasião de conhecer seu amigo Paulo Magalhães. Jantamos eu e Dante Milano com o Celso Antonio, que também mora na Pensão Monroe, e depois subimos ao quarto do Paulo onde ouvimos até dez e meia um despotismo de coisas belas na radiola. (...). Achei o Paulo simpático e o convidei a vir cá domingo com o Dante e o Celso Antonio. (...)” (16). Em 6 de julho, Bandeira escreve a Mário: “(...)// Ontem houve uma reunião aqui de amigos arranjada pela Elsie, que diz assim: “Domingo nós vamos aí, levamos uma ceia, vocês não têm trabalho nenhum, etc.” Que se há de fazer? E veio a Elsie, o Péret dizendo merde a todo instante, mme. Houston recém-separada do marido, Dante, Ovalle e Cícero Dias. //(...)” (17);
1932 – 9 de julho, em São Paulo, deflaga-se a Revolução Constitucionalista;
1933
– 16 de outubro, MB escreve a MA: “(...)// Hoje ou amanhã eu farei a entrega ao Dante do Remate. //(...)” (18);
1934 – Eleita a Assembleia Constituinte;
1935
– DM organiza a "Antologia dos Poetas Modernos", primeira antologia de poetas dessa fase publicada pela Editora Ariel;
1936 – DM escreve: “Manuel Bandeira e a Vida”, em Homenagem a Manuel Bandeira, no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro:- No Testamento de Pasárgada: antologia poética / Manuel Bandeira; seleção, organização e estudos críticos de Ivan Junqueira, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (Coleção Poiesis), na pág. 253, Junqueira descreve um breve trecho desse texto de DM: (...) -, Dante Milano, afirmou certa vez que esse era o “o segredo de Manuel, aquele menino, que supera todas as amarguras do seu espírito e da sua carne, e que dá saltos, cambalhotas, e enche de gritinhos e risinhos a sua poesia”;
1937 – Dissolução do Congresso Brasileiro. Surge o Estado Novo;
1938 – MA é afastado do Departamento de Cultura e muda-se para o Rio de Janeiro, retornando para a Paulicéia somente em 1940;
1939 – Início da Segunda Guerra Mundial;
1940 – MB é eleito para a ABL e é recebido pelo seu amigo Ribeiro Couto;
1942 – O Brasil declara Guerra à Alemanha e aos seus aliados;
1945 – DM passa a exercer seus trabalhos como Oficial no Gabinete do Chefe da Polícia do Distrito Federal - Ministério de Justiça e Negócios Interiores. Nesse mesmo ano inicia sua função de Diretor do Museu da Polícia Civil do Departamento de Segurança Pública do antigo Distrito Federal, do Ministério de Justiça e Negócios Interiores. Fim da Segunda Grande Guerra. Getúlio Vargas é deposto. Em São Paulo, morre MA;
1947 – DM casa-se com Alda;
1948 – DM publica seu primeiro livro, "Poesias", pela Editora José Olympio e recebe o Prêmio Felipe d'Oliveira de melhor livro de poesia do ano. Nesse mesmo ano MB reedita três livros: Poesias Completas; Poesias Escolhidas e Poemas Traduzidos e publica Mafuá do Malungo (impresso em Barcelona por João Cabral de Melo Neto);
1950
– No 6.º Volume do Diário Crítico – 1948/1949, publicado pela Divisão do Arquivo Histórico de São Paulo – Vol. XXXVII da Coleção do Departamento de Cultura, nas páginas 214 a 219, Sérgio Milliet desenvolve texto crítico sobre a censura do leigo à poesia moderna, onde insere comentários sobre DM e sua obra “Poesias”;
1952 – DM altera a denominação “Magia Negra”, para “Magia Afro-Brasileira”, no relatório do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Sérgio Milliet publica o Panorama da Moderna Poesia Brasileira, pelo Ministério da Educação e Saúde & amp; Departamento da Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, e nas páginas 78/79 insere breve ensaio sobre DM e sua obra “Poesias”, publicada em 1948 (No texto, Milliet comete um equívoco ao mencionar que essa obra fora publicada em 1949);
1953 – DM publica nos Cadernos de Cultura do MEC, “Três Cantos do Inferno”, de Dante Alighieri, que trabalhou na tradução deste 1948. Em 15 de novembro, falece seu amigo Jorge de Lima, Poeta, romancista, ensaista e tradutor;
1954 – Getúlio Vargas, eleito presidente em 1950, suicída-se;
1955
– 09 de setembro, morre seu grande amigo Jayme Ovalle. DM, após a morte de Ovalle escreve sobre o amigo: “Tudo o que fazia era prodigioso, mas se dava ao trabalho de realizar. Não podia, não havia tempo. (...) Do pouco que resta de sua passagem pela Terra, há um livro em inglês (The Foolish Bird), ditado em transe a uma amiga e secretária, e algumas músicas fugitivas e encantadas. E basta. Nem era preciso tanto. De tal homem bastava a presença”. (Transcrição parcial do livro Jayme Ovalle – O Santo Sujo, de Humberto Werneck, Editora Cosac Naify, 2008);
1956 – DM aposenta-se no cargo de Diretor do Museu da Polícia Civil do Distrito Federal;
1958 – Reedição de “Poesias” com acréscimo de 21 textos inéditos, pela Agir;
1959 – 22 de abril, MB escreve um depoimento maravilhoso sobre o amigo Poeta DM: “De Dante Milano tenho até pudor de falar, tão fraternalmente me sinto ligado a ele, diretamente e pela lembrança de Jaime Ovalle. O único poeta brasileiro de quem se pode dizer: este leu Alighieri, este leu Petrarca. Por falar nisso, não sei por que não estão neste volume as traduções da Divina Comédia (se Milano tivesse vocação para o martírio e eu fosse Governo, encomendava ao poeta a tradução de todo o poema do xará florentino). Na poesia de Dante Milano toda tarde é a última tarde; todas as coisas se tornam mais verdadeiras”. Esse depoimento está publicado no livro Andorinha, Andorinha – Edição Comemorativa do Centenário de Nascimento do Bardo (1886-1986), com Seleção e Coordenação de Textos de Carlos Drummond de Andrade, Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1986, p. 203, com o título “ESTE LEU ALIGHIERI – Dante Milano: Poemas”;
1960 – Inauguração de Brasília, nova capital da República;
1962
– 06 de fevereiro, falece no Rio de Janeiro, seu amigo Cândido Portinari;
1963 – 30 de maio, morre em Paris, França, seu amigo jornalista, escritor, magistrado, diplomata, contista, romancista e poeta: Ribeiro Couto;
1964 – DM aposenta-se do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Rio de Janeiro. Dia 9 de novembro, Cecília Meireles falece no Rio de Janeiro. O Brasil passa a ser comandado pelo Regime Militar;
1968
– Dia 13 de outubro, às 12h:50min., morre no Hospital Samaritano, em Botafogo, Rio de Janeiro, seu amigo MB, sendo sepultado no Mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista;
1971 – Nova Reedição de “Poesias” pela Editora Sabiá, agora com a tradução da Divina Comédia de Dante Aliguieri;
1979 – Em 3ª Edição o livro “Poesias” ganhou textos em prosa e foi publicado pela Editora Civilização Brasileira & UERJ, com o título "Poesia e Prosa";
1987 – Em 08 de Agosto, DM concede uma das raras entrevistas (era avesso a entrevistas e bajulações) a Denira Rozário, em Petrópolis. Segundo consta, Ivan Junqueira estava presente nessa entrevista. Nesse mesmo ano, André Andrias produz um vídeo sobre a obra de DM, intitulado “Tudo é Exílio”, com a participação de Ivan Junqueira;
1988 – DM entrega para publicação pela Editora Boca da Noite seu último trabalho: "Poemas Traduzidos de Baudelaire e Mallarmé". Recebe o Prêmio Machado de Assis, concedido pela ABL pela edição do livro “Poesia e Prosa”. Por estar enfermo sua esposa Alda Milano foi representá-lo e receber a premiação;
1991 – 15 de abril: Dante Milano falece em Petrólis, Rio de Janeiro.


DADOS PÓSTUMOS:

1994
– É reeditado “Poesias”, agora pela Editora Firmo, de Petrópolis – RJ;
2004 – A ABL lança “Obra reunida”, de DM, organizada e com estabelecimento de texto de: Sérgio Martagão Gesteira, que também procedeu ao estabelecimento do texto, e com uma acurada apresentação de Ivan Junqueira. O volume reúne toda a poesia milaniana, prosas, dois ensaios, algumas cartas, traduções, textos sobre literatura e uma bibliografia comentada;
2009
– 02 de setembro, Ivan Junqueira, no Trianon da ABL, concede longa entrevista a Alexandre Corrêa: fala da vida e da obra do Poeta e amigo DM. Alexandre Corrêa publica pela EDUFMA, São Luis/MA – “O Museu Mefistofélico e a distabuzação da magia: análise do tombamento do primeiro patrimônio etnográfico do Brasil” – trabalho final da pesquisa pós-doutoramento sobre os usos do conceito de patrimônio etnográfico no Brasil, através da análise do significado cultural da Coleção de Magia Negra da Polícia Civil do Rio de Janeiro, onde o autor buscou também analisar a biografia e a obra do poeta carioca, DM, diretor do Museu da Polícia Civil do antigo Distrito Federal, a partir de 1945.


DEPOIMENTOS:

Alda Milano:
“Dante nasceu em 16/6/1899, em São Cristóvão, que era o bairro do Imperador, filho de Nicolino Milano e de D. Corina Milano. Ela tocava muito bem piano, acompanhou o marido em diversos concertos. O pai de Dante viveu muitos anos na Europa, onde fez muito sucesso... Pois bem, Dante frequentou Escola Pública e depois uma escola em Lins. Aí o Avô, que era dono de lojas de colchões, fornecedor do Imperador, ficou pobre, sofreu com dois incêndios. Naquela época, imagine. Nesse tempo, Dante já estava sem o pai, que viajara para a Europa, separado da mãe. Eles ficaram quase na miséria. Dante não pôde fazer ginásio, nada disso. Dante é um poeta nato, autodidata. Aprendeu o inglês, o francês, o italiano sozinho. Adolescente ele foi trabalhar no Jornal...”.
(Neves, 1996, p. 74-5) & amp; Corrêa. Alexandre Fernandes, O Museu Mefistofélico e a Distabuzação da Magia – Análise do Tombamento do Primeiro Patrimônio Etnográfico do Brasil, Ed. EDUFMA, São Luis/MA, 2009, rodapé p. 104).

Silva Ramos: “Em 1948, depois do surgimento da 'Geração de 45', o ambiente era favorável à aceitação da poesia comedida, intemporal, ontológica de Dante Milano, e por isso mesmo o livro encontrou repercussão crítica e acolhimento entre todas as gerações modernistas, das mais velhas às mais novas. Não demonstrando influências em seus versos, a não ser eventual comunidade de pensamento ou situação com Manuel Bandeira; revelando por vezes senso plástico, como escultor que é; autor de poesia tecnicamente bem acabada e como que apta a resistir às investidas do tempo; sensual, de um sensualismo cinza e até meio cubista, às vezes; pessimista ou desencantado, Dante Milano, apesar da estréia tardia, é um dos poetas representativos de sua geração”.
Ramos, Péricles Eugênio da Silva [1967]. Dante Milano. In: ___. Poesia moderna: antologia. p. 374.

Paulo Mendes Campos: “Trata-se essencialmente de um poeta anti lírico. A palavra lirismo é equívoca e exige uma conceituação pessoal. André Gide afirmava que sem religião não poderia haver lirismo. Preferia eu dizer que sem o jogo-do-faz-de-conta, sem o sentimento ilusório de que a vida tem um sentido, não pode haver lirismo. Dante Milano é o poeta antipoético, o poeta do desespero. Também este, o desespero, pode ser lírico, mas não o desespero seco, sem lágrimas como um soluço. Em todos os poemas deste livro, encontramos o mesmo timbre árido: em vez de sonho, o pesadelo; em vez da fantasia, a angústia; em vez de amor, um arremedo de posse bruta. O próprio poeta se espantou há muitos anos, quando lhe disse, com admiração, que a sua poesia me parecia sinistra. Releio agora os poemas, procuro cuidadosamente uma fresta lírica, um respiradouro, e chego à antiga conclusão: esta poesia é sinistra, nua, desértica”. 

Campos, Paulo Mendes [29 jan. 1972]. O antilirismo de um grande poeta brasileiro. In: Milano, Dante. Poesia e prosa. p. 345-346.

Davi Arrigucci Jr.:
“(...) como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos - lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido. Uma forma de calada música, que imita, roçando o silêncio, o pensamento. Sua frase límpida e por vezes de sabor clássico, imune a cacoetes modernistas, se presta, porém, a um verso moderno, desinflado, apto para armar equações estranhas com a visão irônica de quem repensa o mundo ou os mundos (a vigília e o sonho; o passado e o presente; o inconsciente e a consciência), partindo da condição do exílio e de um senso lúcido e desencantado da desarmonia de tudo. Visão que o leva a imagens recorrentes de perplexidade de um ser desmemoriado, perdido de si mesmo, errante nas distâncias desproporcionadas de uma terra de ninguém”.
Arrigucci Jr., Davi [1991]. Dante Milano: a extinta música. Folha de S. Paulo, p.6, caderno 6.

QUATRO POEMAS DE DANTE MILANO:

POEMA DO FALSO AMOR

O falso amor imita o verdadeiro
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro

É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?

Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso

Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!

SALMO PERDIDO

Creio num deus moderno,
Um deus sem piedade,
Um deus moderno, deus de guerra e não de paz.

Deus dos que matam, não dos que morrem,
Dos vitoriosos, não dos vencidos.
Deus da glória profana e dos falsos profetas.

O mundo não é mais a paisagem antiga,
A paisagem sagrada.

Cidades vertiginosas, edifícios a pique,
Torres, pontes, mastros, luzes, fios, apitos, sinais.
Sonhamos tanto que o mundo não nos reconhece mais,
As aves, os montes, as nuvens não nos reconhecem mais,
Deus não nos reconhece mais.

TERRA DE NINGUÉM

A sala recende
A terra molhada,
A caule úmido e raiz apodrecida.

As flores sobre o cadáver
Contraem pétalas enregeladas.
A figura de cera no caixão bordado
Sorri como um cego sorri
Com ar de náusea.

Os convidados expandem uma tristeza festiva.
O defunto recusa
Qualquer comunicação com a humanidade
Que lhe é de todo indiferente agora.
(Ele que morreu "pela Causa" e recebe honras fúnebres.)

Em sua torre de marfim,
Sob o céu absoluto da paisagem devastada,
Reina, altivo. (Há coroas, há bandeiras na sala.)

Passante! descobre-te e não rias,
Respeita a morte e o fedor se sua glória.



PIETÁ

Essa mulher causa piedade
Com o filho morto no regaço
Como se ainda o embalasse.
Não ergue os olhos para o céu
À espera de algum milagre
Mas baixa as pálpebras pesadas
Sobre o adorado cadáver.
Ressuscitá-lo ela não pode,
Ressuscitá-lo ela não sabe.
Curva-se toda sobre o filho
Para no seu seio guardá-lo,
Apertando-o contra o ventre
Com dor maior que a do parto.
Mãe, de Dor te vejo grávida,
Oh, mãe do filho morto!
-x-x-x-x-

NOTAS (PARTE I):

(1) Corrêa, Alexandre F. In. O Museu Mefistofélico e A Distabuzação da Magia – Análise do Tombamento do Primeiro Patrimônio Etnográfico do Brasil. E. EDUFMA, São Luis/MA, 2009, pp. 101/102.
(2) Amauri M. Tonucci Sanchez, 1945 – Professor de Literatura Brasileira da USP/SP, crítico literário.
(3) Segundo Péricles Ramos, essa inclusão se deu assim: “Em 1948, depois do surgimento da ‘Geração de 45’, o ambiente era favorável à aceitação da poesia comedida, intemporal, ontológica de Dante Milano, e por isso mesmo o livro encontrou repercussão crítica e acolhimento entre todas as gerações modernistas, das mais velhas às mais novas.
Não demonstrando influências em seus versos, a não ser eventual comunidade de pensamento ou situação com Manuel Bandeira; revelando por vezes senso plástico, como escultor que é; autor de poesia tecnicamente bem acabada e como que apta a resistir às investidas do tempo; sensual, de um sensualismo cinza e até meio cubista, às vezes; pessimista ou desencantado, Dante Milano, apesar da estreia tardia, é um dos poetas representativos de sua geração [Ramos, 1967]”. Texto retirado do: Ver Nota (1), pp. 106/107.
(4) Andrade, Mário de. e Bandeira, Manuel. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Organização, introdução e notas Marcos Antonio de Moraes. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001 [2000], p. 272.
(5) _____________ - e Bandeira. Manuel. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Organização, introdução e notas Marcos Antonio de Moraes. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001 [2000], p. 280.
(6) _____________ - Idem. P. 284.

(7) _____________ - Idem. PP. 285/286. [Em Nota de Rodapé, n.º 41, p. 285: Com o título “Saudade do Tempo”, Dante Milano inclui estes versos, com variações, em Poesia (Rio de Janeiro, José Olímpio, 1948)].
(8) _____________ - Idem. P. 286.
(9) _____________ - Idem. P. 288.
(10) ____________ - Idem. P. 289, em Nota de Rodapé, n.º 46.
(11) ____________ - Idem. P. 289, em Nota de Rodapé, n.º 47.
(12) ____________ - Idem. P. 298 e 300.
(13) ____________ - Idem. P. 302.
(14) ____________ - Idem. P. 304.
(15) ____________ - Idem. P. 344.
(16) ____________ - Idem. P. 507.
(17) ____________ - Idem. P. 512.
(18) ____________ - Idem. P. 569.



FONTES PESQUISADAS (PARTE I):


- Andrade, Mário de. e Bandeira, Manuel. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Organização, introdução e notas Marcos Antonio de Moraes. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001 [2000].
– Corrêa, Alexandre F. In. O Museu Mefistofélico e A Distabuzação da Magia – Análise do Tombamento do Primeiro Patrimônio Etnográfico do Brasil. E. EDUFMA, São Luis/MA, 2009.
- _________ . O Imaginário do Mal no Movimento Literário Brasileiro do Início do Século XX: contribuições teóricas e metodológicas preliminares – Texto produzido a partir dos resultados apresentados pelo Projeto de Pesquisa para Estágio de Pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2009/2010.
- Machado, Márcia Regina Jaschke. Mestre em Literatura Brasileira (USP) e Doutoranda em Literatura Brasileira (USP), Professora de Estudos Literários na Unicentro, Paraná, Departamento de Letras. In. Cartas: Um Espaço de Reflexão Crítica no Modernismo Brasileiro, sd.
- Santos Castino, Sonia Breitenwieser Alves dos. In. A Produção de Sentidos e a Palavra Poética em A Ponte, de Dante Milano. Sonia Santos Castino (Universidade de São Paulo – PG, CIP – Faculdade Cásper Líbero, Universidade Anhembi-Morumbi/SP).
- Todos os mencionados no tópico NOTAS (PARTE I).

NOTAS (PARTE II):

(1) “É o prazer de espantar e a satisfação orgulhosa de jamais se espantar” (Jamil A. Haddad in BAUDELAIRE, 1981, p. 26).
(2) Castoriadis escreveu: “Um fantasma permanece um fantasma para uma psique singular; mas um artista, um poeta, um músico, um pintor, não produz fantasmas, ele cria obras, aquilo que sai da imaginação engendra, adquire uma existência real”, isto é, “social-histórica, utilizando uma quantidade imensurável de meios, de elementos – e, para começar, a linguagem –, que o artista jamais poderia criar sozinho” (2004, p. 169).

REFERÊNCIAS (PARTE II):

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. São Paulo: Max Limonad, 1981.
CASTORIADIS, Cornelius. Figuras do Pensável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
MILANO, Dante. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: UERJ, 1979.
________. Dante Milano: obra reunida. Rio de Janeiro: ABL, 2004.


PEQUISAS NA INTERNET:
http://www.speculum.art.br
http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet034.htm
http://poemargens.blogspot.com/2007/07/dante-milano.html
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/dante_milano.html http://julianita.oliveira.blog.uol.com.br 

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Milano

Luiz de Almeida & Alexandre Corrêa